Pensamentos sobre palavras, retóricas e intenção


Este texto irá conter exemplos de discriminação e de palavras estigmatizadas, além de discussões sobre o dano que palavras podem causar.

Sinto que este texto está meio embaralhado demais pra servir como uma boa referência, mas espero poder expressar a importância de tirar certos termos do vocabulário quando pessoas marginalizadas dizem que eles machucam ou contém estigma.

Tipos de termos problemáticos


Algumas vezes, certos termos por si só são ofensivos, mesmo que o contexto do termo não seja. Tais termos podem ser ofensivos por trazerem conotações históricas de xingamentos, estigmas ou categorizações errôneas, ou por terem se tornado formas negativas de se referir a algo através dos tempos e terem eventualmente deixado de ser categorizações.

Por exemplo, se alguém se refere a pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero como "praticantes do homossexualismo", mesmo que de forma positiva, ainda é possível que muita gente se sinta desconfortável.

Isso porque tal expressão dá a entender que orientações sexuais se referem apenas a práticas, faz referência ao uso da retórica de que heterodissidência é ou uma doença ou uma ideologia [1], e coloca todas as pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero como "homossexuais", uma palavra que não se encaixa para pessoas que sentem atração por mais de um gênero e nem para as pessoas que só se identificam como lésbicas ou gays.

Em casos como este, é possível apenas trocar o termo utilizado para evitar o desconforto alheio.

Outras vezes, os termos são apenas um bônus dentro de uma retórica discriminatória. As razões para tais termos serem ofensivos podem ser as mesmas dos termos acima, mas há o problema adicional do contexto no qual estão inseridos.

Por exemplo, o pai de uma criança não a deixa assistir certo programa de TV por "conter homossexualismo". Neste caso, não importa se ele usasse palavras como "possui representação heterodissidente" ou "contém conteúdo LGBTQIAPN+" ou qualquer coisa do tipo; o problema é ele achar que isso de alguma forma é ruim para uma criança assistir.

De qualquer forma, existe também uma variação na intensidade do quanto cada termo é ofensivo. Ou seja, não é só porque um termo não é tão ruim quanto outro é que não é ofensivo.

Também existem termos que não vão ser ofensivos em determinadas situações, mas que vão ser em outras. Por exemplo, organismos assexuados (que não possuem diferenciação sexual dentro de sua espécie) existem, mas uma pessoa assexual não deve ser chamada de assexuada.

Sobre intenção


Algumas pessoas argumentariam que não há problema nenhum com o primeiro caso, só com o segundo.

O que eu digo em resposta é que o segundo caso é um problema pior do que o primeiro. Retórica sempre vai ser mais danosa do que o uso das "palavras erradas". Porém, não acho que isso signifique que nenhum esforço pode ser feito para que palavras com conotações opressivas saiam do vocabulário.

Pessoas que passaram por situações de abuso, violência ou apagamento por conta de certas palavras podem não se sentir confortáveis com certos termos em nenhum contexto.

Pessoas que sabem que certos termos não deveriam ser usados podem não se sentir seguras entre quem "não se importa com o termo certo porque o importante é entender a mensagem".

Pessoas que sabem das conotações negativas dos termos podem presumir que quem os usa não se importa em combater certo tipo de opressão/discriminação, ou até mesmo concorda com a conotação embutida no uso de tais termos.

Existe também a questão de palavras influenciarem que associações vão ser feitas com cada grupo. Por exemplo, o uso de palavras como homofobia, transfobia e xenofobia faz com que pessoas façam mais associações dessas discriminações com fobias que são neurodivergências, em comparação a discriminações como racismo e misoginia.

De qualquer forma, o uso de termos inadequados sempre lembra as pessoas que sabem que tais termos são inadequados de que certos tipos de opressão ainda são normalizados naquele espaço.

Sobre comunicação


Comunicação é um processo de troca de informações. Um lado precisa expressar algo que o outro lado vai entender.

Muitas vezes, comunicação não tem só a ver com a ideia do que está sendo dito. Uma série de sinais pode complementar a informação das palavras que estão sendo transmitidas. Muitas vezes, a expectativa de certos sinais pode arruinar a informação dada, ou fazer com que pessoas duvidem de sua veracidade, por mais que ela seja boa.

Isso pode afetar muita coisa, mas quero focar aqui em palavras. As palavras que alguém usa podem ser indicativas dos grupos sociais aonde a pessoa está inserida. Quando se trata de grupos marginalizados, é comum que pessoas que tenham mais contato com tais grupos saibam se referir a eles de forma menos ofensiva, enquanto pessoas sem contato nenhum podem nem saber que as palavras que usariam para se referirem a tais grupos são consideradas ofensivas ou inadequadas.

Quando uma pessoa usa "pessoas com probleminha" para se referir a pessoas neurodivergentes, isso dá a pessoas neurodivergentes um motivo para presumirem que esta pessoa possivelmente não as respeita como seres humanos. Talvez isso seja verdade, talvez não. Mas, justamente por capacitismo ser comum, se pessoas neurodivergentes quiserem se afastar e/ou não revelarem sua neurodivergência por essa pessoa, isso deve ser visto como um mecanismo de defesa, e não como "política da pureza" [2].

Sobre alcance


Quando alguém diz que certo termo é opressivo e não deve ser utilizado, o que a pessoa quer dizer é que, ou naquele contexto, ou em qualquer contexto, certo termo carrega um estigma relacionado a discriminação.

Para algumas pessoas, isso pode parecer valorização de linguagem politicamente correta acima da retórica. Porém, só porque certos atos discriminatórios são piores, não significa que outras coisas não contribuem com discriminação.

Quando é só a linguagem que está errada, é só isso que deveria melhorar.

Quando há mais coisas erradas, com certeza há mais coisas a criticar, mas isso não significa que nenhuma crítica pode ser feita à linguagem usada.

Às vezes, é mais fácil criticar palavras sendo usadas, porque geralmente não é necessária muita explicação ao redor disso.

Por exemplo, pode ser muito mais fácil escrever uma postagem dizendo "não usem [palavra] porque literalmente significa [coisa ruim associada a grupo marginalizado]" do que uma postagem que pede para que pessoas reflitam sobre hábitos mais profundos ou histórias sangrentas ou dados negativos de pesquisas.

Em boa parte dos casos, há menos necessidade de reflexão sobre mudanças no vocabulário do que sobre outras coisas, e há menos pesquisa envolvida em expressar o motivo de uma palavra ser ruim do que em expressar o motivo de outras coisas aparentemente inocentes serem ruins.

Porém, tem vezes que é muito difícil criticar palavras sendo usadas, porque tais palavras são consideradas presentes demais no vocabulário comum para mudar o hábito. Por exemplo, por mais que imbecil signifique "sem inteligência" ou "alguém com atraso mental", é comum justificarem o uso da palavra dizendo que em "suas opiniões", o termo só significa algo como ruim/chate/irritante.

É estressante o quanto é fácil ler e fazer postagens sobre o quanto certas palavras são ruins, só para ver pessoas defendendo arduamente o uso de palavras que poderiam ser substituídas com pouca dificuldade. E, sim, existem casos de pessoas que esquecem fácil de certas coisas ou que já possuem dificuldades em achar palavras, mas isso não se aplica na maior parte das defesas.

A eliminação de termos problemáticos por pessoas que podem escolher suas palavras com mais cuidado irá facilitar com que outras pessoas nem precisem refletir tanto sobre como vão substituir alguma palavra já "enraizada".

Sobre a utilização das "palavras certas" enquanto discriminação é perpetuada


Tanto pessoas bem intencionadas que não entendem que o que estão fazendo quanto pessoas mal intencionadas que acham que podem falar o que quiser desde que usem as palavras certas podem disfarçar retórica opressiva com linguagem geralmente usada em espaços antiopressão. E isso é um problema.

Por exemplo, perguntar se certa pessoa não-binária foi designada como homem ou como mulher para assim categorizar tal pessoa em certos estereótipos ainda é cissexista, mesmo que uma pergunta como "você nasceu homem ou mulher" seja ainda mais cissexista.

A conscientização sobre assuntos de forma mais profunda do que termos usados é importante. É importantíssimo saber que a medição de inteligência é opressiva, que sexos não deveriam ser associados a gêneros, que normas de gênero são socialmente construídas e não precisam ser obedecidas por pessoas de qualquer identidade de gênero, que opressões não acabaram século passado, que colonialismo ainda afeta mesmo povos que supostamente ficaram independentes de seus respectivos países colonizadores, que qualquer pessoa merece acesso a ar, saúde, alimentação e moradia independentemente de seu emprego ou da sua capacidade de produzir, que o capitalismo é inerentemente opressivo, etc.

Quando alguém não sabe disso, não é culpa de pessoas que pedem para parar de usar certas palavras e que supostamente não vão além disso (geralmente esse tipo de ativista superficial nem existe). Isso é culpa de uma sociedade que incentiva a reprodução de uma série de ideias opressivas, o que inclui tanto a retórica discriminatória como a normalização de palavras estigmatizadas.

Sobre ressignificação


Ressignificação significa que alguém, ou um grupo, como parte de um grupo marginalizado afetado por uma palavra estigmatizada, usa aquele termo para se descrever de forma positiva.

Por exemplo, quando alguém com atração por mais de um gênero usa bissex para si, esta pessoa está usando um termo usado para descrever mídia pornográfica que contém uma pessoa transando com pessoas de dois outros gêneros ao mesmo tempo como uma parte de sua identidade, ao invés de como um termo que promove a fetichização de identidades multi.

Isso não significa que bissex seja um termo adequado para se referir a qualquer pessoa que não se identifique especificamente com este termo.

Isso também não significa que pessoas bi possam usar bissex como xingamento contra outras pessoas bi (por serem, por exemplo, não-monogâmicas). Isso não é uma ressignificação, isso é apenas contribuir com o significado original da palavra.

Alguns termos foram mais amplamente ressignificados, como gay. Hoje em dia, a maioria não vê gay como um xingamento que perpetua estigma contra pessoas heterodissidentes, apenas como uma identidade. (Ainda assim, é possível que o termo seja usado como xingamento, mas neste caso ele só tem a conotação de associar heterodissidência com algo ruim por conta do contexto.)

Portanto, é importante também ver o contexto onde a palavra estigmatizada está sendo usada antes de, por exemplo, acusar a pessoa de estar perpetuando discriminação. Mesmo assim, o fato de uma pessoa ser afetada por uma palavra não lhe dá o direito de xingar outras com ela e dizer que tudo bem ela usar a palavra porque "está ressignificando" (se está usando como algo negativo, não está).

Links



Notas


[1] O sufixo -ismo é associado com ideologias (como marxismo ou liberalismo). Além disso, o termo homossexualismo era usado em literatura médica para categorizar pessoas heterodissidentes (ou ao menos parte delas).

[2] O termo política da pureza é usado para criticar grupos que tentam excluir qualquer outro que não seja puro o suficiente. É um termo versátil que já foi usado em várias situações diferentes, mas é comum usá-lo para comunidades que se dizem progressivas que atacam qualquer pessoa ou coisa que não seja

Quem ganha com a exclusão xenogênero?


Aviso de conteúdo: exorsexismo, reducionismo de gênero, redes sociais corporativas

(Eu vou focar aqui em questões xenogênero, mas diversas microcomunidades enfrentam problemas similares.)

Quando mencionam a existência de identidades xenogênero, é comum que a reação seja basicamente concern trolling:

  • "Na verdade, acho que essas identidades são só isca de fascista pra desmoralizar a comunidade, e você está caindo nelas."
  • "Isso é só confusão entre identidade de gênero e gostos/personalidade/modo de se vestir, pessoas não-cis de verdade não se identificariam assim."
  • "Essas identidades só confundem as pessoas sobre o movimento; mesmo que sejam reais, é melhor que as pessoas só se digam não-binárias se querem ser levadas a sério."

Confesso que digitar essas coisas me dá tanto nojo quanto digitar argumentos anti-gays ou anti-trans espalhados por qualquer reaça.

E isso não é só porque eu sou pessoalmente afetade por eles, mas também porque silenciam um grupo diverso de pessoas. Essa retórica faz com que um tipo de diversidade interessante e pouco explorada, que deveria ter chance de ter uma voz e de falar de suas experiências, fique isolado em uns cantos em um estado contínuo de ter que suspeitar de qualquer negatividade e de qualquer pessoa que não faça parte desses círculos.

Não dá pra confiar em ninguém


Haviam dois grandes blogs LGBTQIAPN+ dedicados a falar sobre termos para identidades que eram populares. Um deles foi hackeado e deletado, e o outro teve infiltração de alguém com más intenções que resolveu resetar o blog para "não ser mais homomísico" (e começou a usar retórica de feministas radicais e a deixar de validar identidades não-hétero ou não-cis que não eram aprovadas pelo seu novo público monossexista e reducionista de gênero).

Originalmente, os dois blogs tinham certo cuidado com criticar identidades problemáticas e com tentar não aceitar identidades de trolls (a não ser que alguém quisesse ressignificá-las).

Depois disso, o próximo blog que ficou popular não quis ter esses cuidados. É um blog que cataloga qualquer tipo de identidade e que aceita qualquer tipo de envio de termo, sem julgamentos.

Isso criou uma ruptura. Algumas pessoas que aceitavam microcomunidades antes agora começaram a associá-las com a aceitação de termos trolls e problemáticos. Outras pessoas defenderam o blog e foram incentivadas por ele a cunharem identidades menos aceitáveis ainda (mesmo que a maioria não seja necessariamente problemática). Outras se afastaram de ambos estes grupos, aceitando microcomunidades mas tentando manter discernimento.

Independentemente do quanto este blog específico teve influência nisso, a ausência de blogs populares que poderiam ser apontados como recursos bons e a onda de ódio contra microcomunidades fez com que muitas pessoas deixassem de se identificar de forma tão livre em seus perfis pessoais, para evitar serem julgadas por isso.

Enquanto pessoas "ex-xenogênero" (assim como pessoas "ex-assexuais", "ex-MOGAI", entre outras) se sentiram livres para falar de seus relatos de como a liberdade de poder escolher entre identidades demais fez com que elas tivessem escolhido identidades de gênero específicas demais, sendo que depois perceberam que essas identidades eram "inúteis"/"pouco materiais"/"inexistentes"/erradas, pessoas xenogênero no máximo fazem postagens tentando justificar o motivo de xenogêneros existirem, em contas geralmente anônimas para esquivar do ódio inevitável.

Ou seja, temos poucas postagens pessoais de pessoas descrevendo como é ser xenogênero, porque depois de um certo ponto, valia mais a pena calar a boca sobre isso, ou fazer um blog novo pra falar sobre essas coisas mas sem dar informações que poderiam identificar a pessoa em outro lugar.

Isso acaba incentivando a comunidade a ficar no Tumblr e no Discord. No Tumblr, é fácil fazer um blog novo "anônimo", e mandar perguntas anônimas, e já ter contato com a comunidade. Discord também não revela seu endereço de e-mail ou qualquer coisa pra ninguém, então é só fazer um formulário de inscrição para o servidor e pronto! Mais um lugar para fazer amizades.

Mas isso tem consequências:

  • Não é possível apontar uma comunidade que tenha nomes e rostos, porque até seu blog preferido pode sumir do nada sem deixar contato;
  • Como coloquei acima, relatos pessoais são poucos, e a maior produção da comunidade acaba sendo bandeiras e termos, independentemente de serem coisas com as quais quem as cunha se identifica ou de serem só uma ideia que alguém teve;
  • A comunidade não consegue se expandir para lugares que requerem identidades mais fixas e/ou sem uma microcomunidade já estabelecida, porque mesmo espaços não-binários gerais podem reagir com ódio e intolerância.


O ciclo


Com a comunidade isolada, anônima e cansada de ter que se defender, é fácil que trolls realmente finjam ser parte dela.

E é provável que ninguém realmente da comunidade queira tentar ser um exemplo positivo e se expor à intolerância e ignorância, depois do dano ter sido feito.

Isso perpetua a ideia de que todo mundo que se identifica com "termos estranhos" seja troll.

E daí pessoas xenogênero não se sentem seguras em sair do seu canto ou em falar de suas experiências.

Ainda mais quando é fácil achar ódio: é só procurar por termos xenogênero em redes sociais. Stargender. Gendercute. Caelgender. Colorgender. Arithmagender. Cadensgender As vozes defendendo estas identidades ou se identificando com elas vão ser anônimas, enquanto quem faz chacota ou discurso de ódio não tem porque se esconder: sua opinião está dentro da norma.

Assim também é difícil se descobrir xenogênero, ou pensar nessa possibilidade. Quase todo o conteúdo sobre essas identidades é negativo. O pouco conteúdo positivo ainda geralmente é envolto de chacota, intolerância e críticas. E isso impede a comunidade de crescer e se diversificar.

Pode ser mais fácil ignorar essa identificação, ou reduzir a identidade a algo mais aceitável. Ser gênero-fluido ou demimenino ou pessoa não-binária transfeminina já é difícil, pra quê complicar?

Daí, se alguém aparece pra defender, dá pra usar o seguinte argumento: ninguém que se identificaria com isso de verdade teria coragem de admitir, e, portanto, quem usa ou defende estes termos é troll e não merece reconhecimento na comunidade.

O ciclo precisa ser quebrado.

Como quebrar o ciclo?


Histórias xenogênero precisam ser contadas e espalhadas, caso venham de fontes confiáveis.

Ambientes trans e não-binários precisam ser mais positivos para pessoas xenogênero. Façam postagens de positividade e de informação sobre identidades xenogênero, não só sobre identidades trans e não-binárias "mais fáceis de aceitar".

Menos críticas e ceticismo, mesmo que "bem intencionado", por favor. Já temos o suficiente.

A inclusão precisa ser feita com respeito. Não adianta chegar em uma comunidade não-binária e perguntar se alguém ali é gênero-fofo e poderia responder umas perguntas.

Se você é ou convive com pessoas xenogênero, tente (se) perguntar sobre a possibilidade de comunidades/grupos/blogs fora do Tumblr e de chats.

Se você escreve contos ou poemas, faz jogos, etc., tente pesquisar o pouco que há sobre experiências xenogênero, e adicionar representação xenogênero na arte.

E a possibilidade de trolls?


Sempre vão haver trolls fingindo ser estereótipos.

Ao aceitar pessoas xenogênero, a efetividade de trolls vai ser menor; não vão conseguir dividir uma comunidade pela intolerância a algo novo.

Comunidades baseadas em identidades precisam aprender que a exclusão deve ser feita com base nas ações das pessoas, e não com base em usar "termos estranhos".

Aprender a considerar experiências diferentes das suas e acolher pessoas que precisam deveria valer o risco.

Ao excluir pessoas xenogênero, quem ganham são as pessoas que usam a tática da desinformação a favor de enfraquecer comunidades, colocando-as em alerta de uma ameaça que na verdade é um grupo que sofre com questões parecidas.

Ao gastar sua energia fazendo chacota de pessoas xenogênero e falando que são trolls e pessoas que caem em trollagem arruinando a comunidade, isso é mais energia gasta de pessoas que vão tentar discutir com você sobre isso. Inclusão radical faz com que toda esta energia possa ser usada para que a vida de todo mundo seja melhor, não só das pessoas mais próximas de serem levadas a sério.

Sobre maldenominação e impactos na saúde mental


Este é um texto pessoal que lida com cissexismo, exorsexismo e capacitismo, que menciona ideação suicida e automutilação

Eu tenho quase certeza que tenho algum tipo de transtorno do humor. Provavelmente sou ciclotímique.

Esta é uma exploração relativamente recente, mas que faz sentido em relação aos meus sentimentos e comportamentos de muitos anos, ao menos desde a adolescência.

Talvez eu queira remédios para isso em algum momento. Mesmo assim, é algo que eu duvido que seria um processo simples. Não tenho vontade de me desgastar com isso no momento.

E este texto, afinal, é sobre isso: sobre o desgaste que é ser uma pessoa não-binária fortemente afetada por circunstâncias externas.


Eu geralmente me apresento usando apenas um conjunto de linguagem, ou, no máximo, dois. Digo que minha linguagem é ze/eld/e, -/eld/e, ou que podem usar ambos os conjuntos -/eld/e e ze/elz/e.

Também aceitaria ed/eld/', -/elx/x, -/éli/e e outros conjuntos que misturam estes. Mas entendo: a maioria só vai usar um conjunto mesmo, e ter escolhas demais pode acabar fazendo com que "desistam dessa neolinguagem" e passem a me maldenominar ou a evitar qualquer linguagem específica com a pouca naturalidade de quem não está nada acostumade com isso.

Enfim, só falo sobre a linguagem que uso quando estou falando com pessoas que acho que deveriam ter contato com a neolinguagem, ou que acho que vão passar tempo comigo o suficiente para deverem saber como se referir a mim da forma certa.

Isso já é um compromisso injusto. Muitas pessoas podem ir a quaisquer lugares sem ter ninguém nunca errando sua linguagem. E se alguém falar que usa o/ele/o ou a/ela/a, é bem mais provável que isso seja respeitado (mesmo que não tivesse sido anteriormente) do que conjuntos como i/éli/i, -/elu/e ou os que eu uso.

Provavelmente muita gente acha que a culpa é nossa: fomos nós que escolhemos não nos sentir bem com a linguagem que foi atribuída a nós sem consentimento. Mas eu não diria que é uma escolha; a diferença é que agora tenho palavras para usar para dizer que estou desconfortável com certa linguagem sendo aplicada a mim, e que existe um jeito de eu não me sentir mal, mesmo que ele seja difícil para pessoas que odeiam descobrir que seu vocabulário "normal" na verdade é impróprio e ofensivo.

Existem soluções para quem não quer me maldenominar e nem aumentar o próprio vocabulário. Essas pessoas podem começar não falando de mim e nem comigo. Ou, caso haja a necessidade de falar comigo, existem formas de fazer isso sem atribuir uma linguagem que me faz mal a mim.

Talvez isso possa parecer radical: ah não, eu estou dizendo que a maior parte da população não deveria interagir comigo!!! Bem, na verdade, eu iria preferir que a maioria da população aprendesse que linguagem pessoal é importante e variável. E não é como se não existissem pessoas binárias, cis ou até mesmo cis + hétero + sem conexão com comunidades NHINCQ+/LGBTQIAPN+ que soubessem como usar a linguagem certa pra mim.

Mas, honestamente, eu não me sinto confortável ao redor de gente que se recusa a mudar seu vocabulário opressivo. E, sendo autista, e tendo a maior parte dos meus interesses em volta de questões NHINCQ+... eu realmente não sei por qual motivo acharia interessante fazer amizade com alguém que "não gosta dessas coisas de gêneros não-binários e neolinguagem"?


A questão é que, possibilidades reduzidas de conhecer pessoas à parte, acho que existe essa impressão de que pessoas como eu "vivemos numa bolha". Como se tivéssemos a oportunidade de viver só entre pessoas que usam a linguagem correta para nós.

Bem, detesto quebrar a fantasia que a bolha de quem pensa que pessoas não-binárias são mega privilegiadas tem, mas a vida não é assim, ao menos não pra mim.

Eu moro em um prédio. Se acontece alguma coisa relacionada a isso, como avisarem que tenho que buscar uma ata da reunião de condomínio, ou reclamarem que estou fazendo alguma coisa fora das regras do prédio, já me maldenominam, porque pessoas privilegiadas acham mais educado se referir a todo mundo como senhor ou como senhora (e daí obrigam as pessoas que estão empregando a fazer isso).

Se eu for comprar alguma coisa, é bem possível que também me maldenominem. Se alguém na rua quiser me chamar a atenção, também. Se algume parente vier falar comigo por telefone ou chat (o que é raro o suficiente para eu não considerar falar sobre minha linguagem), também.

E também ir num salão de beleza, ou num posto de saúde/hospital, ou numa academia aonde há gente atendendo, ou num hotel, ou nume restaurante/lancheria/bar.

Se eu fizer algum curso, vou me preparar para a humilhação de dizer minha linguagem e de não ser respeitade por ninguém, ou de não dizer minha linguagem e pessoas se surpreenderem e reagirem mal quando eu corrigi-las ou pedir para parar de usar certas palavras ou pedir para não presumirem meu gênero.

Se eu for em uma roda de conversa, se tiver muita sorte pode ter alguma obrigação em declarar conjuntos de linguagem (ou pelo menos só os pronomes). Mesmo assim, a maioria das pessoas não tenta lembrar ou checar a linguagem alheia, e lá vai a maldenominação, mesmo que eu esteja com "ELD" ou com "ZE/ELD/E" gigantes em ume adesivo, crachá ou placa.

Se eu estiver junto com amigues de amigues/parceires, é comum me chamarem em separado para declarar como acham minha linguagem difícil e podem errar no início. O que também é uma bosta, porque só está chamando a atenção para o quanto "eu estou complicando as coisas".

Eu garanto que cada uma dessas coisas dói. Que cada uma dessas coisas pesa.

E, enquanto parte da minha vida é produtiva e tenta fazer o máximo possível, a outra é ideação suicida, improdutividade e/ou choro infinito sobre como minha situação é inevitável independentemente de quantos textos e explicações eu faça.

Então não deveria ser tão absurdo assim eu querer evitar essas situações de maldenominação. Menos maldenominação = qualidade de vida melhor.


Eu estou falando isso por mim, obviamente, sobre uma forma de eu conseguir lidar com meu transtorno de humor, mesmo que ele seja ativado por coisas negativas e mesmo quando uma coisa negativa acontece muito frequentemente comigo por ela ser vista como normal.

Mas eu não acho que meu caso deveria ser o único considerado válido. Eu acho que pessoas que usam quaisquer conjuntos devessem ser respeitadas independentemente do quanto sofrem quando são maldenominadas.

Quando eu comecei a usar neolinguagem pra mim, achei que não seria tão complicado: afinal, na maior parte dos casos, é só trocar uma letra!

Mas, não, parece que precisa sempre haver um conflito desgastante e outras pessoas em volta aderindo até que a maioria considere que respeitar minha linguagem possa ser uma opção.


Eu não gosto de escrever coisas pessoais, especialmente quando dão munição para quem quer me machucar. Mas acho que este texto é importante, por dois motivos.

  • Pessoas cujos conjuntos de linguagem pessoal diferem de o/ele/o e de a/ela/a: vocês não estão sozinhes. Existem pessoas como vocês, que precisam viver no dia-a-dia e não só em grupos onde suas linguagens são respeitadas. Vocês merecem que seus conjuntos sejam aceitos tanto quanto pessoas que usam conjuntos padrão.
  • Pessoas que tratam a/ela/a e o/ele/o como as únicas linguagens existentes: parem de pensar que vocês são as únicas pessoas que "merecem ser exceção" para aprender a usar conjuntos fora do padrão. Parem de pensar que neolinguagem é uma brincadeira e que só trolls usam "pronomes estranhos". Somos pessoas também.

Se você realmente gosta das pessoas ao seu redor que usam conjuntos de linguagem que parecem difíceis para você, faça o esforço ou leve a sério o fato de que você está contribuindo para crises depressivas, automutilação e ideações suicidas dessas pessoas. A sociedade em geral é responsável, mas você também está contribuindo.


Dicas para escrever sem linguagem específica


Como sempre, vou tentar colocar links explicando conceitos que podem ser novos para quem estiver lendo. Também há um glossário após as dicas.

Porém, ainda recomendo que quem leia este texto já saiba informações básicas sobre o que são conjuntos de linguagem pessoais ({1}, {2}) e neolinguagem ({1}, {2}).

Este texto irá mencionar classes gramaticais, mas essa é uma questão inclusa apenas para as pessoas mais interessadas. Acredito que seja possível entender a mensagem do texto sem saber o que são conjunções ou quais tipos de pronomes existem.

Avisos de conteúdo: O texto menciona ódio à neolinguagem, machismo na língua portuguesa, cissexismo/exorsexismo e maldenominação.


A maioria dos textos que falam sobre escrever sem usar conjuntos de linguagem só mencionam o quanto neolinguagem (ou seja, a introdução de elementos novos na língua, como o pronome elu ou como usar e no final de palavras como alune ou bonite ao invés de a ou de o) é irritante, feia, fadada ao fracasso, difícil demais ou o que for.

Porém, como alguém que usa neolinguagem no conjunto pessoal, inclusive no dia-a-dia, e que também sabe que a existência de sintaxe que não usa nenhuma linguagem específica é útil? Magoa-me que a maioria dos textos que falem disto provavelmente veriam uma das únicas formas de euforia de gênero às quais (às vezes) tenho acesso como uma modinha inconveniente, desnecessária e que deveria ser eliminada.

(Por mais que geralmente estejam somente falando de linguagem neutra universal e não pensem no lado da linguagem pessoal - aliás, acho bom apontar que minha linguagem não é neutra - duvido muito que opiniões sobre eld ou elz sejam muito mais favoráveis do que opiniões sobre elu e elx.)

Prazer, sou Aster, uso ze/eld/e, entre outros conjuntos! E estou aqui para falar sobre como escrever sem usar conjuntos de linguagem específicos, uma prática também conhecida como sintaxe neutra, linguagem neutra sem neolinguagem, forma neutra da língua, -/-/-, nenhuma linguagem, e termos similares.


Dica 1: Aprenda a categorizar palavras de acordo com a existência de conjuntos de linguagem associados a elas


1. Palavras como alune, bonite, cansade, danade, excêntrique, fanfarrane, gostose, médique, namorade, professore, queride, treinadore e vendedore possuem final de palavra variável de acordo com o de cada pessoa.

Isso significa que, para não associar linguagem a alguma pessoa que precisa ser descrita com estas palavras, você vai precisar substituí-las ou associá-las a alguma palavra com um conjunto de linguagem fixo associado com ela.

Para não usar nenhuma linguagem específica, ao invés de dizer estie é minhe namorade, você poderia dizer esta é a pessoa que eu namoro.

Esta frase contém duas das técnicas comuns em "tirar" a linguagem específica de algo: usar a palavra pessoa ao invés de se referir a alguém diretamente e trocar uma palavra mais direta por uma descrição de sua função.

Assim, vendedore pode ser pessoa que vende, trabalhadore pode ser pessoa que trabalha e moderadore pode ser pessoa que modera. Só sugiro tomar cuidado, pois certas substituições podem ficar estranhas em alguns contextos.

2. Palavras como artista, bissexual, camarada, desenhista, estudante, feliz, irritante, jovem, monarca, profissional, rival, sorridente e tenista não possuem finais de palavra variáveis; porém, não existem conjuntos específicos associados a elas, então há a necessidade de cuidado ao redor da palavra.

Em esse menino é irritante, a palavra irritante não precisa ser trocada, mas, para tirar a presunção do conjunto de linguagem, a primeira parte da frase pode ser trocada para essa criança é irritante, por exemplo.

Já em frases como ela é uma artista ou ele é um tenista, talvez possa ser interessante trocar palavras por descrições, como em é uma pessoa que faz arte ou é uma pessoa que joga tênis.

Mas, se é melhor que as palavras sejam mantidas, outros desvios podem ser feitos. Talvez a primeira pessoa possa ser descrita como alguém que faz parte de um grupo de artistas, ou a segunda pessoa possa ser descrita como é uma pessoa que é tenista.

3. Palavras como amizade, amor, animal, bicho, coisa, coração, corpo, cria, criança, família, grupo, monstro, organização, parceria, pessoa, ser, união e unidade já possuem os conjuntos a/ela/a ou o/ele/o associados a cada uma.

Estas são importantes no contexto de não usar linguagem específica para pessoas ou outros seres, já que com elas você estará usando o conjunto de cada palavra, ao invés de ter que atribuir linguagem a alguém.

Por exemplo, elu é minhe colega pode virar aquela pessoa é da minha empresa/organização, ou, dependendo, aquela pessoa é minha parceria. Assim, a linguagem é baseada nas palavras pessoa, empresa, organização e parceria, e não no conjunto de linguagem pessoal da pessoa.

Dica 2: Mais substituições para artigos e pronomes


Tal é uma palavra que pode ser usada para substituir artigos (ou até mesmo outras palavras) em algumas ocasiões.

OriginalSem conjunto específico
Achei alguém cujo trabalho parece combinar com meu estilo. Eu vou ligar para a designer amanhã.Achei alguém cujo trabalho parece combinar com meu estilo. Eu vou ligar para tal designer amanhã.

Algumas vezes, também é possível omitir o artigo sem perder o significado da frase.

OriginalSem conjunto específico
Os jornalistas estiveram aqui ontem.Jornalistas estiveram aqui ontem.

Pronomes pessoais podem ser substituídos por nomes, caso você conheça o nome de quem você quer se referir.

OriginalSem conjunto específico
Este estojo é dela.Este estojo é de Carla.
Ele é minha parceria.Dan é minha parceria.
Eu acho que a ideia foi delus.Eu acho que a ideia foi de Ernesto e Fátima.

Caso você não saiba os nomes das pessoas, você vai ter que fazer substituições por aquela pessoa, aquele grupo, etc.

OriginalSem conjunto específico
Eles vieram aqui.Aquele grupo veio aqui.
Acho que gosto dile.Acho que gosto daquela pessoa.
Aqueles homens são meus vizinhos.Aquelas pessoas são minhas vizinhas.

Dica 3: Como lidar com grupos de palavras/pessoas/coisas que usam conjuntos diferentes


Se um grupo contém pessoas que usam vários conjuntos de linguagem diferentes, não é possível reduzi-lo a algo como os alunos, os meninos, os jovens, os estagiários, os amigos, etc.

Em alguns casos, é possível usar a palavra grupo, ou usar outras palavras que substituem isso.

Em outros, é possível falar dos elementos separadamente, associando um conjunto a cada um, se necessário.

Já em outros, é só evitar quaisquer conjuntos específicos.

OriginalSem conjunto específico
Aqueles estudantes possuem notas muito baixas.Aquele grupo de estudantes possui notas muito baixas.
Meus amigos me chamaram para sair.Vitória, Lúcio e Rafa me chamaram para sair.
Preciso do mar, sol e areia.Preciso do mar, do sol e da areia.
Quero comprar uns semicondutores e resistências.Quero comprar semicondutores e resistências.

Dica 4: Nem sempre as frases vão sair iguais


Manter o exato mesmo sentido de uma frase que usa algum conjunto de linguagem específico quando você quer tirar o uso de tal conjunto pode ser difícil ou impossível.

Ao invés de tentar provar que você consegue sempre superar as limitações de tal conjunto, pode ser melhor adaptar frases, mesmo que elas não sejam exatamente as que você queria.

Por exemplo, meus pais não me aceitam, as pessoas que moram comigo não me aceitam e minha família não me aceita são três coisas diferentes, mas se é importante deixar de se referir a pai e mãe como pais e deixar de usar o/ele/o como base para a palavra que significa "mães e/ou pais" sem usar neolinguagem, há a necessidade de uma substituição que pode não funcionar para todos os casos. O que importa é que funcione para o seu.


Apêndice 1: Definições


Eu não gosto de quando vários termos iguais ou parecidos possuem significados diferentes, quando podem ser usados no mesmo contexto. Portanto, vou explicar meu uso pessoal de alguns termos:

-/-/-


Na minha experiência, pessoas que usam -/-/- não querem uma linguagem cortada (como em um menin ou em um- menin-), e sim uma linguagem que evite qualquer elemento mais específico (como em uma pessoa jovem ou em uma criança).

Basicamente, este artigo fala da linguagem -/-/-, ou ao menos de como é usada aqui.

Mas, pra não atrapalhar muito possíveis leituras orais, especialmente as automatizadas que não entendem nem que a/ela/a se pronuncia a ela a, e que vão entender menos ainda que -/-/- seria traço traço traço ou nada nada nada ou mesmo sem linguagem específica, vou usar uma sigla nestes apêndices: NLE (Nenhuma Linguagem Específica).

Conjunto de linguagem (o termo também pode ser resumido em conjunto e/ou linguagem)


Artigo (definido)/pronome (pessoal reto da terceira pessoa do singular)/final de palavra, além de outras palavras derivadas e das outras flexões irregulares que ocorrem de vez em quando.

(Por exemplo, alguém que usa o/ele/o geralmente usa um ao invés de umo e corredor ao invés de corredoro.)

É um termo mais flexível do que gênero gramatical tanto por si só quanto em utilização junto ao sistema artigo/pronome/final de palavra.

Conjunto de linguagem pessoal (o termo também pode ser resumido em linguagem pessoal, conjunto [de alguém], e/ou linguagem [de alguém])


O conjunto que deve ser usado para se referir a alguma pessoa, sendo que esta pessoa tem que ter dado permissão para isso.

Por exemplo, se eu digo "Maria usa a/ela/a", é porque está implícito que Maria escolheu este conjunto e/ou está confortável com ele. Mesmo que muitas pessoas usem o/ele/o para Maria, esta não é sua linguagem pessoal se ela não quer utilizar tal conjunto.

Linguagem neutra ou genérica


A linguagem que alguém usa para se referir a pessoas que não conhece ou a grupos de pessoas com linguagens que são ou podem ser diferentes entre si.

Por exemplo, se você diz "os meus primos são ótimos, eles me ensinaram a nadar" sobre um grupo de crianças onde duas são meninas que usam a/ela/a e duas são meninos que usam o/ele/o, você está usando o/ele/o como linguagem neutra.

Se você diz "es minhes primes são ótimes, elus me ensinaram a nadar" sobre o mesmo grupo, você está usando e/elu/e como linguagem neutra.

Isto é, quando eu escrevo que "tal pessoa usa o/ele/o como linguagem neutra", não quero dizer que apoio que o/ele/o como uma forma neutra universal ideal para a língua. Também não quero dizer que isso significa que a pessoa usa o/ele/o como o conjunto de linguagem pessoal de todo mundo.

Linguagem neutra universal


Qualquer proposta de linguagem neutra/genérica que seja supostamente para todo mundo usar, mas sem a carga de machismo da linguagem utilizada como neutra na maior parte dos materiais disponíveis em língua portuguesa.

Eu não apoio dizer que alguém que usa o/ele/o usa "linguagem masculina" ou "de homem". Categorizações de linguagem por gênero devem ser evitadas.

Porém, não há como ignorar que o/ele/o é a linguagem considerada padrão porque é a linguagem associada com homens, que historicamente foram e ainda são considerados como o gênero superior ou padrão.

É por isso que muita gente propõe e/ou usa @/el@/@, x/elx/x, e/elu/e, NLE ou outros conjuntos como linguagem neutra.

No momento, considero que qualquer linguagem neutra universal seja apenas uma proposta, já que qualquer um dos conjuntos propostos tem seus próprios problemas, e nenhum deles é popular o suficiente para que haja pressão para que todas as pessoas o adotem.

Maldenominar


Usar a linguagem errada para alguém, ou de outra forma invalidar sua escolha de conjuntos de linguagem pessoais, títulos, nomes, rótulos de identidade de gênero, etc.

Isso tem um peso maior quando acontece com pessoas cisdissidentes (não-cis), mas não é impossível maldenominar alguém que seja cis.

Tradução/adaptação de misgender.

NLE (Nenhuma Linguagem Específica)


É a tal da sintaxe neutra, do conjunto -/-/-, etc.

É não atribuir qualquer conjunto específico (como o/ele/o, a/ela/a ou e/elu/e) a alguém ou a algum grupo. Ao invés disso, se usam palavras que já possuem conjuntos específicos associados a elas (como pessoa, que usa a/ela/a, ou grupo, que usa o/ele/o), ou se dá outro jeito de evitar usar qualquer conjunto.

Neolinguagem


Como descrevi antes, é qualquer palavra criada para o propósito de incluir mais "gêneros gramaticais" na língua portuguesa. (Mas, como falei antes, sugiro que não os chamem de gêneros, até porque conjuntos são extremamente flexíveis.)

Isso significa que:

  • O artigo e (como em "e menine") é neolinguagem, mesmo que já exista a conjunção aditiva e;
  • A maioria dos conjuntos que não são o/ele/o ou a/ela/a, como le/elu/e e -/ele/e, usam neolinguagem;
  • Nem todos os conjuntos que não são o/ele/o ou a/ela/a usam neolinguagem. NLE e -/ele/a são exemplos de conjuntos fora da norma que não usam neolinguagem;
  • O que muita gente conhece como "linguagem neutra" ou "linguagem não-binária" vai ser chamado aqui de neolinguagem.

Também é possível adicionar o prefixo neo a classes gramaticais para falar dessas classes especificamente: por exemplo, eld é um neopronome e le é um neoartigo.


Apêndice 2: Utilidades de não usar nenhuma linguagem específica

NLE é útil para:


  • Falar com pessoas que você não conhece sem ter medo da pessoa se sentir maldenominada por você ter usado um conjunto que ela não gosta (mesmo que tal conjunto seja o que você usa como linguagem neutra universal);
  • Usar como linguagem neutra universal, caso você prefira usar NLE a usar algum conjunto que envolve neolinguagem;
  • Usar em situações formais e/ou queermísicas onde neolinguagem (seja como linguagem neutra ou pessoal) pode causar problemas ou levar um texto ou uma fala à rejeição;
  • Usar em situações onde você quer esconder a linguagem que alguém usa (por exemplo, você não quer falar que alguém que você conhece na verdade usa outra linguagem, mas também não quer maldenominar a pessoa);
  • Usar para pessoas que usam -/-/- ou que estão questionando a própria linguagem;
  • Usar quando você esqueceu da linguagem de alguém, ou não sabe usar algum elemento de seu conjunto.


NLE não deve ser usada para:


  • Argumentar que, como linguagem neutra universal sem neolinguagem é possível, qualquer tentativa de linguagem neutra universal que usa neolinguagem é desnecessária/ruim;
  • Evitar usar a linguagem de alguém porque você não concorda com ela (seja puramente por motivos transmísicos, seja por ser contra neolinguagem ou algo dentro dela);
  • Nunca aprender a usar/entender neolinguagem, já que "dá pra fazer tudo dentro da norma".

Apêndice 3: Diferença entre usar NLE e neolinguagem como linguagem neutra


Para alguém que está partindo de usar o/ele/o [ou mesmo o(a)/ele(a)/o(a)] como linguagem universal, qualquer alternativa pode ser difícil no início. No entanto, escolher um conjunto que usa neolinguagem faz com que a mudança entre conjuntos seja bem mais direta:

o/ele/oe/elu/e-/-/- (NLE)
Agradeço a todos os nossos espectadoresAgradeço a todes es nosses espectadoriesAgradeço a todas as pessoas que estão nos assistindo
Todos os alunos desta escola são esforçadosTodes es alunes desta escola são esforçadesTodas as pessoas que estudam nesta escola são esforçadas
Você sabe os nomes dos personagens principais?Você sabe os nomes des personagens principais?Você sabe os nomes de quem está no grupo de personagens principais?

Em relação a esta última: eu sei que algumas pessoas usam sempre a/ela/a com personagem, mas a maior parte dos usos que vejo trocam a linguagem de acordo com a linguagem de cada personagem. Existem algumas outras palavras aonde isso acontece, como membro: alguém é sempre um membro, ou existem membras, membres, etc.?

Isso vai de como você prefere usar tais palavras. Se você diz que o Shinji é uma personagem, você não precisa trocar isso para sua linguagem ser "mais neutra". Porém, se você diz que o Shinji é um personagem, e que a Asuka é uma personagem, você vai ter que contornar isso na hora de não usar nenhuma linguagem específica ao se referir à Asuka e ao Shinji ao mesmo tempo.

Enfim, isso faz com que NLE seja uma forma menos prática de linguagem neutra do que neolinguagem, mesmo que muitas pessoas tenham a impressão oposta puramente por neolinguagem conter "novas palavras".


Apêndice 4: Misturando NLE com neolinguagem (ou com outros conjuntos)


NLE não precisa ser uma coisa completamente separada de outros conjuntos de linguagem.

NLE pode ser sempre misturada com outros conjuntos (por exemplo, ele é uma pessoa dedicada ao invés de ele é dedicado), e também pode ser usada para evitar certas construções que podem dar problemas, ou onde há dúvidas sobre qual seria a forma certa.

Por exemplo, ume artista usa -/ilu/e. Estamos falando déssie artista, desse artista, dessu artista ou dissu artista?

Algumas pessoas diriam que dissu é a forma que faz mais sentido, porque ele está para aquele e desse assim como ilu está para aquilu e dissu.

Mas dissu parece muito disso, o que pode parecer ofensa.

Desse é a forma igual à associada ao final de palavra o e/ou ao pronome ele. E déssie, embora seja uma forma aceita, pode ser confundida com desse na fala oral.

E então sobra dessu, mas talvez esta forma acabe parecendo associada ao pronome elu ou ao final de palavra u.

Uma solução seria perguntar para tal artista; porém, há situações onde isso pode não ser possível ou ideal. Desta forma, uma opção seria dizer que estamos falando de tal artista, ou dessa pessoa que trabalha com arte.

Também existem situações como o pronome de alguém não formar uma contração tão fácil como aquelu, aquela, deld ou dele. Existem pronomes que não começam com vogais, ou que estão tão longe dos pronomes mais comuns que pessoas podem não entendê-los como tal.

Alguns exemplos de pronomes que já vi pessoas usando, e que cabem nisso, são e, ty e 🐾. Enquanto só dizer ty foi pra praia ou eu conheço 🐾 não é muito diferente de uma substituição por um nome, isso é de ou estou falando daquty desenhista pode não ficar tão legal ou fácil de entender.

Assim, isso é de [nome] ou estou falando daquela pessoa que desenha podem ser opções melhores, ainda que você use a linguagem pessoal dessas pessoas em outras situações.

Mesmo em relação a usar neolinguagem como linguagem neutra, não é uma obrigatoriedade o uso contínuo da linguagem que você escolheu. Você pode falar daquelas pessoas que trabalham na fábrica de tambores ao invés de falar daquelus trabalhadories da fábrica de tambores.

Só peço que não exagere, dependendo do contexto, ou vai parecer que você está tentando evitar usar neolinguagem ou a linguagem de certas pessoas a todo custo.


O apoio superficial às pessoas não-binárias


Aviso de conteúdo: Exorsexismo casual, apagamento de identidades/experiências não-binárias, aversão a ou mal uso de neolinguagem

Nota: Estou cansade demais para adicionar links. Se você não sabe o que é certo termo, use a função de pesquisa do navegador para procurar pelo termo aqui ou aqui.


Uma série de questões me incomoda faz tempo, e inclusive já falei dessas coisas em momentos e lugares separados. Mas acho que todas essas questões são conectadas a dois problemas específicos (que também se complementam), e por isto estou aqui fazendo este texto que conecta tudo.

Com o aumento da visibilidade de pessoas não-binárias nos últimos tempos, houve não só um aumento na quantidade de pessoas se identificando como não-binárias, como também nas pessoas que tentam incluir pessoas não-binárias em seus trabalhos, mesmo que de formas pequenas. Eu entendo que para um grupo tão abandonado como pessoas não-binárias, qualquer representação ou inclusão possa virar motivo para comemoração, mas há duas raízes principais que acredito que sejam a causa de muitos problemas:

  1. A exaltação da figura não-binária "justificável"

Existe uma exigência em vários graus de que exista um motivo para pessoas ou personagens serem não-bináries. Isso não é algo novo: desde gamers querendo justificativas para personagens principais serem mulheres ou negres até pessoas queermísicas procurando motivos para alguém real ser multi, lésbica, trans ou de outras identidades NHINCQ+, é um problema de pelo menos muitas décadas. Mas não significa que não possa ser apontado mesmo quando pessoas não-binárias ou supostes aliades fazem isso.

Muites personagens não-bináries são não-bináries por essencialmente "não terem sexo" ou "serem fusões de homem com mulher". Não me venham com "alô Steven Universe, hehehe", porque tem muitos outros lugares onde isso ocorre. Os poucos papeis não-binários de séries que precisam de atories reais geralmente são preenchidos por pessoas consideradas "fisicamente andróginas". Muitas matérias sobre pessoas não-binárias entram em detalhes sobre a corporalidade intersexo de tais pessoas, sendo que, ainda que pessoas não-binárias possam sentir que são não-binárias apenas por serem intersexo, focar nisso é um desserviço a pessoas binárias intersexo e a pessoas não-binárias perissexo.

Especialmente na ficção, parece que há uma tentativa de construir uma narrativa de "personagens não-bináries cis"; não há nenhuma pessoa trans binária na história, mas há personagens que são não-bináries por motivos que não seriam possíveis por pessoas não-binárias reais. Tais personagens também geralmente possuem suas identidades e seus conjuntos de linguagem respeitades por todo mundo.

Não é como se todas as mídias que retratassem pessoas não-binárias precisassem ter personagens não-bináries humanes, que não sejam fusões e/ou altersexo, e que sofressem discriminação; mas há uma ausência de mídia popular que possa ensinar pessoas binárias a tratarem/entenderem melhor pessoas não-binárias.

  1. O apoio a um trinário de gênero

A maioria das pessoas - e isso inclui muita gente não-binária - quer que pessoas não-binárias tenham os mesmos direitos básicos de pessoas binárias, mas não querem ter o "trabalho" de realmente reconhecer uma diversidade de vivências não-binárias.

São as pessoas que falam que rótulos como homem não-binárie e mulher não-binárie não fazem sentido, ainda que não se importem com explicações que digam que pessoas não-binárias "estejam em qualquer ponto no espectro de gênero entre homem e mulher". São as pessoas que só conseguem descrever pessoas não-binárias como "aquelas que não gostam de rótulos", ou como "sem gênero nenhum", ou como "entre homem e mulher". São as pessoas que apoiam a existência de um conjunto como le/elu/e ou ê/elu/e e que querem que vire oficial, mas que tiram sarro de ou criticam fortemente qualquer outra forma de neolinguagem.

(Também podem ser as pessoas que apoiam e se referem a pessoas não-binárias com a linguagem correta, mas que não ousariam usar -/elu/e ou similar para se referir a grupos que contém pessoas binárias, preferindo usar @/el@/@, x/elx/x ou "todes, todas e todos" ou outra coisa que seja mais aceita entre gente binária.)

São as pessoas que "acham problemático" se alguém se disser não-binárie por causa de trauma, neurodivergência, intersexualidade, raça, orientação ou outras experiências, porque querem que todas as pessoas não-binárias só se identifiquem assim porque "nasceram não-binárias". São as pessoas que falam que os rótulos que ajudam pessoas a localizar as próprias identidades de gênero de formas menos genéricas são nocivos para a comunidade. São as pessoas que se recusam a não categorizar pessoas que não são homens e nem mulheres de alguma forma que não seja não-binárie, mesmo que isso não faça sentido dentro da cultura de tais pessoas.

Isso tudo porque querem que não-binárie seja apenas mais uma categoria ao lado (ou no meio) de homem e de mulher, sem nenhuma sobreposição ou complicação ou diversificação. Querem aceitação não-binária, mas só num trinário de gênero restrito que também atrapalha muita gente não-binária.


Acho que já deu pra entender porque considero que estes problemas existem, mas quero elaborar mais sobre o motivo desses problemas serem problemas. Porque muita gente passa pano demais pra essas coisas, afinal, novamente, representação e inclusão não-binária é rara. E tudo bem considerar isso um progresso a um exorsexismo ou apagamento total, mas também não dá pra ignorar que ainda existem problemas aí.

Não-binaridade não é uma teoria ou hipótese; é a experiência vivida de muita gente. E há uma quantidade imensa de pessoas intolerantes ou ignorantes em relação à não-binaridade, o que causa inúmeros problemas pra nós.

Por isso, é importante ter mídia que normalize pessoas não-binárias com as mais diversas experiências: pessoas não-binárias racializadas, gordas, que usam o/ele/o, que usam a/ela/a, que usam -/-/-, que são perissexo, que são intersexo, que fazem transição corporal, que não fazem transição corporal, que foram designadas com gêneros diferentes ao nascimento, que usam diversos rótulos além de não-binárie, que usam neolinguagem em seus conjuntos, que usam mais de um conjunto, que decidem mudar de nome, que possuem nomes tipicamente "de homem" ou "de mulher", que inventam seu próprio nome ou usam um nome "estranho" para que não haja gênero associado com ele, que possuem as mais diversas expressões de gênero, e afins. E, por mais que outras possibilidades também sejam interessantes e possam ser boas representações, precisamos sim ter personagens não-bináries que sejam humanes e que sejam abertamente não-bináries na história. A ausência disso faz com que muitas pessoas nem tenham um ponto de partida quando alguém diz que é não-binárie, o que dificulta a comunicação e aceitação.

Também é importante espalhar que não-binaridade não é uma coisa só. Existem pessoas gênero-fluido, ambigênero, aporagênero, xenogênero, neurogênero, gênero-orientação, gênero-cinza, agênero, gênero neutro e afins, e isso tudo pode coexistir. Rótulos mais específicos fazem parte das identidades de várias pessoas não-binárias, e tentar censurá-los também é rejeitar partes das identidades de pessoas não-binárias, por mais que "de resto esteja tudo bem ser não-binárie".

Se existem pessoas sem gênero que usam a/ela/a e demimulheres que usam o/ele/o, também não faz sentido insistir em categorizar a/ela/a como conjunto feminino e o/ele/o como conjunto masculino. E, visto que um trinário de conjuntos de linguagem ignora as necessidades e expressões identitárias de muitas pessoas não-binárias, insistir que neolinguagem precise ser restrita a um conjunto só também machuca e invalida muita gente não-binária. Não somos de um gênero só, de uma expressão de gênero só ou de uma corporalidade ou corporalidade desejada só, então não há porque nos tratar como se só merecêssemos uma linguagem só (muito menos uma que também seria usada para pessoas de linguagem indefinida, como se não pudéssemos ter identidades próprias separadas da indefinição).

Orientações voltadas a pessoas não-binárias também precisam ser divulgadas. Muita gente parece ter a noção de que identidades não-binárias "não contam para atração", e de que pessoas atraídas por pessoas não-binárias sem serem atraídas pelos dois gêneros binários só podem usar identidades como gay, lésbica e hétero. Isso é apagamento, não importa o quanto você acha que a pessoa binária só pode se atrair por pessoas não-binárias que "pareçam tal gênero". Pessoas toren e trixen são multi, e também podem dizer que são bi e/ou poli se quiserem.

E muita gente acha que pessoas não-binárias são "sempre bi ou pan ou assexuais/arromânticas" porque "não conseguem diferenciar entre gêneros" ou "não ligam pra gênero". Isso novamente é um reducionismo da variedade de experiências não-binárias ao que pessoas binárias quer que nós sejamos; uma massa só que não gosta de rótulos ou que só é não-binária por não entender gênero (ou, em certos casos, por não sentir atração por ninguém). Existem pessoas não-binárias viramóricas, feminamóricas, cetero/medisso e/ou que preferem certo gênero a outros. Existem muitas pessoas não-binárias multi e/ou a-espectrais, inclusive pessoas que ligam isso com sua não-binaridade de alguma forma, mas, novamente, isso não vale pra todo mundo.

Como pessoa não-binária, vejo muita gente só usando alguma linguagem que não seja o/ele/o como neutra quando têm certeza ou certa suposição de que existem pessoas não-binárias na audiência, e eu não acho isso muito legal. Geralmente essas pessoas tropeçam bastante (como em "es pessoes" ou "todes os alunos"), e, além de passarem vexame, também demonstram que só ligam para fazer mudanças no vocabulário quando podem performar para uma audiência que aprecie isso, e não se esforçam para normalizar isso entre pessoas binárias. Também existe a presunção de que pessoas não-binárias só existem em espaços "LGBT", espaços ativistas e/ou alternativos com maioria jovem ou redes sociais, e não em outros ambientes.

Como administradore de espaços como Orientando.org e Colorid.es, também percebo a quantidade de gente que se interessa nestes projetos e que quer se socializar nestes lugares, até que percebe que neles há alguma exigência de respeitar conjuntos diferentes de a/ela/a e de o/ele/o, e de respeitar identidades diferentes de lésbica, gay, bi, trans, e talvez intersexo e/ou assexual. Porque daí é "coisa demais", é "estranho", é "desconfortável", é "anti-LGBTs de verdade", é "militância demais", porque aparentemente respeito à diversidade só conta se a pessoa já conhecia tal diversidade antes e não precisaria se preocupar em conhecer vivências novas.

Independentemente de você ser não-binárie ou não, pense se seu apoio à causa não-binária acaba ou freia quando você tem que botar conforto não-binário acima do conforto binário. Quando vivemos em uma sociedade exorsexista, falar de exorsexismo casual vai ser desconfortável para quem quer ser "livre de preconceito" e "à favor da diversidade" (e isso vale para diversas outras questões também).

Eu também ignorei essas coisas no começo


Este artigo é sobre o consumo de informações sobre identidades NHINCQ+ de forma superficial.

Aviso de conteúdo: Eu não vou dizer disso da forma que geralmente digo, mas o que tem aqui não deixa de ser reducionismo e discriminação contra identidades NHINCQ+ menos conhecidas. Também falo bastante sobre linguagem obsoleta e experiências no Tumblr.

Ah é, e os links no texto são para explicar a terminologia utilizada, para ajudar pessoas que não sabem tanto sobre vocabulário NHINCQ+.


Quando eu tinha uns, sei lá, 13 ou 14 anos, estava na moda usar trans* como um termo inclusivo de pessoas trans. A justificativa, na época, era que trans cobria pessoas transgênero, transexuais, bigênero, agênero, sem gênero, genderqueer, gênero-fluido e afins (a palavra não-binárie ou não era popular ou não existia na época).

Hoje em dia, considera-se que estas pessoas, e outras pessoas não-cis, ou se consideram trans sem precisar de um asterisco, ou não querem ser inclusas em um asterisco e sim em outra palavra. Mas era comum achar isso o ápice da inclusão até o meio desta década.

Enfim, o ponto não é esse. O ponto é que, eu nunca tinha visto aquelas palavras antes, ainda que tivesse uma vaga noção do que eram homens e mulheres trans.

Eu não lembro se a postagem que mostrou estes termos tinha termos traduzidos ou não. De qualquer forma, lembro que tentei pesquisar por cada termo, e minhas buscas não me trouxeram quase nada de útil.

Porém, eu consegui achar definições para alguns dos termos. A única que me lembro o que achei sobre é bigênero, e a identidade estava definida como algo do tipo "alguém que acorda alguns dias se sentindo homem e em outros se sentindo mulher, e que pode usar roupas diferentes para sinalizar isso". Acho que a definição tinha alguns parágrafos, mas basicamente reduzia alguém bigênero a alguém gênero-navalha homem/mulher, como se a pessoa não pudesse ter dois gêneros ao mesmo tempo, ou ter gêneros que não fossem binários.

Não lembro se cheguei a descobrir sobre pessoas completamente fora do binário naquele dia. Porém, vale pensar que esse conhecimento só foi absorvido por mim como curiosidade, e não como realidade.

Eu não cheguei a pensar nos tipos de desrespeito que uma pessoa que fosse mulher em certos dias e homem em outros pudesse passar. Ou na possibilidade de pessoas ao meu redor quererem tratamento diferente a cada dia.

Eu também soube por esta época que a linguagem inclusiva tinha trocado de @/el@/@ para x/elx/x, para incluir pessoas que não são homens ou mulheres. Mas nunca cheguei a pensar: que linguagem estas pessoas usariam normalmente, então? E se vejo todas as pessoas como homem ou como mulher e atribuo o/ele/o ou a/ela/a, respectivamente, como eu poderia respeitar pessoas cuja linguagem e/ou cujo gênero não é binário?

Se você não entende o que é x/elx/x ou o/ele/o ou afins, clique aqui.

Eu entendo que só saber de coisas assim não vai necessariamente mudar a vida de qualquer pessoa. Mas eu já tinha informações suficientes para pensar em como eu era/poderia estar sendo cissexista, e que talvez eu devesse ir atrás de informações sobre como não ser assim.


Eu me descobri assexual quando tinha uns 16 ou 17 anos. Foi numa daquelas postagens de Tumblr com esta imagem (estou colocando este link porque também explica alguns dos problemas com a imagem, mas assim como o uso do termo trans*, isso não é importante no momento).

Quando eu vi tal imagem, pela primeira vez me senti representade em alguma identidade. Já que eu não conseguia ver as poucas instâncias de atração romântica que tive na adolescência como reais, por conta da falta de atração sexual, a única forma que eu conseguia me entender era como alguém que não sentia atração por ninguém. E a ideia que tentavam tanto empurrar na escola de que eu sentia atração exclusivamente pelo gênero o qual achavam que eu era por eu não ser ou demonstrar ser hétero simplesmente não fazia sentido pra mim.

Eu tinha uma orientação sexual agora. Depois, meu entendimento das minhas atrações mudaria bastante, mas, com as informações que eu tinha, assexual era um rótulo completamente preciso.

Mesmo assim, no máximo eu achava que era uma pena que eu não tinha ninguém para falar sobre isso de forma presencial, ou que eu não tivesse tido esta informação em momentos que eu precisava ter me afirmado como alguma coisa para que não inventassem mentiras sobre mim.

Eu não tinha pensado em como, mesmo sabendo da existência da sigla LGBT, ela era obviamente limitada, visto que o gráfico que passei contém várias orientações que não estão em tal sigla.

Eu não tinha pensado em pesquisar espaços LGBT na minha área, já que eu havia sofrido bullying heterossexista e não era hétero.

Eu não tinha pensado nem em perguntar para pessoas heterodissidentes que eu conhecia se sabiam de algum espaço assim.

Novamente, eu entendo que nem todo mundo que passa por essas coisas vai querer "ligar pra isso", buscando uma comunidade ou lutando para que a próxima geração não tenha que lidar com desconhecimento, confusão e discriminação.

Mas a possibilidade nem passou pela minha cabeça naquela época.


Alguns anos depois, eu fui usar o Tumblr para interagir com um lado mais feminista da fandom de My Little Pony, porque o fórum que eu frequentava estava cada vez mais hostil a essas ideias.

Como fiz uma conta nova, quis ir atrás de blogs feministas para seguir também. E, com isso, também tive mais contato com questões LGBTQIAP+ (esta é realmente a sigla que boa parte usava na época!), o que também me incentivou a pesquisar mais sobre o assunto. Acabei seguindo uns blogs assexuais também; eu me identificava somente como demissexual, mas sabia que esta identidade era parte do espectro assexual.

Grande parte das feministas que eu seguia eram bissexuais, o que me fez aprender bastante sobre monossexismo, exclusão multi e afins. Também aprendi bastante sobre pessoas trans e um pouco sobre pessoas não-binárias; como deu pra ver, o meu envolvimento com essas questões tinha sido extremamente superficial até o momento.

Eventualmente, me deparei com o blog pride-flags-for-us, que, na época (ele foi deletado e refeito eventualmente), era um paraíso da inclusão. Esse tipo de blog tinha que ter padrões para ser levado a sério, então ideias suspeitas demais, capacitistas ou cissexistas eram recusadas. O blog também não publicava bandeiras de grupos de fora da comunidade, então era apenas uma coleção imensa de identidades marginalizadas, onde a maioria não tinha nenhuma visibilidade.

Minha reação inicial ao ver o blog não foi de nojo ou de insegurança, mas também não foi de felicidade ou de pertencimento.

Eu achava legal que pessoas não estavam se limitando às poucas identidades mais conhecidas, mas ao mesmo tempo... aquilo parecia ser um recurso para pessoas que estavam questionando, não para mim. Eu estava segure em relação à minha orientação sexual, pensava que minha orientação romântica seria ou hétero ou bi, e, mesmo que considerasse a possibilidade de talvez não ser cis devido às infinitas formas de não pertencer ao binário de gênero, estava relativamente confortável em minha cisgeneridade.

Fechei o blog, sem o seguir ou divulgar.

Eu poderia ter pensado no quanto estas identidades eram esculachadas e invisibilizadas, e em como eu poderia ajudar a combater isso.

Eu poderia ter pensado no quanto estas informações potencialmente importantes não estavam nem acessíveis a quem não sabia inglês.

Eu poderia ter pensado no quanto precisávamos divulgar mais identidades a-espectrais além de demi e gris, no quanto pode ser difícil entender o próprio gênero sendo que é difícil achar informações sobre identidades não-binárias que não sejam relacionadas ao binário de gênero, à neutralidade ou à ausência de gênero, ou no quanto a maioria das pessoas ainda não conhece nenhuma ou quase nenhuma orientação que inclua pessoas não-binárias de forma explícita (como viramórique, trixen ou cetero/medisso, embora a maioria destes citados nem existisse na época).

Mas eu simplesmente não percebi a maior parte destes problemas, além de não ver aquilo como problema meu. Eu via discriminação como um problema que eu não queria ajudar a perpetuar, mas eu também não quis ter um papel ativo em combater tal discriminação.


Quando meu blog de My Little Pony começou a ter gente seguindo e interagindo, eu criei um hábito de checar os blogs dessas pessoas.

Era comum que as pessoas não-binárias com rótulos mais "obscuros" (os quais geralmente eram neurogêneros ou xenogêneros) tivessem entre 13 e 17 anos. O que fazia sentido pra mim, que já sabia de noções básicas de discriminação contra pessoas não-binárias e contra rótulos "diferentes", e assim concluí que estas pessoas esconderiam ou sua não-binaridade ou ao menos seus rótulos mais específicos quando tivessem uma necessidade maior de serem respeitadas.

(Este é obviamente um pensamento bem pessimista e desrespeitoso. Assim como ser gay ou bi não deveria ser algo visto como uma fase ou como uma coisa a ser escondida, ser gênero-estrela ou autigênero também deveria ser aceitável em qualquer idade.)

Enfim, uma vez eu notei uma pessoa nova me seguindo, e vi que a pessoa era xungênero e verangênero. Imaginei que fosse outre adolescente. Mas vi mais sobre o perfil da pessoa, e descobri que ela era mais velha que eu.

Novamente, não é legal que esta tenha sido minha reação, mas isso me chocou. Isso abria novas possibilidades para mim, porque não só mostrava que eu poderia usar rótulos pouco reconhecidos sem ser um sinal de infantilidade, como também confirmava que o combate a discriminação contra identidades incomuns é algo que vale para qualquer idade, não só para adolescentes que estão se descobrindo e que depois vão se contentar com rótulos mais discretos.


Alguns meses depois, minha namorada se abriu como trans. Ela passou um bom tempo não tendo muita certeza de sua identidade de gênero, e foi a partir daí que eu comecei a ter que pesquisar sobre quais são os rótulos existentes que poderiam servir, para ajudá-la.

Depois disso, comecei a questionar minha própria identidade de gênero, e novamente tive que fazer mais pesquisas.

Eventualmente, percebi que deveria estar trazendo estas informações para outras pessoas, para que pudessem pesquisar ou entender sem eu ter que explicar ou traduzir sozinhe todas as vezes.

E foi daí que vieram publicações, sites, comunidades, blogs, contas e outras coisas que fiz e faço até hoje.


Decidi me abrir sobre isso por dois motivos. Um deles é eu ter pensado sobre o quanto esses artigos de jornais/revistas virtuais mal pensados sobre ser não-binárie, variorientade, assexual, etc. (que me recuso a passar links) realmente afetam a percepção das pessoas sobre esses grupos.

É sempre bom ter informações adequadas para referenciar, e é sempre ruim ter informações que estereotipam ou excluem pessoas dos grupos que pertencem.

Porém, será mesmo que há uma grande quantidade de pessoas que vai ver essas coisas como causas novas para lutar, possibilidades de ser ou possibilidades de outras pessoas serem?

Ou será que vai acontecer que nem aconteceu comigo, de ignorar praticamente todas as informações que não se aplicavam a mim ou a pessoas que eu conhecia?

Esses artigos geralmente não falam de discriminação como algo que pode ser passivo, e também não induzem pessoas a incluir a possibilidade de mais vivências em seu dia-a-dia. Geralmente só colocam essas identidades como curiosidades raras que a maioria das pessoas não precisa se preocupar com as ramificações.

Podem ser um ponto de entrada para quem se identifica com aquilo, ou algo a ser vagamente lembrado para quem faz questão de odiar a maior quantidade de grupos possível. Mas não são o fim do mundo, afinal, quem quer saber sobre mais informações vai pesquisar até achar fontes melhores. E a maioria nem vai querer saber sobre mais informações, só vai ignorar e esquecer o assunto.


A outra coisa que pensei é no quanto a maioria das pessoas não espalha o conteúdo que eu faço, ou que outras pessoas fazem sobre assuntos similares.

Será que é porque, para pessoas que passivamente leem o que escrevo, pessoas não-binárias, xenogênero, variorientadas, do espectro assexual, do espectro arromântico, etc., são só curiosidades que não afetam suas vidas a não ser que queiram interagir comigo ou com uma ou outra pessoa?

É por isso que as pessoas ignoram o quanto usar artigo/pronome/final de palavra é importante? Ou que a palavra exorsexismo é mais adequada do que binarismo de gênero para falar da discriminação contra pessoas que não se encaixam no binário homem x mulher? Ou que orientação é uma palavra mais inclusiva do que sexualidade ou orientação sexual? Ou que não é nada legal ser maldenominade porque a maioria pensa que pode atribuir gênero e linguagem com base na aparência?

É por isso que sempre me elogiam muito pelo quanto eu fiz de conteúdo para a comunidade e pelo quanto ensinei a elus, enquanto a maioria das postagens daqui só recebe compartilhamentos (raros) das mesmas pessoas? Enquanto eu não vejo mais praticamente ninguém tentando trazer termos que ainda não possuem traduções em português, ou tentando fazer conteúdo NHINCQ+ que seja original e inclusivo? Enquanto esta caixa de perguntas, que deveria ser um recurso útil e interativo, praticamente não é usada?

Não acho que ninguém tem a obrigação de se dedicar constantemente a uma causa, seja a sua, seja alheia. Eu diria que a única obrigação é se informar a ponto de não discriminar e de evitar contribuir com opressões.

O que trago aqui é uma reflexão sobre minha própria inatividade no passado, com a esperança de que alguém que só esteja precisando de um empurrão para fazer algo passe a fazer.

Se você quer isto, aqui está uma sugestão de por onde começar: Uma postagem rápida sobre conteúdo que seria bom ter na comunidade NHINCQ+


Artigo, pronome, final de palavra


Então, para quem não sabe, artigo/pronome/final de palavra foi uma invenção minha.

Mas não foi só uma ideia que eu tive um dia, e sim algo que passou por um processo de planejamento.

Contexto inicial


Em 2015, quando me descobri não-binárie, as comunidades anglófonas que eu frequentava já tinham as seguintes noções:

1) Conjuntos de pronomes não são óbvios pela aparência ou pelo gênero, e precisam ser sempre perguntados/pesquisados no perfil.

2) Conjuntos de pronomes não devem ser classificados como femininos, masculinos, de homem, de mulher, etc. Afinal, pessoas de qualquer identidade de gênero podem usar qualquer conjunto de pronome por qualquer motivo.

Portanto, usar "pronomes femininos" como eufemismo para she/her ou "pronomes de homem" como eufemismo para "he/him" é cissexista e reforça normas de gênero, além de ser algo desnecessário. Apenas diga logo seus pronomes.

3) Neopronomes são válidos.

Sim, existe they/them, mas muita gente não gosta da conotação de geralmente ser um pronome usado no plural, ou da conotação de ser um pronome usado por qualquer pessoa cuja identidade é desconhecida. Existe gente usando sie/hir, e/em ou outros pronomes há décadas, e não é porque they/them no singular virou mais popular que agora todo mundo tem que abandonar outros pronomes.

3) Qualquer neopronome é válido.

Tem pessoas que não querem só escolher um conjunto de neopronome já conhecido e bastante utilizado. É mais importante que a pessoa tenha pronomes que pareçam confortáveis e/ou que sejam adequados para sua identidade do que serem pronomes "aceitáveis" ou "conhecidos".

A maioria das pessoas nem respeita they/them ou neopronomes comuns, então pra quê se forçar a se adequar a estes, ao invés de usar algo que gosta mais?

4) Conjuntos auxiliares existem.

Se a pessoa usa pronomes considerados difíceis de decorar, é recomendável ter um conjunto auxiliar usado para quem não sabe usar bem o(s) principal(is), sendo que tal conjunto auxiliar também precisa ser confortável para a pessoa.

(Exemplo: alguém pode preferir fei/fire/fires/fires/fireself, ainda que não se importe com they/them/their/theirs/themself; daí a pessoa diz que este primeiro conjunto é o que quer que usem, e que they/them é o auxiliar para quem não consegue usar fei/fire.)

O que eu tirei disso


Eu usei e ainda uso they/them, e mais tarde também adotei ey/em, em contextos anglófonos.

Em 2015, eu ainda não tinha me aberto como NB para a maior parte das pessoas à minha volta, então nem tinha considerado tanto que pronome eu usaria em contextos lusófonos. Mas os princípios acima sempre fizeram sentido pra mim, e não achei que eles seriam considerados novidades ou complexos demais.

O pronome


Eventualmente, comecei a procurar por neopronomes em português.

No início, achei alguns meio suspeitos, como el@, elx e elæ. (Pesquise por português nesta página. Esta suposta lista está em quase toda fonte de língua inglesa que lista "pronomes neutros em outras línguas".)

Daí lembro de ter encontrado uma página que nunca mais vi, que sugeria êla, éle, ilu, ili, e mais alguns, talvez elu e ile.

Na época, eu não sabia do guia para linguagem neutra da Wiki Identidades, e nem havia visto pessoas usando o pronome elu.

Mas foi por essa época que também li em algum lugar que a letra x em palavras como elx, delx e lindx não é pronunciado.

Enfim, haviam alguns problemas com estes pronomes que eu tinha achado:

1) Tanto o final u quanto o final e em pronomes como elu e ile me remetiam demais a algo "masculino". Não é a minha intenção aqui dizer que estes são "pronomes masculinos", ou de acusar pessoas que usam estes pronomes ou que os usam como neutros de serem mascunormativas, mas isso é algo que me deixa com gosto amargo demais na língua para me sentir confortável usando um desses como um pronome para mim.

2) Pronomes como êla, éle, elæ e el@ pra mim são muito "mistura dos pronomes aceitos", e não era isso que eu estava procurando.

3) A maioria destes pronomes estava sendo apresentado como propostas de pronomes neutros. Eu não queria um pronome neutro, usado para qualquer pessoa quando não se sabe o pronome que deveria ser usado para ela. Eu queria um pronome que fosse explicitamente algo que só uma pessoa não-binária ou muito fora dos padrões de gênero iria querer usar.

4) Eu queria um pronome relativamente parecido com ele e com ela, para eu poder dizer "eu uso [pronome]" da mesma forma que outras pessoas dizem "eu uso ele" ou "eu uso ela". Eu achava que "eu uso ili" poderia ser bem mais difícil de entender.

(Depois percebi que qualquer neopronome é "fora da realidade" demais para a maioria das pessoas que usam ele ou ela, não importa o quanto seja uma palavra parecida.)

Mais tarde, soube também da questão de pronomes como elx e el@ não serem pronunciados corretamente por leitores de tela, mas eu não pensei nisso na época.

Enfim, eu me decidi pelo pronome eld (pronunciado mais ou menos como "éldi"), que é fácil de entender como bem diferente de ele/ela, mas que também é similar a estes. Também gostava do pronome elx, então essa virou uma alternativa também.

Mas, ao contrário da língua inglesa, não são majoritariamente pronomes que diferenciam os "gêneros linguísticos" da língua portuguesa.

O final de palavra


Se eu dizia que era pra usar elx pra mim, as pessoas também já consideravam óbvio que todas as palavras com diferenciação de conjunto de linguagem (ou seja, que eram diferentes para quem usava ela e para quem usava ele) usavam x no final. (Administradorx, alunx, atrasadx, etc.)

Mas eld não teria como funcionar desta maneira. O som de el faz com que não seja difícil de colocar uma consoante depois, mas este não é o caso de outras palavras.

Eu também não via a necessidade de usar d como final de palavra. O trabalho do pronome eld é somente de ser uma alternativa a ele, ela, elu ou outros pronomes.

Mas, no início de 2016, eu também não me sentia à vontade usando o final de palavra e para mim, que era ao menos um consenso maior do que qual pronome seria mais apropriado para ser usado como neutro.

E, aliás, eu me questionava também sobre a questão desse e. Por que elx tinha que vir com o final x, mas literalmente qualquer outro pronome além de ele e de ela tinha que usar o final e?

Enfim, naquele momento, eu me sentia mais confortável usando um final de palavra cortado. Eu simbolizava (e simbolizo) aquilo na escrita usando ', como em administrador', alun' e atrasad'.

Assim como um x não pronunciado, algumas palavras ficariam iguais às associadas com o pronome ele (como corredor', administrador' e autor'). Algumas também eram chatas de pronunciar, como d'.

Mesmo assim, era o final de palavra mais confortável pra mim, e usei ele por meses.

Só que agora não dava só pra depender do pronome pra indicar o resto. Eu não queria que qualquer pessoa que decidisse usar eld tivesse que usar ' como final de palavra, especialmente se x e e eram opções bem mais populares e aceitas.

Se na língua inglesa havia mais de um elemento do conjunto, porque só um pronome pessoal não vai ser óbvio (ze/hir/hir/hirs/hirself e ze/zem/zeir/zeirs/zemself são conjuntos diferentes), na língua portuguesa também iríamos precisar de mais do que um elemento.

E se esse elemento novo ficaria no fim das palavras, também faria sentido estar no fim do conjunto: ele/o, elu/e, eld/', elx/x.

O artigo


Eu também fiquei pensando em que outros elementos não são tão fáceis de presumir só com o pronome e com o final de palavra, e cheguei na questão de qual seria meu artigo definido.

Afinal, o final de palavra que eu mais gostava era algo sem pronúncia. E não acho que deveria haver a necessidade de dizerem que sou "' Aster" ao invés de "Aster". Mas haveria como indicar isso?

Quem usa final de palavra a também usa artigo a, e quem usa final de palavra o também usa artigo o (ou pelo menos era assim na época). Como o final de palavra neutro mais popular era e, essas pessoas usariam artigo e? Não seria impossível, e na maior parte das vezes não seria algo difícil de entender, mas será que essas pessoas que descartam uma série de possibilidades por não serem neutras ou fáceis o suficiente concordariam com isso?

Em um livro de latim na biblioteca do meu avô, descobri sobre os pronomes ea, is e id. Acredito que estes tenham dado origem aos pronomes her, his e it, respectivamente.

Isso me inspirou a usar ed como artigo. Afinal, tem suas semelhanças com eld, só tem duas letras, não poderia ser confundido com outra palavra, e faz referência a um pronome neutro antigo.

(Mais tarde, percebi que pessoas só conseguiam ver ed como meu nome ou parte do meu nome, e fui parando de usar este artigo, mas ainda acho ele legal.)

Enfim, eu precisaria encaixar isso no conjunto de alguma forma. Pensei em usar eld/ed/', porque o pronome geralmente vem primeiro. Mas como artigo é algo que vem antes de um nome ou de algo que o substitui, achei que seria mais intuitivo deixar o artigo primeiro: ed/eld/'.

Com os anos, eu fui vendo que realmente não existe muito consenso em qual artigo deve ser usado como neutro. Muita gente usa e, muita gente não usa nenhum, algumas pessoas usam ê, e já vi um trabalho de faculdade onde alguém sugeriu le. Também por este motivo, acho que especificar o artigo pode ser importante.

O uso de conjuntos artigo/pronome/final de palavra


Mesmo que muitas comunidades não tenham aderido a ele, por mais que existam vários guias e exemplos, eu diria que comunidades que usam o sistema acabam sendo positivas para pessoas que nunca se sentiram confortáveis tendo que escolher entre ele, ela, nenhum e/ou elu.

Eu vi alguém usando o pronome ily, e com três opções de final de palavra (acho que eram a, e e y, mas não tenho certeza). Eu vi alguém usando i/ile/e. Eu vi alguém usando -/ély/y. Eu vi gente usando ele com o final de palavra e. Eu vi alguém usando o/ely/o.

Esta diversidade toda só é possível quando a possibilidade é dada, tanto para experimentar, quanto para expressar, quanto para aprender. Eu já passei ali em cima vários links que podem ajudar a compreender melhor como este sistema funciona, se ainda houverem dúvidas.

Atualmente, eu também uso o pronome elz, geralmente descrevendo seu conjunto como ze/elz/e, e o pronome éli, geralmente descrevendo seu conjunto como -/éli/e. Conheço uma pessoa que usa -/elz/e e outra que usa i/éli/i. Estas nuances não conseguiriam coexistir se cada pronome tivesse que vir com artigo e final de palavra determinados.

Se alguém ainda quiser saber mais sobre a necessidade de haverem múltiplas linguagens fora da norma, sugiro que leia Em defesa de uma multiplicidade de pronomes.

Possíveis expansões


Eu entendo que tem uma série de outras coisas que o uso varia de pessoa pra pessoa. Considerando o final de palavra e, eu usaria essie (a terminação -ie é usada quando a terminação -e é usada para quem usa o conjunto o/ele/o), minhe e sue, mas tem gente que usa essu, mi e su (sendo a palavra essu geralmente usada pra quem usa o pronome elu, e mi e su universais pra qualquer pessoa que não usa meu/minha ou seu/sua).

Existe uma proposta de, ao invés de usar final de palavra para pronomes demonstrativos (-/ily/e → essie/estie), usar o próprio pronome pessoal, trocando a letra l por ss/st (-/ily/e → issy/isty). Porém, isso não funciona bem para pronomes como eld, elz e el, e não sei o que pessoas que usam ilu pensam sobre ter pronomes demonstrativos issu e istu.

Uma expansão do sistema artigo/pronome/final de palavra foi sugerida aqui, e uma ferramenta para testar conjuntos para esta expansão está disponível aqui.

Porém, enquanto as pessoas não conseguem nem largar de usar "pronome ela", "pronomes masculinos" ou "elu/delu" mesmo que um monte de material que fale da importância de colocar também o artigo e o final de palavra e que ensine a usar isso seja passado para elas, no máximo acho que poderíamos colocar um elemento a mais, como em ze/eld/essie/e ou -/elx/essx/x.

(Colocar delu/deld/dela/dele/déli/etc. só vai ser útil quando pessoas realmente tiverem pronomes começando com consoantes que não podem ser encaixadas em d[pronome] facilmente. Porém, o único caso que conheci que se encaixa é de uma única pessoa que usou o pronome ty por um tempo, ao mesmo tempo que também usava outros pronomes que começavam com vogal, então não entendo a insistência.)

Por que todo mundo deveria usar o sistema artigo/pronome/final de palavra, e não só quem precisa disso pra expressar sua linguagem?


Porque é só pelo meio da normalização que isso vai ser algo que todas as pessoas vão entender e respeitar.

Se alguém só ver li/ilae/i no perfil de alguém, sem nunca ter visto algo similar, vai achar que é uma referência ou código, não um conjunto de linguagem.

Se alguém estiver acostumade com sues amigues bináries usando o/ele/o e a/ela/a em seus perfis, a pessoa vai ter alguma base para suspeitar que li/ilae/i seja um conjunto de linguagem.

Na anglosfera, eu nunca vi alguém usando she sem também usar her, ou usando he sem usar him, ou usando it sem usar its, ou usando they sem usar them.

Mas falar que você usa um conjunto normalizado como they/them, they/them/their, they/them/themself ou they/them/their/theirs/themself, ao invés de só dizer "they" ou "they pronouns", faz com que as pessoas já se acostumem com a ideia, para que quando alguém avise que usa algo como fae/faer, xe/xem/xyr, kit/kits/kitself ou ne/nem/nir/nirs/nemself, as pessoas ao redor já tenham o padrão na cabeça e tenham menos chances de não entender ou de errar.

É a mesma coisa aqui. Se você acostuma as pessoas com "pronomes masculinos/femininos/neutros", quando alguém fala "artigo ze, pronome elz, final de palavra e", as pessoas acham que aquilo é absurdo, complexo ou confuso demais.

Se você acostuma as pessoas com "elu/delu" e afins, e aparece alguém que usa pronome ele e final de palavra e, lá vem a confusão e as acusações de confundir de propósito e sem necessidade.

E mesmo se você usa elu/e, ainda tem a questão do artigo, que, como falei, é algo que muita gente que usa algo fora de o/ele/o e de a/ela/a tem preferências completamente diferentes entre si.

Tire um pouco do peso das costas de quem só está confortável com linguagens pouco óbvias: ensine as pessoas a sua volta a usarem artigo/pronome/final de palavra.

Mas minha linguagem é qualquer/nenhuma/rotativa, eu não deveria precisar usar este sistema!


Sem problemas! Admito que "qualquer linguagem serve", "não use nenhum conjunto de linguagem específico para se referir a mim" ou "tanto faz a linguagem, desde que fiquem trocando" pode ser mais fácil de explicar assim ao invés de por meio de artigo/pronome/final de palavra.

Mas, se quiser usar este sistema mesmo assim, você pode usar [qlq]/[qlq]/[qlq], -/-/- ou [rtt]/[rtt]/[rtt], respectivamente.

Você também pode querer usar algo como -/íli/[qlq] ou [qlq]/[rtt]/e.

Eu diria que a carga maior deveria estar em cima de quem usa aqueles resumos/eufemismos que falei, e que usam conjuntos de linguagem que mais pessoas conhecem e usariam direito não importando qual o formato que estivessem.

Mas eu não vou mandar um texto longo e pouco explicativo desses pra quem não sabe de nada!


Ok, tente enviar uma ou mais destas páginas. Materiais que são mais focados em explicações práticas não faltam.


Exorsexismo


Aviso de conteúdo: Maldenominação, descrições de atitudes exorsexistas, cissexistas e que contém intersecções com outras coisas além dessas. Tentei não pegar exemplos pesados demais, mas eles ainda podem incomodar quem tem histórico de sofrer com isso.

Há alguns anos, eu criei este tópico para falar de exorsexismo, que na época era um conceito mais novo do que é hoje. Ainda considero um recurso bem completo, mas acho legal ter mais lugares falando de conceitos como este.

Exorsexismo é a opressão e discriminação contra pessoas que não são somente, completamente e sempre homens ou somente, completamente, e sempre mulheres. Ou seja, exorsexismo afeta:

  • Pessoas que não são nem homens e nem mulheres, seja por não ter gênero, seja por ter um ou mais gêneros diferentes destes;
  • Pessoas que são bigênero homem/mulher (ou ambigênero, ou gênero-fluido, ou similar que tenham estes gêneros);
  • Pessoas que são parcialmente homens ou mulheres, como homens-vagues, mulheres-cinza, demimeninos, quivermeninas, etc.;
  • Homens e mulheres não-bináries, agênero, sem gênero, etc.;
  • Pessoas transfemininas e transmasculinas não-binárias, ou que não se reinvindicam como mulheres e homens bináries;
  • Pessoas de gêneros indefinidos (como pessoas pomogênero);
  • Pessoas que consideram que certo fator externo é parte do seu gênero e que por isso seu gênero não é binário (isso inclui várias pessoas neurogênero, intergênero, gênero-orientação, egogênero, etc.);
  • Pessoas cujas identidades de gênero são ou eram aceitas dentro de sua sociedade, mas que diferem de homem e de mulher e que portanto são apagadas, demonizadas e afins em sociedades brancas eurocêntricas cristãs;
  • Travestis que não se consideram 100% homens ou 100% mulheres;
  • Qualquer outra pessoa que poderia se denominar não-binária caso quisesse.

Talvez também afete pessoas de sociedades aonde existem concepções diferentes de homem e de mulher em relação à sociedade branca eurocêntrica cristã, mas não sei sobre o assunto o suficiente para opinar, e só li um único texto sobre o assunto que também não trazia uma conclusão.

Enfim, tudo isso pode ser óbvio quando se diz que exorsexismo é a opressão contra pessoas não-binárias, mas existem grupos afetados por exorsexismo que não se consideram não-binários, assim como existem pessoas que não têm certeza se contam como não-binárias ou como afetadas por exorsexismo por serem homens e mulheres, ou parcialmente/quase homens, ou parcialmente/quase mulheres. Mas a sociedade exorsexista não inclui pessoas que às vezes são homens e às vezes são mulheres, ou que possuem algum gênero parecido com o binário mas que não é binário.

Exemplos de exorsexismo


Algumas pessoas acreditam que exorsexismo pode ser resumido como "apagamento não-binário". Além do problema de categorizar pessoas que não querem ser chamadas de não-binárias como não-binárias, exorsexismo vai além de apagamento.

Sim, um exemplo de exorsexismo é o apagamento. É o uso de "homens e mulheres" como se isso estivesse incluindo todo mundo. É a ausência de personagens não-bináries na ficção. É a insistência da mídia de só fazer algum único artigo quando alguma celebridade se abre como não-binária, e nunca mais mencionar o fato ou repensar o uso da linguagem usada para se referir a essa pessoa.

Mas também existem outros fatores.

Quando as possibilidades de gênero são alguma variação de "homem ou mulher", de "homem, mulher ou prefiro não dizer" ou de "homem, mulher e outro", isso não dá espaço para pessoas se afirmarem como suas próprias identidades de gênero se elas não são binárias.

Quando alguém é gênero-fluido mas não consegue a possibilidade de mudar seu gênero e/ou nome de tempos em tempos em registros de todos os tipos (ou de colocar que é gênero-fluido), isso é um limite que afeta pessoas gênero-fluido que não afeta outras pessoas.

Quando alguém diz que "só existe homem e mulher, o resto é transtorno mental", é um ataque a pessoas que não são homens ou mulheres, além de ser um ataque capacitista porque usa a existência de transtornos mentais como algo ruim que invalida experiências pessoais.

Quando só existem banheiros para homens e mulheres, pessoas que não são de um desses gêneros não estão sendo contempladas. Quando dizem que outras pessoas podem usar qualquer um desses banheiros, isso não considera o quanto de medo alguém pode ter de assustar mulheres ou de apanhar de homens, assim como não considera a disforia que alguém pode ter em entrar em um banheiro de uma identidade de gênero diferente da sua.

Quando símbolos para coisas que são para todas as pessoas são uma combinação de símbolos de homens e de mulheres, talvez isso seja apagamento, mas talvez seja uma exclusão proposital mesmo.

Quando há tantas coisas na sociedade que possuem medidas separadas para homens e para mulheres, isso também é algo que prejudica a aceitação e inclusão de pessoas que não são homens ou mulheres.

Quando pessoas que possuem identidades de gênero parecidas com mulher ou com homem precisam se reduzir a um gênero binário porque pessoas em volta não entendem/aceitam algo mais complexo, isso também é exorsexismo.

Quando pessoas só conseguem colocar em palavras como é seu gênero comparando com uma metáfora, porque ele não pode ser simplesmente descrito como homem, mulher, masculino, feminino, neutro, entre essas coisas ou como algo separado disso, é comum que pessoas binárias (e até pessoas não-binárias que querem se mostrar "superiores" a isso) façam chacota, espalhem capturas de tela de pessoas explicando esses gêneros para ridicularizá-los e afins.

Quando acham muito bonito quando alguém descreve seu gênero com uma metáfora poética, mas ridicularizam ou rejeitam quem usa algum termo específico para resumir tal metáfora, isso é prejudicar a expressão de pessoas cujas identidades de gênero não são binárias.

Quando reduzem não-binaridade a uma questão de expressão de gênero, de não entender que ninguém é completamente um estereótipo de homem ou de mulher, ou a uma questão de "querer ser diferente" ou de "estar na moda", isso também é exorsexismo.

Quando a língua possui dois "gêneros gramaticais" e um deles é associado com homens e outro com mulheres, isso é exorsexismo estrutural. Quando as pessoas que concordam que deveria existir um "gênero gramatical neutro" dizem que só pode existir um, e que ele é tanto para pessoas não-binárias quanto para grupos com pessoas que usam conjuntos de linguagem diferentes quanto para quando não se sabe o conjunto de linguagem de alguém, isso é exorsexista; pessoas não-binárias precisam abrir mão de ter conjuntos de linguagem que as representem separadamente mesmo que não queiram usar algo neutro ou associado com gêneros binários, enquanto pessoas binárias podem ter os seus separados e normalizados.

Exorsexismo faz parte do cissexismo (opressão/discriminação contra pessoas que não são cis), mas existem questões que afetam pessoas não-binárias e que não afetam pessoas trans/ipso/ulter/etc. binárias, ou afetam mas em menor quantidade. (Caso você não tenha entendido vários dos termos deste parágrafo e queira entender, clique aqui.)

Mas e as pessoas trans binárias?


Algumas pessoas acham que se pessoas que não são binárias possuem um termo para sua opressão, isso é dizer que pessoas trans binárias sejam praticamente iguais a pessoas cis, no sentido de ter privilégio binário.

Pessoas trans (e outras pessoas cisdissidentes) binárias realmente não são atingidas diretamente por muitas das agressões e por muitos dos apagamentos que pessoas que não são binárias sofrem.

Porém, pessoas trans (e outras pessoas cisdissidentes) binárias também passam por um problema específico delas dentro do cissexismo, que é uma exigência exagerada para que se encaixem nas normas do seu gênero para provarem que são realmente dele.

Pessoas que se reinvindicam não-binárias são invalidadas; dizem que isso não existe, que ou você é mulher ou homem. Mas pessoas cisdissidentes que se reinvindicam como binárias também são questionadas; afinal, se são "homens de verdade" ou "mulheres de verdade", por que fazem isso, passam por aquilo ou possuem certos aspectos corporais? Se um homem ipso mostra aspectos corporais ou comportamentais considerados femininos numa sociedade eurocêntrica, é "meio mulher" ou "mulherzinha", mas se uma pessoa com as mesmas características se reinvindicar como mulher trans ou ulter "ainda é homem".

Dentro da não-binaridade, a maioria das identidades não possui papéis ou estereótipos de gênero fixos. Se alguém é mulher não-binárie, a obrigação de "ser mais mulher" pode não ter tanto peso, porque a pessoa não é exatamente uma mulher binária.

Existem até pessoas que são não-binárias porque não conseguem se ver como pessoas trans binárias pela questão de serem trans. Isso não é necessariamente insegurança ou cissexismo internalizado; é apenas a experiência dessas pessoas de alienação da ideia de serem de um gênero binário com o qual não foram designadas.

Também é possível falar de exortransmisoginia; assim como transmisoginia é misoginia e transmisia experienciadas por mulheres trans e pessoas de identidades/experiências similares, exortransmisoginia é o exorsexismo e a transmisoginia experienciades por mulheres trans não-bináries e pessoas de identidades/experiências similares.

Mas e mulheres e discussões sobre opressão de gênero?


Acredito que pessoas que não sejam binárias sejam marginalizadas tanto pelas suas identidades não serem aceitas na cultura dominante, quanto por terem sido designadas gêneros diferentes dentro dessa cultura dominante.

Ou seja, sim, pessoas que não são somente, completamente e sempre homens também sofrem com o que se chama de sexismo, ainda que não sejam somente, completamente e sempre mulheres.

Não acho que o termo misoginia seja obsoleto ou problemático, visto que existe discriminação e opressão direcionada a mulheres. Mas, quando se fala de homens tendo privilégio, acho errado agir como se mulheres fossem as únicas pessoas afetadas. Algumas coisas poderiam ser chamadas de patriarcais ou parte do privilégio de homens, ao invés de apenas misóginas ou parte da opressão contra mulheres.

(Também não gosto muito de usar termos como "privilégio masculino" ou "opressão feminina", visto que pessoas de qualquer identidade de gênero podem ser masculinas ou femininas, mas consigo entender que dentro do contexto tal termo se refere aos privilégios de homens e opressões contra mulheres.)

Também existe exormisoginia, ou seja, a misoginia e o exorsexismo que afetam mulheres não-bináries e outras pessoas de identidades ou experiências similares. Um exemplo disso é colocar mulheres não-bináries como "meninas confusas" que só "acham que são não-binárias" (exorsexismo) porque "são fúteis e querem entrar na modinha"/"não possuem capacidade de entender o que é gênero" (misoginia).

De onde veio este termo? Tem algum outro termo?


O termo exorsexismo veio da operação XOR em programação, que retorna "verdadeiro" se um valor é uma coisa e não outra entre dois valores, e "falso" se preencher os dois valores, nenhum valor ou um valor diferente dos especificados. Ele foi mudado de exorismo porque poderia confundir pessoas disléxicas por parecer demais com exorcismo.

Foi cunhado em 2016 por Vergess no Tumblr. Postagens originais podem ser vistas aqui e aqui. Exorsexismo foi a palavra que acabou "pegando" mais, entre estas.

Uma alternativa que também não recebeu críticas, que acredito não ter sido usada por ninguém, é polarsexismo, que também remete à ideia de dois pontos diferentes acima do resto.

Algumas pessoas não gostam de usar exorsexismo porque o significado da palavra não é intuitivo, mas a maioria das pessoas não sabe da maioria das composições de qualquer palavra; é só uma questão de ensinar. A maioria também não sabe de onde vem perissexo, cisgênero, ou ornitorrinco, e não é uma exigência saber algo de programação para entender o que é exorsexismo assim como não é exigência saber grego ou latim para entender essas palavras.

Muitas pessoas gostam de usar binarismo. Embora a situação tenha mudado - hoje em dia, resultados de buscas por binarismo indicam binarismo de gênero e não coisas sobre computadores - ainda acho importante ter um termo próprio para indicar esta opressão que atinge identidades de gênero diferentes de 100% homem e de 100% mulher.

Afinal, o termo, inclusive como "binarismo de gênero", também é usado para falar de binarismo sexual (diadismo, opressão/discriminação contra pessoas intersexo), etnobinarismo (a intersecção entre exorsexismo e racismo, mais especificamente em contextos culturais com gêneros diferentes de homem e de mulher que sofreram e sofrem grande repressão por conta do colonialismo), binarismo de gêneros gramaticais (ou seja, línguas divididas entre equivalentes de a/ela/a e o/ele/o sem deixar forma neutra ou possibilidades abertas), binarismo de papéis de gênero (que pode ser algo criticando estereótipos de gênero ou falando de pessoas - inclusive binárias - que não seguem normas de gênero), e afins. Para não confundir ninguém, acho que um termo à parte é importante.

Algumas pessoas usam enebemisia ou similar, sendo "enebê" uma pronúncia de NB, sigla que significa não-binárie. Porém, ainda que seja comum ver "enby" na língua inglesa, eu praticamente nunca vejo gente usando enebê ou similar, fazendo com que o termo precise de explicação, assim como exorsexismo. Exorsexismo também é um termo mais inclusivo, por haverem pessoas fora do binário homem/mulher que não se identificam como não-binárias.

Tipos mais específicos de exorsexismo


Observação: Exorsexismo por si só é um assunto pouco falado, então essas coisas possuem menos material ainda...

Monogenerismo: A ideia de que ter um gênero (e um gênero apenas) é a norma. A ideia de que alguém "não pode só não ter gênero" é monogenerista; a falta de medidas que possibilitam ou facilitam alguém de indicar que é de gêneros diferentes (e que pode usar nomes/conjuntos de linguagem diferentes) em períodos diferentes é monogenerista.

Reducionismo de gênero: A ideia de que mesmo quem não é homem ou mulher binárie pode ser categorizade como "basicamente homem" ou "basicamente mulher". Geralmente isso é feito para que certas pessoas possam ser colocadas como "homens opressores" por terem expressão de gênero masculina e/ou por terem sido designadas homens ao nascimento, ou para invalidar orientações caracterizadas por atração de ou por pessoas não-binárias, afinal se todo mundo é "meio homem" ou "meio mulher", todo mundo que tem atração deveria poder se dizer hétero, gay, lésbica ou bi (no sentido de terem atração pelas "duas categorias").

Desgenerização: Isso é algo que não afeta só pessoas não-binárias, e sim diversos grupos marginalizados (incluindo pessoas cisdissidentes binárias). Mas existe desgenerização contra pessoas que não são binárias, que é quando reduzem qualquer uma dessas identidades de gênero a "não ter gênero" ou a "não definir gênero" apenas porque não são identidades binárias.

Também existem discussões sobre a possibilidade de surgimento de um termo relacionado à discriminação contra pessoas xenogênero.

De qualquer forma, é sempre possível falar separadamente de discriminação contra pessoas sem gênero, contra pessoas poligênero, contra pessoas gênero-fluido, contra pessoas neurogênero, contra a ideia de que identidades de gênero podem ser algo além de masculinas, femininas ou neutras, etc.

E, como já mencionado, é possível falar de intersecções entre exorsexismo e alguma outra coisa. Exormisoginia e etnobinarismo são termos já utilizados, mas também dá para formar e usar termos como exorcapacitismo, exordiadismo e afins.

Considerações finais


Exorsexismo é um negócio sério. Não temos estatísticas próprias por conta de nossas identidades não serem levadas a sério. Não temos grande visibilidade dentro de comunidades LGBTQIAPN+ (ou mesmo trans), e assim mesmo espaços que deveriam nos acolher nos excluem e agridem.

Mesmo dentro de comunidades não-binárias (que são poucas e pequenas), não é incomum ver pessoas que querem se assimilar às normas, ou que não são bem informadas quanto a questões de justiça social, então pessoas não-binárias racializadas, neurodivergentes, intersexo, que não querem ter que escolher entre linguagem "masculina, feminina ou neutra", que não querem ter que lidar com ódio à neolinguagem, que não querem ver ódio contra identidades não-binárias mais específicas, e afins, acabam não tendo espaços que sejam seguros para si.

Por favor, que mais pessoas ajudem a normalizar a terminologia que comunidades não-binárias inclusivas usam. Que mais pessoas incluam pessoas não-binárias quando se referem a grupos de pessoas que podem conter tais pessoas, e que mais pessoas evitem maldenominar pessoas que podem ser não-binárias e não usar um conjunto de linguagem "óbvio".

Leituras para quem quiser aprender mais



Tudo, ou pelo menos muita coisa, sobre linguagem pessoal


Edição (18/10/2024): Adicionei alguns links mais recentes e a informação sobre o elemento do asterisco entre parênteses/colchetes/afins em conjuntos de linguagem. A informação do asterisco é a única informação além da questão de links que não se encontra na versão impressa, ao menos neste momento.

Edição (17/11/2023): Uma versão para imprimir deste texto (7 folhas frente e verso em formato de livreto, 28 páginas ao todo) pode ser encontrada aqui. Ao adaptar o texto, percebi alguns erros e pontos fracos que acabei mudando nesta versão do texto também. Isso não significa que as duas versões são idênticas, mas a ideia é que sejam relativamente parecidas.


Este texto tem a intenção de trazer a pauta de conjuntos de linguagem (focando em conjuntos de linguagem pessoal) para pessoas que podem não ter tido muito contato com o assunto antes. Porém, ele ainda presume conhecimento sobre as seguintes coisas, que talvez algumas pessoas que passem por este texto ainda não tenham tido contato:

1) Os termos cis, não-cis, cisdissidente e trans aparecem neste texto. Para entender com detalhes o que os termos cis e trans significam, procure-os neste glossário. Os termos não-cis e cisdissidente são sinônimos, e se referem a qualquer pessoa que não seja cis (o que inclui pessoas trans).

2) Normas de gênero são as normas esperadas pela sociedade que são cobradas de quem pertence a cada gênero (ou que também podem ser cobradas de pessoas vistas como pertencentes a certo gênero mesmo que não sejam). No caso de sociedades eurocêntricas, geralmente se espera que mulheres sejam delicadas, sensíveis, vaidosas e boas donas de casa, e que homens escondam a maioria de seus sentimentos, gostem de esportes e sejam agressivos. Estes são exemplos de normas de gênero, mas elas também envolvem roupas, brinquedos, empregos e outras coisas que supostamente são "apropriadas para cada gênero". Pessoas que quebram várias destas normas podem se chamar de não-conformistas de gênero.

3) Identidade de gênero é algo pessoal, que não vai ter necessariamente nenhuma relação com corporalidade/sexo, normas de gênero, influências externas, aparência ou formas de agir ou de se vestir. Identidade de gênero não é algo exclusivo de pessoas não-cis: homem e mulher são identidades de gênero (enquanto cis e trans são modalidades de gênero). Caso queira ler mais sobre o que é gênero, clique aqui.

4) Muitas pessoas não são (somente/completamente/sempre) mulheres ou homens. Mencionarei pessoas não-binárias como um grupo que cobre essas experiências, e uma página que explica com mais detalhes como alguém pode experienciar isso pode ser encontrada aqui. Nem todas as pessoas que se encaixam nessa descrição se descrevem como não-binárias, o que pode ter a ver com diversos motivos. De qualquer modo, a discriminação experienciada por pessoas que não podem ser descritas precisamente somente como mulheres ou como homens é chamada de exorsexismo.

5) Respeitar as identidades de gênero de todas as pessoas é importante. Identidades de gênero fazem parte da cultura de cada lugar e da identidade pessoal, e negar a identidade de gênero de alguém (por conta da pessoa não cumprir as normas de gênero associadas com seu gênero, não ter uma aparência cisnormativa, ter uma identidade de gênero incomum ou difícil de explicar, "ser nova/velha demais pra isso" ou qualquer outro motivo) pode ser causar danos sérios à saúde mental de alguém, especialmente quando isso acontece com frequência.

6) Trolls, na maioria dos contextos de discussões na internet, são pessoas que insistem em incomodar outras pessoas de forma persistente, geralmente na internet. As ações de trolls podem ser descritas como trollagem. Uma trollagem comum em meios ativistas envolve tentar enganar pessoas "de fora" sobre o que grupos marginalizados são ou querem (espalhando suposições de má fé ou fingindo ser uma caricatura ridícula de alguém do grupo).

7) A maioria das outras coisas citadas que podem não ser de conhecimento geral possuem explicações logo após sua primeira menção, ou links para textos que explicam ao que tais coisas se referem.


Linguagem pessoal é algo que quase todo mundo que consegue se comunicar em alguma língua com "gêneros gramaticais" tem.

Sim, mesmo pessoas que nunca pensaram sobre o assunto e que são completamente alheias a comunidades NHINCQ+ (Não-Hétero, Intersexo, Não-Cis, Queer, etc). Sim, mesmo pessoas que dizem que é pra evitar quaisquer sinais desses gêneros gramaticais para falar delas. Sim, mesmo pessoas que não possuem nenhuma preferência em relação à linguagem.

As únicas pessoas que considero que não possuem alguma linguagem pessoal são as que ainda não têm certeza de que linguagem querem usar.

E, por isso, é importante ter noção de como usar e respeitar qualquer tipo de conjunto de linguagem.

Enfim, vou tentar explicar passo a passo o que são conjuntos de linguagem para pessoas que não estão familiarizadas com o assunto.

"O que é um conjunto de linguagem?"


Em lugares onde a língua portuguesa é a padrão, é comum ensinarem crianças que existem jeitos diferentes de se referir às pessoas: a forma "masculina" quando a pessoa "é homem", e a forma "feminina" quando a pessoa "é mulher". (Vou explicar as aspas depois.)

A forma "masculina" seria composta de palavras como o, ele, moço, este, ator, professor, guri, pai, filho, namorado e bom.

A forma "feminina" seria composta de palavras como a, ela, moça, esta, atriz, professora, guria, mãe, filha, namorada e boa.

Deste modo, poderíamos dizer que existe um conjunto de linguagem "masculino" e outro "feminino", que uniriam estas palavras citadas. No caso destes conjuntos especificamente, eles são chamados de gêneros gramaticais também, os quais são literalmente descritos na gramática formal como masculino e feminino.

Mas esta questão não termina aí, e também não acho que gênero gramatical descreva bem todos os conjuntos de linguagem existentes.

Mesmo que exista esta associação de certas palavras com certos gêneros ou estereótipos relacionados a gênero, não existem razões universais para que certas palavras precisem ser usadas apenas para pessoas masculinas, homens, pessoas femininas e/ou mulheres.

Saias ou cabelos compridos não precisam ser necessariamente “coisas femininas”, ternos ou cabelos curtos não precisam ser necessariamente “coisas masculinas”. Estas são só decisões que foram feitas em certos lugares e períodos que nem estão presentes em todas as culturas e/ou épocas.

Também por conta disso, é importante ter formas de descrever tais conjuntos de linguagem de formas que não usem feminilidade ou masculinidade como ponto de partida. Temos nomes específicos para roupas, partes do corpo e cores de forma que não tenhamos que usar vocabulário vago e arbitrário como feminine ou masculine para nos referirmos a elas, então faz sentido ter formas de descrever linguagem de forma que não dependa destas palavras.

Existe mais de um jeito de pessoas se referirem a tais conjuntos, como a/ela/a e o/ele/o, ela/dela e ele/dele, ela/a e ele/o e a/uma/da/ela/dela/minha/essa/a e o/um/do/ele/dele/meu/esse/o.

Quando uma pessoa quer ser referida com um certo conjunto de linguagem, dizemos que tal pessoa usa tal conjunto, ou que certo conjunto de linguagem é o conjunto daquela pessoa. Por exemplo:

  • Eu sou o Marco. Eu uso o/ele/o.
  • Aquele é o Marco. O conjunto de linguagem dele é o/ele/o.

Eu vou explicar mais sobre o que exatamente significa a/ela/a, o/ele/o e afins depois. O que importa agora é que, independentemente dos modelos usados, conjuntos de linguagem vão muito além destes dois.

"Mas pra quê ter conjuntos de linguagem além dos previstos pela língua padrão?"


A existência de um binário estrito de conjuntos de linguagem baseado em gênero causa diversos problemas:

  • Quando não se sabe qual o gênero de uma pessoa ou de um animal, que conjunto de linguagem devemos usar?
  • Quando existem grupos formados por seres de gêneros diferentes, como devemos nos referir ao grupo?
  • Quando alguém não é nem homem e nem mulher, como nos devemos nos referir a tal alguém?

Acho importante notar que todos estes problemas são relacionados com seres vivos. Poucas pessoas se importam com o uso de a/ela/a para cadeiras e geladeiras e de o/ele/o para sofás e ventiladores, e se alguém tentar te convencer de que aceitar mais linguagens também tem a ver com usar conjuntos de linguagem diferentes para objetos ou até mesmo para nomes de espécies, é bem provável que tal pessoa esteja trollando.


As soluções propostas que envolvem a língua padrão são frequentemente egoístas (como "quem não se encaixa nessas linguagens não importa"), pouco práticas (como "é só descrever essas pessoas e esses grupos de forma indireta o tempo todo"), machistas (como "o/ele/o já é um conjunto neutro") ou exorsexistas (como "não existe essa coisa de não ser homem nem mulher").

Por conta disso, surgiram formas de um conceito atualmente chamado de neolinguagem, o qual engloba quaisquer palavras alternativas que não são previstas pelos gêneros gramaticais padrão.

Algumas pessoas começaram a usar arroba para substituir a ou o em palavras como el@ ou tod@s nas últimas décadas, mas como era apenas uma substituição para os dois conjuntos padrão, esta solução foi considerada pouco inclusiva. Com o tempo, surgiu a ideia de usar a letra X para fazer a mesma coisa, mas a maioria das pessoas não entendia que a letra não era pra ser pronunciada, e programas que leem telas para quem não as enxerga (parcialmente ou totalmente) sempre pronunciava a letra X nos finais das palavras como “cs”.

Depois disso, foram sugeridas tanto propostas para "neutralizar a língua" de forma pronunciável quanto propostas de diversidade de conjuntos de linguagem, para que cada pessoa possa escolher o que fica mais confortável para si. Todas as possibilidades que não se encaixam nos gêneros gramaticais previstos pela língua padrão são consideradas parte da neolinguagem.

Este texto é especificamente sobre linguagem pessoal (a linguagem que cada pessoa usa), e não sobre linguagem genérica/neutra (uma linguagem ideal para usar quando a linguagem de alguém ou de algum grupo é indeterminada). Eu listei estas questões sobre linguagem genérica por serem relevantes, mas se você quiser saber mais sobre como deixar de usar o/ele/o como linguagem genérica, textos relevantes estão disponíveis aqui.

A maioria das pessoas que usa neolinguagem como parte de seu conjunto de linguagem pessoal são não-binárias. Mesmo assim, pessoas binárias (que são sempre, estritamente e completamente homens ou mulheres) também podem querer usar conjuntos de linguagem pessoal fora dos padrões, algo que quando acontece é geralmente feito por pessoas não-conformistas de gênero como parte de suas expressões pessoais.

"Não é só decidir um gênero gramatical/conjunto de linguagem neutro e usar ele?"


  • A ideia de que dois gêneros específicos permaneçam tendo conjuntos de linguagem específicos associados a si, enquanto pessoas de todas as outras centenas de identidades possíveis tenham apenas um conjunto associado a elas, é dar a ideia de que gêneros/arquétipos binários são simplesmente mais importantes e merecedores de atenção.
  • Se tal conjunto neutro ainda por cima for também associado com não saber o gênero de alguém, isso dá a entender que qualquer pessoa que não seja binária ou que rejeite linguagens associadas a gêneros binários esteja num limbo de indeterminação de gênero. Isso pode ser algo apreciado por algumas pessoas, mas a ideia de que pessoas não-binárias só estão indecisas sobre seu gênero é um preconceito vil que não deveria ser reforçado.
  • Muitas pessoas podem não querer ter um conjunto de linguagem que passa uma impressão de neutralidade ou de indeterminação de gênero, e sim algo que passe a impressão de masculinidade não-binária, feminilidade não-binária, xeninidade, maveriquinidade ou outras características.
  • Não existe nenhuma proposta de conjunto de linguagem neutro que tenha o apoio de todas as pessoas dentro ou fora de comunidades que propõem um conjunto neutro universal. Não faz sentido alguém se sujeitar a ser referide por um conjunto de linguagem do qual não gosta muito quando isso não aumenta as chances de outras pessoas usarem tal conjunto de linguagem.


Mais detalhes acerca de descrever conjuntos


Agora que expliquei que 1) neolinguagem já existe, já está em uso, e não faz sentido fingir que não é necessária e que 2) conjuntos de linguagem são diversos, acho importante explicar como estes vão ser descritos.

Neste texto, e em outros textos, o esquema que uso é artigo/pronome/final de palavra (este pode ser chamado de terminação ou de flexão também).

O artigo (nome técnico: artigo definido da forma singular) é o que se usa na frente do nome da pessoa, ou de algo que substitui o nome da pessoa mas que usa seu artigo.

Ao escrever "o João", "a advogada", "ê artista" e "le professore", as palavras o, a, ê e le estão cumprindo a função de artigo. A e o são artigos previstos pela língua, mas ê e le são neoartigos.

O pronome (nome técnico: pronome pessoal reto da terceira pessoa do singular) é o que se usa para substituir o nome da pessoa e fazer certas contrações.

Ao escrever "ela é forte", "isso é dele", "estou pensando nelu" e "ile é legal", os pronomes que estão sendo usados são ela, ele, elu e ile, respectivamente. Ela e ele são pronomes previstos pela língua, enquanto elu e ile são neopronomes.

O final de palavra (nome técnico na maior parte dos casos, mas que recomendo evitar: flexão de gênero) é o que se usa no final das palavras que mudam entre a e o dentro dos conjuntos de linguagem previstos pela língua padrão.

Ao escrever "médica", "amigo", "linde" e "cozinheiry", os finais de palavra que estão sendo usados são a, o, e e y, respectivamente.

Após definir os três elementos, eles podem ser unidos nesta mesma ordem, com barras entre eles. Assim, podemos ter a/ela/a, o/ele/o, ê/elu/e, y/ély/y, i/éli/i, le/ile/e e várias outras possibilidades.

Quando alguém não quer que algum elemento seja usado, escreve-se um traço. Por exemplo, uma pessoa que não quer que usem um artigo para ela pode usar -/elu/e, e alguém que quer que seu nome seja usado ao invés de pronomes pode usar i/-/i.

Quando não há preferência acerca de certo elemento ("qualquer um serve"), a pessoa pode usar [q], [qlq], [qqr] ou similar no lugar do elemento. Por exemplo, alguém cujo conjunto é [qlq]/ile/e vai aceitar a, o, ê, e, le, y, i, il ou qualquer outro artigo, incluindo neoartigos.

Quando alguém quer que fiquem trocando o que usam no lugar de certo elemento, a pessoa pode usar [r], [rtt], [rot] ou similar para indicar um elemento rotativo. Por exemplo, alguém cujo conjunto é -/éli/[rtt] quer que troquem o final de palavra que usam para éli com frequência.

Quando alguém quer especificar alguma observação mais específica, a pessoa pode usar (*), ou similar. Por exemplo, alguém cujo conjunto é -/(*)/(**) pode especificar em seu perfil algo como:

* Aceito quaisquer neopronomes, menos ila, ilo e elo.

** Prefiro que evitem me marcar com flexões, mas em casos onde isso for muito inconveniente, podem usar -e, desde que o uso não seja constante.

Quando alguém quer indicar elementos alternativos em seus conjuntos, a pessoa pode usar vírgulas e parênteses, chaves ou similares para indicar as possibilidades ao invés de escrever conjuntos separados. Por exemplo, alguém pode preferir escrever seu conjunto como -/(ily, ile)/y ao invés de especificar tanto -/ily/y quanto -/ile/y.


Três imagens em uma demonstrando como se usam os conjuntos le/elu/e, -/-/- e fy/yl/y. Exemplo de frase com artigo le: "Le jovem é daqui." Exemplo de frase com pronome elu: "Elu é legal." Exemplo de frase com terminação E: "Estou atrasade!" Exemplo de frase sem artigo: "Tal jovem é daqui". Exemplo de frase sem pronome: "Aquela pessoa é legal." Exemplo de frase sem terminação: "Não vou chegar a tempo!" Exemplo de frase com artigo fy: "Fy jovem é daqui." Exemplo de frase com pronome yl: "Yl é legal." Exemplo de frase com terminação Y: "Estou atrasady!"
Esta imagem foi feita para explicar como funcionam os conjuntos de linguagem mostrados. Imagens similares podem ser encontradas aqui.


Em relação a outros jeitos de falar sobre conjuntos de linguagem:

  • Usar “linguagem feminina/masculina/neutra” não funciona muito bem, tanto por reforçar normas de gênero (e se uma pessoa quiser usar o/ele/o sem ser masculina?), quanto por ser uma afirmação vaga (e se uma pessoa quiser usar o/elo/o, é uma linguagem masculina? E e/ele/e? Se alguém disser que usa linguagem neutra, é para usar le/elu/e, ê/elu/e, -/ile/e, -/-/- ou o quê?) Também força associações desnecessárias com características associadas a gêneros. (Por que temos que dizer que uma pessoa sem gênero que está usando a/ela/a porque é a linguagem associada com a palavra pessoa está usando uma linguagem feminina?) Mais sobre isso aqui, aqui e aqui, e também existe este texto sobre como usar "linguagem neutra" é algo muito vago.
  • Usar "elu/delu" e afins também não funciona bem: ocupa mais caracteres do que e/elu/e, usa tal espaço para uma informação que vai ser supérflua sob quase todas as circunstâncias e não sinaliza informações como o final de palavra, algo praticamente fundamental para se referir a alguém na língua portuguesa. Fiz um texto inteiro sobre isso aqui.
  • Colocar só o pronome e o final de palavra funciona bem para pessoas cujos conjuntos estão dentro dos padrões, mas visto que existem muitas opiniões diferentes sobre que artigos deveriam ser usados para quem tem final de palavra e e/ou pronome elu, acho que faz sentido que cada pessoa possa deixar explícito seu próprio artigo, ao invés de utilizarmos a presunção de que ele será sempre igual ao final de palavra.
  • Eu entendo a utilidade de oferecer mais informações sobre a própria linguagem, e dou meu apoio a qualquer pessoa que quiser colocar a/uma/da/ela/dela/minha/essa/a ao invés de a/ela/a em seu perfil, mas para propósitos como citar conjuntos em textos ou em lugares com pouco espaço, acho importante ter a possibilidade de resumir um conjunto em três ou quatro elementos.
  • Se alguém tiver interesse em como foi feita a escolha dos elementos artigo, pronome e final de palavra, já escrevi um texto sobre isso também. Resumidamente, é porque são elementos comuns que também são frequentemente disputados por pessoas que defendem propostas específicas de linguagem genérica/neutra.

Entendo que podem haver dúvidas acerca de outras particularidades de certos conjuntos de linguagem, mesmo com informações sobre artigo(s), pronome(s) e final(is) de palavra de alguém. Algumas dessas serão explicadas depois, mas por enquanto acho mais importante ter ao menos uma noção básica do que significam os três elementos citados.

"Como saber qual o conjunto de linguagem que alguém usa?"


Conjunto de linguagem, assim como identidade de gênero, são características frequentemente presumidas, mas que, idealmente, não deveriam ser.

Tanto homens quanto mulheres quanto outras pessoas podem usar quaisquer tipos de roupas e acessórios, e ter qualquer tipo de cabelo, voz, corpo, personalidade e gostos. A ideia de que é possível julgar alguém como homem ou como mulher se baseando em aparência, documentos ou em como a pessoa se comunica é baseada em estereótipos de gênero e de sexo, e prejudica pessoas trans, intersexo, não-binárias e/ou que não seguem as normas associadas com seus gêneros.

Da mesma forma, não há como presumir que conjunto de linguagem alguém usa sem a pessoa dizer qual conjunto usa. Mesmo indicadores como homem ou mulher nem sempre significam que a pessoa usa a linguagem comumente associada com tal gênero.

É possível alguém se referir a si e assim revelar alguma parte de sua linguagem (geralmente o final de palavra, em frases como "estou atrasade" ou "sou arquiteta"), mas, mesmo assim, é importante considerar que:

  • Aquela pode não ser a única possibilidade do que a pessoa usa (uma pessoa pode usar tanto a/ela/a quanto o/ele/o, por exemplo);
  • A pessoa pode querer usar certos conjuntos para se referir a si mesma, mas não querer que outras pessoas usem a mesma linguagem (porque a pessoa está questionando, é insegura, erra a própria linguagem com frequência, tem medo de ser vista como estranha se usar neolinguagem em público, não se importa em usar uma linguagem binária para si mas vê a mesma linguagem vinda de outras pessoas como uma forma de presumir que a pessoa tem um gênero binário quando não tem, etc.);
  • A presença de certo artigo, pronome ou final de palavra não infere outros elementos (pessoas podem usar -/elo/o, -/ele/e, a/ila/a, -/ilã/e, u/elu/u, ê/elu/e, etc).

Caso a comunicação entre você e a outra pessoa seja privada, eu não acho indelicado perguntar sobre seu(s) conjunto(s) de linguagem. ("Eu uso pronome eld e flexão -e, como posso me referir a você?") Também é possível que a pessoa tenha ele(s) disponível(is) em algum perfil online.

Porém, em situações públicas, fazer esta pergunta pode ser uma indelicadeza, não apenas porque a maioria das pessoas (infelizmente) quer que você presuma, mas também porque uma pessoa pode ter que escolher entre sair do armário contra a própria vontade e ter a linguagem errada sendo usada para si.

Neste caso, pode ser importante a adoção de alguma linguagem neutra para ser usada para todo mundo que você não conhece, como -/-/- ou e/elu/e.

Mesmo assim, é importante que você ou use esta linguagem neutra para todas as pessoas que você não sabe a linguagem, ou para nenhuma. É um problema só usar isso quando você pensa que há uma possibilidade da pessoa ser trans, não-binária e/ou não-conformista de gênero.

Caso você esteja organizando algum espaço que seja seguro para pessoas cujos conjuntos de linguagem são presumidos erroneamente com frequência (o que inclui não ser seguro para pessoas que acreditam que gênero e linguagem devam sempre ser presumidos e/ou baseados em gênero/sexo), você pode oferecer formas de pessoas expressarem seus conjuntos.

Em espaços online, isso significa encorajar que pessoas disponibilizem seus conjuntos em introduções, nomes de tela e/ou espaços no perfil. Em espaços físicos, isso significa pedir conjunto de linguagem na introdução de cada pessoa e/ou disponibilizar adesivos para escrever conjuntos e encorajar que mesmo pessoas "cuja linguagem é óbvia" os digam/usem. Guias e/ou explicações sobre como tais conjuntos funcionam também devem estar disponíveis.

Lembre-se também de que nem todas as pessoas podem querer disponibilizar seus conjuntos, por mais seguro que seja o espaço. Enquanto isso é um problema quando são pessoas binárias conformistas de gênero afirmando que linguagem pessoal deve ser presumida, obrigar pessoas a escolher um conjunto de linguagem pode ser um problema para pessoas no armário, inseguras sobre que linguagem querem, que sentem disforia de gênero ao terem que dizer seus conjuntos de linguagem, etc.

Sugiro encorajar pessoas a não usar nenhuma linguagem específica ao se referir às pessoas do grupo que não querem disponibilizar seus conjuntos de linguagem.

Novamente, estas medidas precisam valer para todas as pessoas, e não apenas quando houverem pessoas não-cis e/ou não-conformistas de gênero no grupo.

Caso você ou o grupo esteja lidando com gente no armário, talvez seja interessante que pessoas disponibilizem uma linguagem para ser usada dentro do grupo e outra fora do grupo.

"Como posso disponibilizar meu conjunto?"


Se você se sente confortável e segure para fazer isso, você pode colocar em biografias ou similares de perfis de redes sociais/fóruns/programas de chat/etc., em apelidos de programas de chat, ou em outros lugares que pessoas podem conferir para saber como podem se referir a você e/ou informações básicas sobre você.

Em espaços físicos, você pode usar buttons, camisetas, bordados, crachás, adesivos ou outros indicadores. Você também pode se apresentar falando do seu conjunto de linguagem (como em "sou Miriam, uso a/ela/a").

A maioria das pessoas não sabe como funciona a questão de artigo/pronome/final de palavra, então é provável que você tenha que explicá-la, especialmente se seu conjunto contém neolinguagem e portanto não é visto como “óbvio”.

"Que conjuntos eu posso ter?"


Pessoas podem ter quantos conjuntos de linguagem pessoais quiserem, e eles podem ser formados pelos elementos que cada pessoa quiser. Porém, infelizmente, quanto mais “fora do comum” for o conjunto, menor é a possibilidade de outras pessoas quererem usá-lo.

Existe uma certa polêmica em relação a se pessoas binárias ou cis podem ou não usar conjuntos além dos associados com seus gêneros, ou além de o/ele/o e de a/ela/a. Eu não vejo problema em uma pessoa cis querer usar conjuntos como le/elu/e, -/ila/a ou outros, desde que seu uso seja respeitoso.

Acredito que pessoas binárias possam querer usar conjuntos além dos associados com seus gêneros pelos seguintes motivos, por exemplo:

  • Suas expressões de gênero (ou seja, como se vestem, agem, etc.) não se encaixam com as expressões ditadas pelas normas de gênero, e tais pessoas podem querer usar um conjunto de linguagem que seja mais relacionado com sua expressão de gênero do que com sua identidade de gênero;
  • Se forem pessoas trans, podem não querer se abrir como trans ou dar sinais de que não são do seu gênero designado, e assim usar outro conjunto para disfarçar isso;
  • Se tiverem preocupações com privacidade, misoginia ou outras questões, podem usar um conjunto de linguagem diferente em certos espaços para criar uma impressão diferente de sua identidade;
  • Essas pessoas podem estar questionando suas identidades de gênero e usar linguagem pessoal como uma forma de experimentar possibilidades para suas identidades;
  • Essas pessoas podem simplesmente gostar muito de certos conjuntos de linguagem sem saber explicar o motivo, e querer que eles sejam usados para elas.

De qualquer modo, acho que alguns cuidados devem ser tomados por pessoas que usam certos conjuntos de linguagem só por diversão ou curiosidade mas que não se importam tanto quando pessoas usam a linguagem errada ou associada com seu gênero:

  • A experiência de uma pessoa cis que não se importa com a linguagem associada com seu gênero mas que também usa outro(s) conjunto(s) é diferente da experiência de alguém cisdissidente que encontra dificuldades em ter pessoas aceitando sua linguagem. Maldenominação (o uso do conjunto de linguagem errado) dói muito mais quando usar o conjunto certo é importante e fundamental para a pessoa.
  • Pessoas cis não possuem uma "experiência meio trans" só por usarem conjuntos de linguagem além dos esperados. Pessoas trans binárias não possuem uma "experiência meio não-binária" por usarem ou terem usado conjuntos de linguagem além dos esperados. Embora algumas experiências possam ter sido parecidas, pessoas que são de um grupo internalizam muito mais o ódio contra o grupo do que pessoas que só foram confundidas com membres de tal grupo.
  • Pessoas não estão sendo mais inclusivas por aceitar qualquer conjunto de linguagem, ou por aceitar algum conjunto que consideram neutro além do conjunto associado com seu gênero. Isso só lembra pessoas fora dos padrões de que algumas pessoas podem ficar "brincando" com seus conjuntos o quanto quiserem e ser maldenominadas sem grandes consequências. (E potencialmente ensina pessoas dentro do padrão de que ninguém deveria se importar com linguagem, sendo que pessoas fora do padrão são as que vão sofrer mais com isso.)

Basicamente: se você quiser usar algum conjunto além do associado ao seu gênero, não há problemas em utilizá-lo, mas isso não “dá pontos” de inclusividade ou de cisdissidência. Se o motivo para você usar outros conjuntos for “quero saber como pessoas trans se sentem”, “quero saber como pessoas não-binárias são tratadas” ou “quero mostrar que ninguém deveria se importar com conjuntos de linguagem”, repense, porque isso será visto como algo ofensivo e que não ajuda a causa de ninguém.

"E se o conjunto de alguém for difícil de usar ou de lembrar?"


Em primeiro lugar, nunca diga a alguém que é muito difícil usar seu conjunto e que você pode demorar para se acostumar (ou similar). Nós que incluímos neolinguagem em nossos conjuntos de linguagem pessoais estamos acostumades a ouvir/ler isso de praticamente qualquer pessoa binária que acabou de ser informada sobre nossos conjuntos. Também peço que não pergunte o motivo de alguém não usar algum conjunto específico que você preferiria que a pessoa usasse.

Sim, neolinguagem, conjuntos fora do padrão esperado ou mesmo a possibilidade de você ter usado outro conjunto para a pessoa por anos antes de receber a informação sobre a pessoa estar usando outro conjunto são coisas difíceis de se lidar. Para todo mundo! Até a pessoa que escolheu o próprio conjunto de linguagem pode errar ocasionalmente. E eu garanto que até ativistas "super desconstruídes" muitas vezes maldenominam pessoas que não usam os conjuntos que elus internalizaram que tais pessoas deveriam usar, mesmo sem querer.

Mas é horrível ter que ouvir isso tantas e tantas vezes. Qualquer pessoa que é maldenominada com frequência sabe que são poucas pessoas que vão sequer tentar usar o conjunto de linguagem certo. Qualquer pessoa que é maldenominada com frequência sabe que pessoas bem intencionadas vão tentar usar o conjunto certo mas ainda podem errar de vez em quando, especialmente no início. Ser maldenominade já dói, e ter que lidar com um eufemismo para "sua identidade é inconveniente pra mim e talvez eu nem tenha capacidade para respeitar ela direito" ao conhecer ou se abrir para qualquer pessoa nova só contribui com essa dor.

Enfim, aqui estão algumas dicas para lidar com conjuntos que não são intuitivos para você:

  • Você pode aproveitar es seguintes dicas e exercícios: 1, 2 3;
  • Você pode ver como conjuntos são usados no contexto de certas frases aqui;
  • Você pode tentar falar sobre a pessoa para outras pessoas usando a linguagem certa, para as consequências não serem tão grandes caso você erre a linguagem da pessoa durante essa "fase de treinamento";
  • Você pode chamar algumas pessoas e propor que por algumas horas cada pessoa ali use algum conjunto com o qual você tem dificuldade, ou fazer algum tipo de roleplay (tipo de jogo ou brincadeira onde você cria ume personagem) e fazer algume personagem que usa tal conjunto de linguagem.
  • Você pode praticar o conjunto da pessoa fazendo uma história sobre ume personagem que usa o mesmo conjunto de linguagem.

Se você ainda não estiver conseguindo lembrar/usar o conjunto de alguma pessoa, você pode pedir um conjunto auxiliar, ou seja, um conjunto que a pessoa não prefere que usem, mas que aceita caso não seja possível usar outro.

Porém, se você não consegue nem pensar em ê/elu/e, e/ele/e, -/éli/i, a/ila/a, u/êlu/u ou similares como conjuntos auxiliares satisfatórios, você vai ter que dar um jeito de se acostumar com neolinguagem, usando as dicas acima ou pedindo dicas para outras pessoas (de preferência de forma privada e sem envolver a pessoa afetada).

Se tudo falhar, você pode não usar nenhuma linguagem específica para se referir a quem só usa conjuntos difíceis demais para você.

"Mas se qualquer coisa vale como elemento de conjunto de linguagem, não vão surgir vários conjuntos estranhos e impossíveis de usar?"


Em geral, pessoas querem que seus conjuntos de linguagem sejam usados, então é mais provável que alguém com um conjunto incomum use algo como -/ilo/o ou fy/yl/y do que algo como eu/legal/sou ou fsda/vjisdhef/fhi.

A maioria dos artigos tem até duas letras. A maioria dos pronomes tem a letra L no meio ou no fim e começa com vogal. A maioria dos finais de palavra é feita para funcionar junto a consoantes. A maioria dos conjuntos é feita para ser pronunciável, mas sem que os elementos sejam confundidos com outras palavras.

Algumas exceções a isso são:

  • Neoartigos. É muito difícil conseguir uma ou duas letras que sejam pronunciáveis e que não sejam nenhuma palavra, especialmente se for para combinar com algum pronome e/ou final de palavra. Artigos como e, ne, ny e la parecem palavras existentes ou contrações entre um final de palavra e a palavra em (assim como na e no), enquanto artigos como ze ou ed podem parecer nomes ou partes do nome de alguém.
  • Conjuntos temáticos. São raridades, mas conjuntos como fo/ogo/o ou an/ane/el existem.
  • Pronomes compostos por símbolos ou emojis. Eles são apenas para uso em texto; não há pronúncias em voz alta, a não ser que estas sejam explicitamente indicadas.
  • Um ou outro uso que já vi por aí de le e ty como pronomes, e também quero incluir aqui quaisquer outros pronomes que começam com consoantes. Isso faz com que palavras como delu, aquelu e nelu possam ficar difíceis ou impossíveis de reconhecer/pronunciar (ex.: dty, nle).
  • Elementos que usam x ou símbolos como e *. X, @, ' e * possuem "pronúncia" muda; a palavra el@ pode ser lida como el, por exemplo. Mesmo assim, não é recomendável usar símbolos em conjuntos de linguagem, especialmente em abundância, por conta de programas que leem telas descreverem o símbolo (como em "el arroba" para el@).

Em geral, aquelus que possuem preferências por conjuntos mais complexos ou que contém elementos impronunciáveis também oferecem conjuntos auxiliares mais intuitivos e pronunciáveis como alternativas.

Muitas pessoas não conseguem se sentir confortáveis usando conjuntos de linguagem pessoais que foram projetados para serem “neutros” ou parecidos com os padrões. E, às vezes, tais pessoas acabam se identificando mais com palavras estranhas ou com símbolos que não podem ser pronunciados.

O ponto aqui é que nem todo conjunto de linguagem estranho é "coisa de troll", mas que realmente pode ser meio suspeito se todos os conjuntos de linguagem de alguém forem longos, impossíveis de pronunciar ou compostos por outras palavras.

Se você legitimamente não consegue usar nenhum dos conjuntos listados de alguém, você pode perguntar por um conjunto auxiliar ou não usar nenhuma linguagem específica para a pessoa.

Neopalavras não cobertas por artigo/pronome/final de palavra


Se uma pessoa é fotógrafa e usa -/elu/e, usamos "este fotógrafe" para se referir a tal pessoa?

O consenso geral, até onde sei, é que o certo seria "estu fotógrafe". Mas outra opção seria "éstie fotógrafe", porque podemos utilizar ie no lugar de e em palavras onde a letra é associada com o conjunto o/ele/o.

Uma ideia para pronomes demonstrativos é que se substitua a letra L em um pronome por ss ou st para formar pronomes demonstrativos. Então éli daria em éssi e ésti, el daria em ess e est, ila daria em issa e ista, e assim por diante.

Mas, sinceramente, eu não sei se pessoas que usam ilu querem ser chamadas de istu, ou se pessoas que usam elz querem ser chamadas de essz. Nestes casos, eu recomendo manter a letra e do início e usar o final de palavra (ou ie se tal final de palavra for e), caso não seja possível perguntar para a pessoa o que ela prefere.

Neste caso, a/ila/a daria em essa e esta, enquanto ze/eld/e daria em éstie e éssie (recomendo a primeira letra E aberta para diferenciar melhor de este/esse; ou fechada caso em seu sotaque tal letra já seja aberta).

<

p style="background-color:#1111; padding:5px;">Oltiel, que originou a ideia linkada acima, também já falou sobre seu modelo ser mais útil para casos onde os pronomes tanto começam quanto terminam em uma ou mais vogais, as quais são separadas pela letra L, de forma que não foi feito para lidar como pronomes como *elz ou ind.*

Em relação a alternativas a meu/minha e a seu/sua, também existe divisão: algumas pessoas preferem usar as alternativas "universais" mi e su para pessoas que usam quaisquer finais de palavra fora da norma, enquanto outras preferem minhe e sue, com o final de palavra e podendo ser substituído por qualquer outro.

E quanto a letras repetidas? Escreve-se "su namoradu" ou "suu namoradu"? "Professori não-binári" ou "professori não-binárii"?

Pessoalmente, prefiro omitir a letra repetida, mas pode ter gente que prefere mantê-la. Mas só a omito no caso de letra repetida, não de som repetido: eu diria que alguém que usa o final i é não-binári, mas que alguém que usa o final y é não-bináriy.

No caso de alternativas a palavras terminadas em ca, ga, co ou go, caso o início do final de palavra seja i, e ou algo de som similar, recomendo trocar c para qu e g para gu. Então alguém seria ume amigue ou umi médiqui, para manter a sonoridade da palavra.

Artigos indefinidos e contrações que envolvem artigos usam o final de palavra, não o artigo. Alguém que usa ze/elz/e é ume menine, não umze menine. Se alguém usa i/éli/e, palavras como de e ne são usadas ao invés de di e ni.

Caso você vá falar sobre uma pessoa que usa neolinguagem em outra língua, você vai ter que perguntar para a pessoa o que ela prefere, ou se referir a tal pessoa de forma "neutra" mesmo. Não existe tradução direta de conjuntos de linguagem fora do padrão.


Se você quer saber mais sobre palavras fora do padrão, aqui estão mais recursos sobre este assunto:

Mais links estarão disponíveis no final do texto.


De qualquer forma, acho importante lembrar de duas coisas:

  • Ainda não existem padrões muito rígidos, e até mesmo pessoas que usam neolinguagem em seus conjuntos podem não saber de várias destas coisas, ou não concordar com elas;
  • "Errar" algo como usar amige ao invés de amigue não vai machucar tanto quanto usar amiga ou amigo. É melhor você improvisar algo que não seja ideal do que se recusar a tentar. Só não se ofenda quando o que você pensou não era a solução ideal!


Pronúncia de neoartigos, neopronomes, etc.


Esta seção é baseada na minha experiência em conviver com outras pessoas que usam neolinguagem no dia-a-dia. É possível que existam pessoas que usem outras pronúncias para os elementos listados aqui. Por favor, priorize respeitar os desejos de quem usa os elementos indicados aqui em sua linguagem pessoal.


Este texto não listará todas as possibilidades que já vi, e sim apenas as mais comuns ou que eu acredito que possam trazer dificuldades com mais frequência. Afinal, ainda que diga-se o oposto, a maior parte da neolinguagem utilizada no dia-a-dia tenta ser acessível inclusive para programas que leem telas.

Letras e combinações pouco comuns na língua portuguesa

A pronúncia de y é igual à da letra I. A pronúncia de w é igual à da letra U.

Ou seja, ila e yla possuem a mesma pronúncia, assim como élu e élw.

Edição: É possível que existam pessoas que usem a vogal y com o mesmo som que esta letra tem na língua guarani (entre outras): um som entre i e u, que (até onde sei) pode ser feito "dizendo i com a boca no formato que se faz o som de u". Nunca vi alguém fazendo questão desta pronúncia, mas a possibilidade existe.

A pronúncia de ae (como artigo, final de palavra ou parte final de pronomes como elae) é ái. Acredito que isso possa ser diferente em regiões que não pronunciam e no final das palavras como i.

Ocasionalmente, alguém pode ter um final de palavra como s ou z, o que pode formar palavras como menins, escritorz, linds ou receosz. Em geral, as palavras são pronunciáveis: pense em como a maioria consegue pronunciar Halls, McDonald's ou youtubers sem grandes dificuldades. Caso a palavra já termine em som de s/z sem o final de palavra (como em receosz), você pode não pronunciar o final de palavra.

Quando o final de palavra não for pronunciado (indicado por x, ', * ou outra coisa assim), pode acontecer um estranhamento parecido, já que muitas palavras vão efetivamente terminar em consoantes incomuns. Novamente, você vai ter que "suprimir" a última sílaba, não deixando escapar nenhuma vogal após atrasad, amig, frac e afins.

Neoartigos

A não ser que tenham acentuação que diga o contrário, vejo os artigos contendo a com uma pronúncia como á, os artigos contendo e com uma pronúncia como ê e os artigos contendo o com uma pronúncia como ô.

Então ne teria a pronúncia , ze teria a pronúncia , la teria a pronúncia , oa teria a pronúncia ôa e assim por diante.

Neopronomes e sílabas tônicas

Neolinguagem, em geral, ainda segue as seguintes regras da língua portuguesa:

  • Toda palavra com mais de uma sílaba possui uma sílaba mais forte do que as outras, a sílaba tônica. Na palavra máscara, por exemplo, a sílaba é mais forte. Quando há acentuação (á, é, í, ó, ú, â, ê, ô), ela sempre acontece na sílaba tônica.
  • Palavras oxítonas, ou seja, aquelas onde a sílaba final for mais forte (como amor, troféu ou sofá), levam acentuação apenas caso terminem em a(s), e(s), o(s), em(ns) ou nos ditongos abertos éu(s), ói(s) e éi(s).
  • Palavras paroxítonas, ou seja, aquelas onde a penúltima sílaba for mais forte (como túnel, bola ou recado), levam acentuação apenas caso terminem em r, l, n, x, ps, ã(o)(s), um(ns), om(ns), us, i(s), ei(s), ea(s), oa(s), eo(s), ua(s), ia(s), ue(s), ie(s), uo(s) ou io(s).

Ou seja, eli sem acento deve ser uma palavra presumida como oxítona (e-LI), afinal, se fosse paroxítona, haveria um acento (éli se a letra e tiver som aberto, êli se a mesma letra tiver som fechado).

No entanto, existem alguns problemas em fazer a presunção de que é só prestar atenção nas normas gramaticais:

  1. Estas regras não dizem nada sobre paroxítonas que terminam em u, d, y, w, etc.;
  2. Estas regras podem ser ignoradas por pessoas que nem sabem que elas existem, ou que preferem ignorá-las na hora de escrever os elementos de seus conjuntos.

Sugiro tratar y(s) como i(s) e u e w(s) como us nos finais das palavras, além de tratar pronomes como elx, eld e eln como palavras de uma sílaba só. Mas isso é o que eu acho mais prático, e não há necessariamente nenhum consenso acerca desta questão.

Enfim, com isso dito, aqui estão as pronúncias que sugiro para alguns neopronomes "menos óbvios":

  • ael → "a-ÉU"
  • elae → "e-LÁI", visto que o som final lembra palavras como vai e cai;
  • eld → "éud" ou "ÉU-di";
  • elf → "éuf" ou "ÉU-fi";
  • eln → "éun", para a letra N final você pode pensar em sua pronúncia em palavras como próton;
  • elo → "É-lo", assim como o substantivo elo;
  • els → "éus", pense no final da palavra céus;
  • elu → "e-LÚ", mas muita gente usa "Ê-lu", o que não me parece ideal considerando que é pra ser uma proposta de "pronome neutro" sendo que está pendendo muito pra algo parecido com ele com esta pronúncia. Caso você queira usar "Ê-lu", sugiro simplesmente usar êlu.;
  • ely → "e-LI". Novamente, recomendo usar ély ou êly se você quer outra pronúncia;
  • elx → "éu", embora tenham algumes que prefiram "éucs";
  • elz → "éuz";
  • ila → "I-la";
  • ilae → "i-LÁI";
  • ile → "I-le";
  • ili → "i-LÍ";
  • ilo → "I-lo", pense no final da palavra aquilo;
  • ilu → "i-LU", mas ao menos esse aqui acho menos absurdo se quiserem pronunciar como "I-lu".

Palavras com mudanças sonoras dependentes dos finais de palavra a e o

Senhor e senhora, assim como receosa e receoso e outras palavras, mudam o som da letra O dependendo do final de palavra.

Sinceramente, não sei se existe uma regra gramatical que explique isso de forma que possa ser usada para cobrir outros finais de palavra. Ou se alguém se importa se pronunciarem receosae, senhory ou afins de forma que corresponda com o som da letra O usado para um final de palavra que a pessoa não usa.

Oltiel sugere o uso da letra U: assim, palavras desse tipo ficariam receúsy, senhure, curiúsi ou afins. Não é uma alternativa muito conhecida, mas acho que é uma boa opção.

Dicas finais para pessoas que querem ajudar quem tem conjuntos de linguagem fora dos padrões


Algumas destas dicas já estão presentes no texto, mas ainda assim pode fazer sentido reforçá-las.


  • Quando possível, e em relação a pessoas fora do armário, corrija pessoas usando a linguagem errada para quem você conhece. Isso tira um pouco do peso de pessoas que geralmente são maldenominadas e que precisam ficar corrigindo para não serem.
  • Ensine pessoas sobre artigo/pronome/final de palavra e apresente sua linguagem/fale sobre conjuntos de linguagem desta forma. Assim, pessoas cujos artigos, finais de palavra e/ou pronomes não são tão óbvios podem ter chances maiores de serem entendidas ao mencionarem seus conjuntos. Guias rápidos que podem ser referenciados podem ser encontrados aqui e aqui.
  • Caso você esteja segure para fazer isso, disponibilize seus conjuntos de linguagem pessoal em perfis, introduções, páginas, crachás, etc.
  • Não presuma conjuntos de linguagem pessoais alheios; use alguma forma de linguagem genérica/neutra universal para pessoas de conjuntos desconhecidos. Isso inclui pessoas com qualquer aparência. Não faça isso só para quem você acha "fora da norma" o suficiente.
  • Não pergunte sobre conjuntos de linguagem pessoais em situações que podem ter que fazer alguém ter que decidir entre ser maldenominade e sair do armário.
  • Se você estiver em uma conversa privada com alguém que você mal conhece e meio que precisa saber do conjunto de linguagem da pessoa, você pode reforçar que aquele conjunto é só para aquela conversa e que está tudo bem se a pessoa decidir por outro conjunto no futuro.
  • Respeite pessoas que não querem disponibilizar seus conjuntos de linguagem, mas também lembre-se de que há pessoas que só não disponibilizam sua linguagem pessoal porque “é para ser óbvia”. Esta noção deve ser combatida.
  • Não fique pedindo desculpas ou se justificando ao se deparar com um conjunto incomum ou ao errar o conjunto de alguém. Se você errar, corrija casualmente logo em seguida ou ignore e tome nota para acertar da próxima vez.
  • Se você estiver tentando muito e não conseguir usar nenhum conjunto pessoal disponibilizado pela pessoa, peça um conjunto auxiliar, faça exercícios para lidar melhor com o(s) conjunto(s) da pessoa ou use -/-/- ("sintaxe neutra"/nenhum elemento especificado).


Dicas finais para pessoas cujos conjuntos frequentemente não são respeitados


  • Quanto mais você indicar seu(s) conjunto(s) (por meio de perfis, buttons, camisetas, etc.), melhor.
  • Tenha alguma página (ou panfleto/cartão físico) de explicação, onde cada conjunto é demonstrado por meio de exemplos. Um guia para ajudar nisso pode ser encontrado aqui.
  • Mesmo seguindo as dicas anteriores, tenha em mente que a maioria das pessoas não se importa com sua linguagem pessoal, e acha que está certa ao presumir. Esperar que pessoas se deem conta de que podem estar erradas ou que as normas culturais mudem para que conjuntos neutros universais sejam usados para qualquer pessoa que ainda não disponibilizou sua linguagem provavelmente vai te frustrar a longo prazo.
  • Quanto mais tempo você esperar para introduzir sua linguagem pessoal e/ou corrigir pessoas em relação a ela, mais outras pessoas vão teimar não usar sua linguagem, podendo até recusar o uso porque "antes tava tudo bem falar assim".
  • Muitas pessoas só respeitarão sua linguagem ao serem pressionadas. Não tenha medo de corrigir pessoas próximas em todas as oportunidades possíveis, se não houver perigo.
  • Também não se sinta mal ao cercar pessoas que te maldenominam de pessoas que usam o conjunto certo (ou um dos conjuntos certos), e que não hesitam em corrigir cada erro.
  • Sua disforia relacionada com linguagem é válida (mesmo que você seja cis). Se você tiver que passar um tempo longe de quem te maldenomina, ou se você estiver desconfortável com maldenominação, isso não é frescura ou algo vergonhoso, ridículo ou incomum.
  • Você não é uma pessoa ruim, confusa ou chata por ter um conjunto incomum, ter vários conjuntos, mudar de conjuntos frequentemente, querer conjuntos diferentes em situações diferentes, etc.
  • Ao apresentar seus conjuntos, é preferível que você não dê muitas opções, e que tais opções sejam organizadas. Por exemplo, em um crachá, pode ser melhor você colocar um ou dois conjuntos ao invés de oito ou dez, e tente organizar vários elementos em mais de um conjunto. Por exemplo, coloque em seu perfil que você usa a/ela/a, -/ele/e, le/ile/e e u/elu/u ao invés de dizer que você usa a/u/le/ela/ele/elu/ile/e/a/u.
  • Tanto na fala oral quanto na escrita, outras pessoas não se corrigem se baseando no conjunto de linguagem que você está usando. Isso significa que eu acho relativamente seguro dizer que você é "ume alune" ao invés de "um aluno", por exemplo.
  • É verdade que elementos de conjuntos mais incomuns podem fazer com que seja mais difícil de alguém usar certo conjunto de linguagem, mas garanto que você não precisa se confinar a conjuntos como (ê, e)/elu/e ou -/ile/e só por serem mais espalhados/comuns. A maioria vai reagir com a mesma quantidade de confusão/raiva/etc. ao lidar com estes conjuntos em relação a conjuntos como y/ily/y, ze/elz/e ou i/ila/i. Recomendo usar o que ficar mais confortável para você!

Mais recursos relacionados com linguagem



Comunidades inclusivas de pessoas que usam neolinguagem



Links pessoais



Explicando a controvérsia ao redor das orientações gine e andro


Este texto explica os dois lados da discussão, e oferece uma lista de alternativas para quem não quiser mais se identificar assim.

Avisos de conteúdo


Cissexismo, descrições de genitálias e estereótipos de gênero. Principalmente quando são relacionades com atração.

Além disso, o objetivo deste texto é falar sobre as críticas contra as orientações gine e andro. Caso você não use definições problemáticas para estas identidades e já esteja ciente das críticas, você provavelmente não vai se sentir mal lendo o texto, mas há a possibilidade de invalidação.

Definições


Gine (às vezes gino) e andro podem não estar entre as orientações mais conhecidas, mas ainda são mais presentes do que a maioria, especialmente em comunidades não-binárias.

Eu já vi quatro significados principais para cada uma destas orientações, embora muitas definições usem mais de um destes significados de uma vez só:

Andro
Gine
Atração por homens (e talvez também por pessoas que consideram suas identidades próximas disso).
Atração por mulheres (e talvez também por pessoas que consideram suas identidades próximas disso).
Atração por pessoas (que se identificam como) masculinas.
Atração por pessoas (que se identificam como) femininas.
Atração por pessoas com características físicas e/ou de expressão de gênero consideradas masculinas pela sociedade.
Atração por pessoas com características físicas e/ou de expressão de gênero consideradas femininas pela sociedade.
Atração por pessoas com pênis.
Atração por pessoas com vagina.

Algumas das fontes onde estas definições podem ser encontradas: {x} {x} {x} {x} {x} {} {x} {x} {x} {x} {x} {x}

Porém, tem uma fonte que eu não sei se algum dia vou achar novamente.

Atrações por genitálias são problemáticas


Quando eu era adolescente, por acaso achei um site que falava sobre o que eram pessoas trans (binárias). Lembro que, ao final do texto, havia uma preocupação com como funcionariam as orientações de pessoas cis, já que pessoas trans existem.

O que sugeriram era que usassem androssexual caso a atração sexual fosse por pessoas com pênis e ginessexual caso a atração sexual fosse por pessoas com vagina, independentemente do gênero.

Caso alguém não saiba o que há de errado nisso:

  • Não há como ter certeza da genitália de alguém sem que a pessoa tire a roupa, e geralmente atração sexual é formada antes disso;
  • Só porque uma pessoa tem certa genitália, não significa que a pessoa vai querer ou poder usá-la de certa maneira, ou seja, genitália não tem a ver com prática sexual;
  • Várias genitálias saem do padrão do que é uma "vulva normal" ou um "pênis normal", e esta divisão geralmente ignora estas possibilidades;
  • Geralmente, quem está procurando por uma desculpa para dizer "pra mim só importa a genitália" é alguém que quer invalidar as identidades de gênero de pessoas não-cis.

Enfim, anos mais tarde, também soube de pessoas falando que gine/andro eram orientações que foram inventadas por e para pessoas não-binárias para falar de atração por pessoas binárias (sem genitálias envolvidas), e que só depois foram ressignificadas por FREPTs (feministas radicais exterminadoras de pessoas trans) para justificar sua fixação em genitálias.

Porém, o site que eu tinha visto era a favor de pessoas trans, não contra, e também parecia existir antes desta ressignificação.

(Eu queria poder passar fontes de onde li sobre a história da ressignificação, mas não achei nos blogs que frequento e buscas sobre isso só dão em um monte de gente tentando deslegitimar pessoas não-binárias em geral como transmísicas por conta de "apoiar identidades problemáticas".)

Forçar rótulos em cima de pessoas também é problemático


Independentemente do quanto a maioria rejeita a definição de gine/andro relacionada diretamente com genitálias, a rejeição da definição "atração por características externas femininas/masculinas" não é tão alta assim.

Noutro dia, alguém postou no servidor de Discord do Orientando uma lista que definia androssexual como "atração por homens ou por estereótipos ligados à masculinidade", e ginessexual como "atração por mulheres ou por estereótipos ligados à feminilidade".

As definições num vídeo de Bryanna Nasck que foi linkado ali em cima também são iguais, e Bryanna ainda elabora sobre como tais estereótipos seriam ligados ao tom da voz, à presença de maquiagem, ao tamanho do peito, à presença de barba, à presença de músculos.

A maioria destas coisas não podem ser facilmente controladas; ou seja, pessoas podem facilmente cair em tais estereótipos sem se identificarem de forma masculina/feminina ou próxima ao gênero binário alvo da atração da pessoa gine/andro.

Pense na seguinte situação: um homem trans tem peitos grandes demais para escondê-los totalmente com binder. Ele também não tem barba cheia suficiente para ele achar que vale a pena deixar crescer. A voz dele sempre foi fina, e a terapia hormonal não ajudou muito nisso, pelo menos por enquanto. Ele também não tem tempo ou vontade de crescer músculos. Ele não se vê como feminino, mas também não se esforça pra ser um estereótipo de machão. Seria justo que uma pessoa ginessexual quisesse um relacionamento com ele por preencher "estereótipos ligados à feminilidade"?

Este é um exemplo extremo, mas, de qualquer forma, ninguém merece ter sua identidade ou expressão de gênero julgada. Uma pessoa agênero que gosta de usar vestidos não tem que "aceitar que preenche estereótipos femininos". Uma mulher trans que recém se descobriu não tem que "aceitar que preenche estereótipos masculinos".

Você não consegue ter atração por uma pessoa porque a vê como masculina/feminina demais, ou porque não a vê como masculina/feminina o suficiente? Ou tem atração por pessoas porque as vê como masculinas/femininas, independentemente de como se identificam? Problema é seu, cale a boca e não use sua atração (ou a ausência dela) para invalidar pessoas. A mesma coisa vale para qualquer outra atração ou preferência problemática.

Masculinidade =/= ser homem, feminilidade =/= ser mulher


Eu não tenho problema com orientações definidas de formas similares a "atração por pessoas masculinas" ou "atração por pessoas femininas" por si só. Assim como não acho problemático alguém ter atração por homens ou por mulheres, ou ter mais ou menos atração por um destes gêneros.

Desde que, obviamente, identidades sejam respeitadas.

Mas eu sinceramente acho isso difícil de fazer quando você está igualando duas coisas diferentes que muita gente vê como parecidas.

A maioria das definições de gine/andro que incluem feminilidade/masculinidade colocam isso junto de atração por mulheres/por homens.

Tipo, atração por mulheres. Atração por mulheres deveria incluir mulheres independentemente de sua expressão de gênero. Talvez a pessoa não precise literalmente ter atração por todas as mulheres, e é possível que a pessoa tenha preferência por certos tipos de corpo e por certas expressões de gênero (sendo isso algo empurrado pela sociedade ou não), mas acho difícil alguém que diga ter atração por mulheres só ter atração por mulheres cuja expressão de gênero é feminina.

Aliás, se a atração "por mulheres e pessoas femininas" na verdade é "por mulheres femininas e outras pessoas femininas", isso não dá a entender que só mulheres femininas são mulheres, ou que a feminilidade só é natural em mulheres?

Alternativamente, você junta todos os tipos de mulheres com outras pessoas que se identificam como femininas. Pessoas não-binárias de diversas identidades de gênero, que podem ou não ser próximas a mulher ou a homem. Homens femininos.

Hmmm, será que faz sentido juntar esses dois tipos de atração diferentes, mas frequentemente colocadas como a mesma coisa, numa orientação só?

Também percebi que várias definições de orientações especificam "atração somente por homens e pessoas masculinas" ou "atração somente por mulheres e pessoas femininas". Nunca vi "atração somente por homens e pessoas femininas" ou "atração somente por pessoas não-binárias e pessoas masculinas".

Sendo que orientações definidas como "atração somente por pessoas que não são femininas" ou "atração somente por mulheres e pessoas não-binárias" existem; mas estas não misturam identidade de gênero com qualidades/elementos/expressões de gênero (como feminilidade e masculinidade).

Eu não descarto a possibilidade de alguém realmente ter atração somente por homens e pessoas masculinas, ou somente por mulheres e pessoas femininas, mas acredito que boa parte das pessoas na verdade só tem atração por um destes grupos (e talvez por pessoas que se identifiquem vagamente como um deles), e colocam o outro pra parecer algo, sei lá, mais formal ou inclusivo.

Também tem muita gente que acha que pessoas não-binárias que se identificam como mulheres de alguma forma precisam ser femininas ou precisam fazer parte do "espectro feminino de gênero", quando na verdade é possível ser parcialmente mulher ou ter gênero relacionado a mulher sem se identificar em nada com feminilidade. O mesmo vale para a relação entre homens e masculinidade.

Existe gente que se identifica como gine/andro e que não é problemática?


Sim.

Mesmo as definições de "atração somente por mulheres e por pessoas femininas" e "atração somente por homens e por pessoas masculinas" não são necessariamente problemáticas.

E atração só por homens/mulheres, atração só por homens/mulheres e por pessoas que se identificam de forma adjacente a ser homem/mulher de alguma forma, ou atração só por pessoas masculinas/femininas não são problemáticas, desde que a pessoa respeite as identidades alheias, assim como qualquer pessoa que seja gay, hétero, lésbica, proquu, proqua, viramórica, feminamórica, etc. deveria fazer.

Porém, com o tanto de definições problemáticas e estigmas, eu não culpo quem queira se afastar destes termos.

Alternativas


Vários termos já foram feitos como alternativas a gine/andro. Aqui estão alguns deles:

Orientações e termos juvélicos que denotam atração por gêneros binários (gerais ou apenas para pessoas NB)


Feminamórique/Femina-: Alguém não-binárie atraíde somente por mulheres.

Viramórique/Vir-: Alguém não-binárie atraíde somente por homens.

Home-/Ma-: Alguém atraíde somente por homens.

Mulhe-/Woma-: Alguém atraíde somente por mulheres.

Dórique: Alguém não-binárie atraíde por homens, exclusivamente ou não.

Trízique: Alguém não-binárie atraíde por mulheres, exclusivamente ou não.

Femárique/Femínique: Alguém LGBTQIAPN+ que sente atração por mulheres, exclusivamente ou não.

Mascíque/Mascúlique: Alguém LGBTQIAPN+ que sente atração por homens, exclusivamente ou não.

Orientações que denotam atração por um gênero binário + identidades não-binárias


Mártique: Alguém não-binárie que sente atração somente por homens e por pessoas solarianas (pessoas não-binárias cujo alinhamento de gênero é homem).

Venúsique: Alguém não-binárie que sente atração somente por mulheres e por pessoas lunarianas (pessoas não-binárias cujo alinhamento de gênero é mulher).

Netúnique: Alguém que sente atração por mulheres, pessoas sem gênero, e pessoas não-binárias que não são masculinas ou alinhadas com o gênero homem.

Urânique: Alguém que sente atração por homens, pessoas sem gênero, e pessoas não-binárias que não são femininas ou alinhadas com o gênero mulher.

Toren-: Alguém que sente atração somente por homens e por pessoas não-binárias.

Trixen-: Alguém que sente atração somente por mulheres e por pessoas não-binárias.

Toren e trixen são termos feitos para serem bem abrangentes. Alguém que sente atração por homens e por pessoas não-binárias que se identificam como homens de alguma forma pode se dizer toren. Alguém que tem atração por literalmente qualquer pessoa que não se identifique como mulher binária também pode ser toren.

Orientações que denotam atração por alinhamentos relevantes ou por masculinidade/feminilidade


Fin-/Fem-: Atração somente por pessoas femininas.

Min-/Masc-/Mascu-: Atração somente por pessoas masculinas.

Nofin-/Nãofem-: Atração somente por pessoas que não são femininas.

Nomin-/Nãomasc-: Atração somente por pessoas que não são masculinas.

Liv-: Alguém não-binárie alinhade com feminilidade que sente atração apenas por pessoas não-binárias alinhadas com masculinidade.

Luv-: Alguém não-binárie alinhade com masculinidade que sente atração apenas por pessoas não-binárias alinhadas com feminilidade.

Lunárique: Alguém que tem atração somente por pessoas lunarianas.

Solárique: Alguém que tem atração somente por pessoas solarianas.

Proqua-: Uma pessoa feminina atraída somente por outras pessoas femininas.

Proquu-: Uma pessoa masculina atraída somente por outras pessoas masculinas.

Termos terminados com - são prefixos (por exemplo, com proqua- você pode fazer proquassexual, proquarromântique, etc).

Mas e gay, lésbique e hétero?


Com certeza, estas são orientações mais conhecidas.

Porém, hétero é uma orientação inadequada para pessoas não-binárias. Se você quer usar, use, mas não acho que faz muito sentido, já que você ainda sofre sob a noção de que "um verdadeiro relacionamento é entre um homem e uma mulher", onde nem mesmo homens e mulheres NB são incluses.

Lésbique pode funcionar se você for mulher, alinhade com este gênero, ou de alguma outra forma se identificar com mulher e com mulheridade, e sentir atração apenas por pessoas não-binárias que se encaixam nesta descrição ou por mulheres. Mas muita gente não-binária atraída por mulheres não quer usar um rótulo majoritariamente usado por mulheres.

Gay também pode funcionar em certas circunstâncias; por exemplo, se você for ume homem NB, e disser que é gay, muita gente vai entender que você gosta de homens. Mas se você só disser que é agênero, fica difícil de saber se você tem atração só por pessoas no espectro agênero, só por pessoas não-binárias, ou se só está usando gay pra não dizer que é hétero.

Há outras situações de pessoas não-binárias que são lésbicas ou gays, mas também acho importante falar que existem alternativas sem uma conotação de "atração apenas por identidades de gênero iguais ou parecidas".

Também existem muitos outros termos deixados de lado nestas listas, porque a intenção aqui é só mostrar algumas das possibilidades existentes.

Mas eu, pessoa gine/andro, deveria mudar meu rótulo pra um desses, ou para outro no qual me encaixo?


A decisão é sua. Você quer brigar para ressignificar novamente essas orientações "queimadas" e provar que nem todo mundo que as usa é cissexista, ou prefere não correr o risco de olhares suspeitos ou de acusações injustas?

Eu sou o tipo de pessoa que não vê porque brigar por um rótulo quando há vários outros com reputações e/ou comunidades melhores, e que são tão precisos quanto. Mas não vou julgar quem não está fazendo nada de errado.

Alinhamento de gênero e como essa terminologia se tornou inadequada


Aviso de conteúdo: menção à violência queermísica, racista, misógina e capacitista; reducionismo de gênero; cissexismo; discussão de pessoas não-binárias se identificando com questões binárias; críticas às várias formas que pessoas usaram o termo alinhame

Uma postagem marcante na discussão sobre alinhamento de gênero definiu a ideia desta forma:

Por conta da forma que [identidades não-binárias] se cruzam com o binário de gênero, há vezes que é útil nos categorizarmos como pessoas com experiências comuns com homens ou com mulheres. Se existe uma sobreposição muito grande, como quando alguém é exclusivamente percebide como homem/mulher e então está sujeite a problemas sociais que afetam tais classes, pode haver valor em "nos alinharmos" com essas classes, para ter discussões significativas sobre como opressão funciona.

Há valor em poder dizer "sou negativamente afetade por esse conjunto específico de preconceitos de gênero, mesmo que eu não seja deste gênero".

Esse era o propósito inicial de termos como "alinhade com homem" e de "alinhade com mulher". Identificar sobreposições fortes em pressões externas e experiências, ou identificar sobreposições de identidade pessoal com as experiências de outro gênero.


Os exemplos dados foram de ume proxvir racializade poder ter uma narrativa similar a de um homem racializado quanto a racismo específico contra homens, e de ume ambonec com TEPT complexo viste como mulher poder ser sujeite a um monte de misoginia médica em relação à sua diagnose e ao seu tratamento da mesma forma que uma mulher cis seria.

Esta mesma postagem também fala de como esses termos foram cooptados para significar "basicamente binárie" ou até mesmo "basicamente cis", e sugere então termos novos para que pessoas não tenham que se associar com essas ideias.

Tais termos são lunariane ("alguém que tem similaridades em identidade ou experiência com mulheres"), solariane ("alguém que tem similaridades em identidade ou experiência com homens") e estelariane ("alguém que não possui alinhamento forte com o binário de gênero, ou que rejeita tal alinhamento").

Acho interessante que esta postagem fala de alinhamento quase que exclusivamente como uma questão de uma pessoa ser injustamente colocada na mesma categoria que um gênero binário e sofrer algum tipo de opressão por isso.

Não acho que todas as pessoas usavam alinhamento só por isso, também. Mesmo as pessoas que não usavam esse tipo de identidade por conta de opressão baseada em gênero ou para serem exorsexistas (apagando as identidades individuais de pessoas não-binárias para dizer "mas você na verdade é homem/mulher" sem dizer isso de forma explícita) às vezes queriam expressar conexão com algum gênero binário por conta de expressão de gênero, sentimento interno ou transição desejada, motivos pelos quais algumas pessoas também usam termos como homem/mulher não-binárie, transmasculine e transfeminine.

Eu não sei dizer se isso seria um problema para o propósito de descrever opressão por gênero. Eu diria que não. Em ambos os casos, alinhamento seria uma forma de uma pessoa não-binária dizer que tem algum tipo de experiência/sentimento/vivência em comum com alguém de algum gênero binário, caso queira sinalizar algo do tipo.

Mas, mesmo nos círculos com a melhor das intenções, isso deu errado.

Problema 1: Misturar alinhamento de gênero com definições/categorizações de identidades de gênero


Logo quando os termos estelariane, lunariane e solariane foram cunhados, pessoas já aparentemente não pegaram a ideia disso ser algo opcional e pessoal, e começaram a associar certas identidades com certos alinhamentos.

Postagens apareciam colocando zenina, juxera, demimulher, libramulher e mulher-fluxo como identidades lunarianas, por exemplo.

Algumas pessoas também começaram a cunhar termos e, ao invés de dizer que eram associados com tal gênero, diziam que eram alinhados com tal gênero.

Eu entendo que alguém que sente alguma similaridade com a identidade mulher pode se identificar como lunariane. Mas se o exemplo original de uma pessoa alinhada com o gênero mulher na postagem que cunhou lunariane é de ume ambonec, dizer que gêneros específicos são de alinhamentos específicos não pode acabar deixando pessoas que não possuem gêneros relacionados aos binários desconfortáveis demais para usar termos como lunariane ou solariane por conta da opressão que sofrem?

Isso também é presumir sobre as identidades/vivências das pessoas. E se alguém for demimulher, mas for uma pessoa transmasculina que só se identifica como parcialmente mulher por isso fazer parte do seu gênero e não vê isso como uma parte relevante da sua identidade a ponto de ser seu alinhamento? E se algume juxera achar mais relevante a confusão que as pessoas têm com seu gênero por conta de sua expressão genderfuck do que a proximidade do seu gênero com mulher?

Cunhar termos com base em alinhamentos não é um problema tão grande, porque se alguém se identificar com o resto do termo mas não se ver como alinhade com algo, é só não usar. Ainda assim, não vejo porque não seria melhor deixar o gênero só relacionado com algo, e então deixar pessoas decidirem seus próprios alinhamentos de gênero separadamente.

Pessoas também começaram a perguntar, em blogs de ajuda, por "gêneros alinhados com tal coisa". Sendo que, se alinhamento de gênero não é associado com gênero, qualquer identidade de gênero pode ter qualquer alinhamento. Ume ambonec pode ser lunariane, uma pessoa agênero pode ser solariana, ume zenina pode ser estelariane, etc. Eu entendo que provavelmente o que querem dizer é que querem saber mais sobre gêneros associados/parecidos com certo gênero, mas isso não ajuda pessoas cujas identidades de gênero não deixam seus alinhamentos "óbvios" a se sentirem seguras em compartilhar/ir atrás de comunidades para tal alinhamento.

Um exemplo de como isso é ruim: Ume maverique é viste como homem e participou de espaços para homens por um longo tempo, antes de se perceber não-binárie. Tal maverique não se sente confortável com pessoas presumindo que elu é homem, mas isso de qualquer forma acontece com frequência e afeta suas experiências de vida. Solariane poderia ser um rótulo confortável para elu, porém grande parte das coisas disponíveis para pessoas solarianas presume que a maioria delas é de algum gênero parecido com homem, ou que são parcialmente homens, ou que são homens parte do tempo. Alguém que está tentando se afastar da ideia de que "na verdade é homem" vai se sentir confortável adotando esse alinhamento de gênero?

Problema 2: Misturar alinhamento com gêneros binários com feminilidade/masculinidade


Como já falei em outro texto, feminilidade e masculinidade são termos usados de duas formas que, ainda que façam sentido com suas definições básicas, são bem distintas na prática:

  1. Ser uma pessoa feminina ou masculina significa se dizer ao menos "meio mulher" ou "meio homem", respectivamente;
  2. Ser uma pessoa feminina ou masculina significa aderir a arquétipos relacionados a estereótipos de gêneros binários.

O que acontece é que, muitas vezes, pessoas passaram a usar "alinhamento com feminilidade/masculinidade" ao invés de "alinhamento com mulher/homem". Talvez isso seja por acharem que, por exemplo, alinhamento com feminilidade seja uma forma mais abrangente de falar de alinhamentos relacionadas com ser mulher, ao invés de ser um alinhamento estrito com ser mulher.

Mas isso acaba alienando as pessoas que rejeitam a ideia de que feminilidade/masculinidade precisa ter a ver com estar perto de um gênero binário (1), e que são mais acostumadas com a ideia de que ser uma pessoa feminina/masculina tem só a ver com se identificar com certos arquétipos/estereótipos, independentemente do gênero (2).

Um exemplo: Imaginem ume femil - uma pessoa cujo gênero é mulher, mas com 0% de feminilidade e ao menos alguma identificação com masculinidade - que passou boa parte da vida se identificando como bofinho. Que sempre foi criticade por não ser feminine, e que enfrenta violência por ser viste como "mulher que se veste de homem". Essa pessoa tem um gênero relacionado com mulher, e passa por questões enfrentadas por mulheres binárias, então faz sentido dizer que possui um alinhamento de gênero com mulher. Mas será que alguém assim se identificaria com um alinhamento com feminilidade?

Esse exemplo pode ser fictício, mas a pessoa que cunhou femil e melle é melle e já falou que não consegue usar o sistema de alinhamento de gênero por conta das pessoas juntarem feminilidade com ser mulher e masculinidade com ser homem, ainda que seja uma pessoa que se vê como alguém que tem alinhamento com ser homem e com feminilidade, mas não com ser mulher ou com masculinidade.

Problema 3: A obrigação de alinhamento


Isso não é algo tão presente em círculos mais inclusivos, e nunca cheguei a ver isso na lusosfera, mas acho que é uma questão importante pra apontar, já que é relacionada com o assunto.

Para não ignorar a existência de pessoas não-binárias que se identificam com termos vistos como binários, e também não ignorar que pessoas que usam os termos vistos como binários não querem que tais termos sejam deturpados, é comum haverem definições como:

Lésbica: Uma mulher ou pessoa alinhada com o gênero mulher que sente atração somente por mulheres ou por pessoas alinhadas com o gênero mulher.


Eu não acho que essa definição é necessariamente problemática, porque pela maior parte ela está certa. E não acho que adicionar todas as exceções possíveis a definições é um processo muito útil, já que sempre vão haver mais delas.

Mas, tipo assim, já não tem um monte de casos lá em cima no texto sobre um monte de casos onde pessoas não são (completamente, sempre, etc.) mulheres e não se sentem/talvez não se sintam confortáveis se dizendo lunarianas/alinhadas com o gênero mulher?

Fora que, se é comum que pessoas relacionem pessoa alinhada com o gênero mulher com pessoa com identidade de gênero relacionada com ser mulher, isso não poderia causar problemas para lunarianes que são agênero, maveriques, ou de outras identidades que não possuem mulher no nome ou na definição?

Ou pior: Como pessoas vão se sentir confortáveis adotando ou mantendo essa identidade se, mesmo que sintam alguma conexão ou relação forte com ser mulher, não possuem identidade de gênero com mulher no nome ou na definição, e não se sentem confortáveis se dizendo lunarianes/alinhades com o gênero mulher por conta das questões listadas acima?

Os problemas que isso causa não são apenas teóricos: existem pessoas que se afastam de espaços para homens com atração por homens/mulheres com atração por mulheres por medo de invadir mesmo que se identifiquem com os termos usados, e existem pessoas tratadas como "invasoras" por não se identificarem com os termos de identidade e/ou alinhamento de gênero "certos" para que possam ser aceitas em tais espaços.

Existem sim termos como feminamórique e viramórique, mas muita gente gosta de ter um termo "que a maioria entende" como identidade, e as comunidades femínicas, mascúlicas, feminamóricas, viramóricas, dóricas e trízicas não são muitas nem grandes.

Problema 4: Falta de comunicação entre "desalinhades" e pessoas com alinhamentos não-tradicionais


Não é à toa que foquei muito mais em alinhamentos com homem e com mulher neste texto; são os alinhamentos mais discutidos e destacados.

Mas até mesmo estelariane foi um termo cunhado junto a lunariane e solariane. Se lunariane significa que a pessoa tem alinhamento com ser mulher, e solariane significa que a pessoa tem alinhamento com ser homem, estelariane aponta, pra mim, um alinhamento com não-binaridade.

Isso pode parecer desnecessário: pra quê ter um alinhamento com não-binaridade, se a pessoa já é não-binária?

Eu acredito que a intenção tenha sido de oferecer um termo que explicitamente diz "não, eu não me vejo como alguém próxime de um gênero binário, ou como alguém mais próxime de um gênero binário do que do outro". Que diz "não importa a minha identidade de gênero ou como as pessoas me veem, eu não me sinto confortável em dizer que tenho experiências em comum com um dos gêneros binários".

Que diz "não, eu não tenho um alinhamento binário". Então, é, um alinhamento com qualquer coisa que não seja binária.

Eu acredito que a ideia tenha sido que estes três termos fossem absolutos; ou você se identifica como alguém que tem algo em comum com algum gênero binário, ou não (seja por ter coisas em comum com ambos, seja por não não ter nada em comum com ambos, seja por rejeitar a ideia de ter algo em comum com um ou outro).

Mas, é, quando a comunidade gosta de termos e começa a usá-los, buracos começam a aparecer.

Surgiram alinhamentos que são combinações desses três termos; surgiram alinhamentos que são parcialmente cada um desses três termos; surgiu o termo singulariane para quem não tem alinhamento nenhum.

Muita gente também começou a ver estelariane como um alinhamento com neutralidade.

Mais tarde, também surgiu xênique, um termo para quem tem alinhamento com um ou mais xenogêneros. Também surgiram termos mais específicos para conceitos xenogênero específicos (como alinhamentos com luz, com animais, com cristais, etc).

Mas, o que importa aqui, é que parte da comunidade ignorou todo esse desenvolvimento, e agiu como se só houvessem pessoas alinhadas com mulheres, com homens, ou sem alinhamento.

Eu não acho que há algo de errado em falar que existem pessoas sem alinhamento de gênero. Porém, em muitos textos, era como se não ter alinhamento de gênero fosse sinônimo com não ter um alinhamento de gênero puramente binário. Por exemplo, a falta de espaços para pessoas que não são mulheres ou homens ou alinhadas com esses gêneros não é uma questão que só é relevante para quem não tem alinhamento, quando pessoas estelarianas, xênicas ou eclipsianas (que são lunarianas e solarianas) também enfrentam problemas com essas divisões.

Quando alguns termos e espaços surgiram para pessoas sem alinhamento de gênero, algumas pessoas tiveram que perguntar se a ideia era para pessoas sem alinhamento ou sem alinhamento binário, especialmente quando eram coisas acompanhadas por alternativas que eram apenas para pessoas com alinhamentos binários.

Mas e então, o que fazer?


Eu sinceramente não sei se há como "consertar" todas as impressões erradas sobre os sistemas de alinhamento de gênero. Ao menos não tão cedo e se cada pessoa continuar usando esses termos de forma diferente.

Não acho que é um problema que alinhamentos de gênero ainda existam. Mas pessoas precisam certamente parar de fazer presunções baseadas em conhecimentos limitados (como gêneros relacionados com mulher = gêneros femininos = "gêneros lunarianos" ou pessoas que não são alinhadas com homem ou com mulher = pessoas sem alinhamento), se querem parar de machucar ou afastar pessoas de termos que acham úteis.

Acho que estelariane e xênique me contemplam bastante, mas não são termos que faço questão de usar.

O sistema alibinário foi feito para poder ter termos que falam de questões diferentes sem elas serem divididas por que tipo de identidade de gênero a pessoa tem, mas ele não fala sobre questões de gênero enfrentadas especificamente por homens e pessoas solarianas ou por mulheres e pessoas lunarianas, ou qualquer equivalente disso.

A ideia de elementos de gênero foi cunhada para que pessoas possam expressar alguma relação com tais elementos independentemente de gênero, mas eles não possuem nenhum propósito político (de falar de questões específicas enfrentadas por certos grupos).

Também existem os termos proxmenina e proxmenino (e, sim, como qualquer outra identidade com esse tipo de nome, dá pra usar proxmulher, proxguri e afins). Eles podem servir como alinhamento, mas eu não sei o quanto os termos seriam confundidos com identidades de gênero, e/ou o quanto teriam o problema 1 descrito lá em cima.

Eu não sei se chamaria esses conceitos de alternativas, porque eles podem existir independentes de alinhamento de gênero. Mas se alguém quer apenas complementar sua identidade com outras coisas que a descrevem, esses sistemas podem ser usados. De qualquer forma, eu não acho que pessoas que usem o conceito de alinhamento de gênero precisem parar.

Também acho que a concepção do conceito foi importante para que pessoas pudessem se dar conta de como não é só porque uma pessoa é não-binária, ou mesmo porque tem um gênero completamente alheio a homem/mulher, que uma pessoa não pode "se alinhar" por ver que tem experiências em comum com pessoas binárias. E a cunhagem de alinhamentos parciais, mistos ou com identidades não-binárias também indica que pessoas podem sentir esse tipo de conexão com identidades fora do binário também.

O que mais quero que aconteça é que pessoas confiem mais nas experiências alheias sem precisar de rótulos. Alguém que é não-binárie e que quer usar um rótulo como aquileane deveria poder fazer isso sem ter que explicitar que é homem não-binárie, solariane, proxmenino, transmasculine ou qualquer outra coisa assim. Também seria legal confiar que, por exemplo, alguém bigênero homem/mulher não está invadindo ou traindo qualquer comunidade caso queira participar tanto de espaços de mulheres quanto de espaços de homens. Deixem que cada pessoa se descubra ou se identifique com o que achar melhor, ainda que "não faça sentido" para pessoas binárias.


Feminilidade e masculinidade dentro de terminologia não-binária


Eu queria começar esta postagem com os significados de dicionário de feminilidade e de masculinidade. Enquanto consegui achar para a primeira palavra algumas definições que eram justamente o que eu procurava (variações de "coisas relacionadas com ser mulher"), eu só consegui achar definições mais indiretas em relação à masculinidade (o que significa que eu teria que puxar mais verbetes para também explicar o que queriam dizer com virilidade ou com masculino para chegar em uma definição paralela à de feminilidade). Enfim.

O que está em questão aqui é que estes termos podem ser vistos de duas formas:

  1. Ser uma pessoa feminina ou masculina significa se dizer ao menos "meio mulher" ou "meio homem", respectivamente;
  2. Ser uma pessoa feminina ou masculina significa aderir a arquétipos relacionados a estereótipos de gêneros binários.

Alguns exemplos práticos:

  • Se apenas a forma 1 for estritamente seguida, pessoas que são mulheres NB, demimeninas ou de qualquer gênero relacionado a ser mulher são fundamentalmente pessoas femininas. Isso não significa que devem seguir qualquer estereótipo ou assumir qualquer papel de gênero; segundo a forma 1, feminilidade só significa ter alguma relação com ser mulher.
  • Se apenas a forma 2 for estritamente seguida, feminilidade e masculinidade são conceitos completamente separados de gêneros binários por si só. Alguém que é 100% homem pode se considerar uma pessoa feminina caso se identifique com uma série de arquétipos. Um gênero pode ser relacionado com feminilidade e ser completamente não relacionado com o gênero mulher. Estas coisas não são possíveis se apenas o modelo 1 for estritamente seguido.

Neste texto, eu pretendo falar sobre como estas duas formas de ver feminilidade e masculinidade afetaram e afetam a comunidade não-binária e qualquer pessoa que seja inclusiva dela.


Butch e femme


Butch é um termo utilizado para descrever masculinidade em pessoas NHINCQ+. Femme é um termo utilizado para descrever feminilidade em pessoas NHINCQ+.

Um artigo com fotos e experiências sobre ser femme pode ser encontrado aqui. Um artigo com a diferença entre estilo tomboy e estilo butch, que também tem fotos de estilos butch, pode ser encontrado aqui.

Ultimamente, houveram esforços para apagar que estes termos foram e são usados para pessoas não-binárias, multi ou quaisquer outras que não sejam lésbicas. Então aqui tem algumas fontes sobre a origem e utilização abrangente de tais termos: [1] [2] [3] [4] [5] [6]

Como dá pra ver, estes termos foram usados muito antes de pessoas terem palavras para descrever que não são mulheres nem homens.

E talvez nem precisassem; afinal, era ainda mais comum do que agora a visão de que se você fosse aquileane, sáfique, a-espectral, multi, intersexo ou trans, você não era realmente uma pessoa binária, e sim alguém de um gênero binário com características do outro gênero binário (por conta de duaricismo, era presumido que gostar de homens era característica fundamental de ser mulher, e que gostar de mulheres era característica fundamental de ser homem).

Enfim, enquanto certamente existem pessoas heterodissidentes, trans e intersexo que são binárias, é interessante notar que muitas pessoas já descreviam ser femme ou butch de formas que dava a entender que isso eram identidades muito mais voltadas à autopercepção do que a não serem hétero, e que eram identidades muito mais relevantes socialmente do que serem homens ou mulheres.

Muito disso pode ter a ver com como a desobediência de normas de gênero pode pesar bastante na experiência de alguém. Ou com como houve em vários lugares uma cultura de casais sempre serem entre uma pessoa femme e uma pessoa butch do mesmo gênero.

Porém, ao menos algumas pessoas adotaram butch ou femme como identidades de gênero por si só, especialmente quando a ideia de ser trans e genderqueer começou a ser mais espalhada.

Como estas identidades são mais populares ou abrangentes do que outras mais recentes, é relativamente comum ver pessoas dizendo coisas como "este espaço é para mulheres e femmes", dando a entender que femme é uma identidade adjacente a ser mulher. Mas não é à toa que esta atitude é criticada: existem muites butches que estão mais perto de serem mulheres do que de serem homens, e muites femmes que estão mais perto de serem homens do que de serem mulheres.

Esta é a dualidade que apareceu lá no início: algumas pessoas acham que feminilidade tem a ver com ser mulher, e outras veem feminilidade como uma característica que pessoas podem ter não importa a identidade de gênero.

Butch e femme aparecem em algumas listas de identidades não-binárias; especialmente as mais antigas. Espectometria Não-Binária definia a identidade de gênero butch como hipermasculina e relacionada com a masculinidade tradicional, e a identidade de gênero femme como hiperfeminina e relacionada com a feminilidade tradicional.

Eu diria que a feminilidade e a masculinidade dos termos femme e butch está mais para a visão 2 (relação com arquétipos) do que para a visão 1 (relação com gêneros binários). Mas eu não acho que isso tenha apagado totalmente a visão 1, por conta de identidades que vêm depois...

Pessoa não-binária feminina/feminina de centro/masculina/masculina de centro


O termo não-binárie começou a se popularizar por 2010, substituindo genderqueer quase totalmente uns anos mais tarde.

É meio difícil pesquisar por informações de quantas ou de por quais motivos pessoas se identificavam como pessoas não-binárias femininas ou masculinas. O que posso dizer é que isso era bem comum na primeira metade da década, e que ficou cada vez menos popular, à medida que termos como homem não-binárie, demigênero, juxera e transmasculine foram surgindo e se popularizando.

Em geral, suponho que a maioria das pessoas se identificando como não-binárias e femininas/masculinas estivessem principalmente se referindo à sua expressão de gênero, ao menos naquele momento. Algumas postagens antigas da época também parecem apontar nesta direção: [1] [2] [3] [4]

Mas mesmo em algumas destas postagens, e em postagens como esta, há sinais de ambiguidade em relação a masculinidade se referir a um gênero relacionado a homem, a uma expressão de gênero ou a um gênero relacionado a esta expressão de gênero (e a mesma coisa substituindo masculinidade por feminilidade e homem por mulher).

Especialmente em conteúdo desta época, também existem menções a espectros de gênero femininos e masculinos, e a identidades como masculine de centro e feminine de centro. Estas identidades parecem ter mais a ver com proximidade a gêneros binários, quando utilizadas para falar de gênero, mas isso é difícil de provar quando conteúdo sobre isso é tão difícil de achar.

Masculine de centro e feminine de centro especificamente aparentam ser identidades mais relacionadas com expressão de gênero, ao menos num contexto mais geral.

Transfeminine e transmasculine


A postagem mais antiga que consigo achar sobre o assunto não é a cunhagem original, mas deve se aproximar de sua definição. Link aqui.

Isso mostra que desde o início, transfeminine cobre mulheres trans, pessoas não-binárias que se identificam com alguma forma de feminilidade e pessoas cuja identidade de gênero é relacionada a ser mulher mesmo que não seja 100% mulher, desde que tais pessoas tenham sido atribuídas o gênero homem ao nascer.

E que transmasculine cobre homens trans, pessoas não-binárias que se identificam com alguma forma de masculinidade e pessoas cuja identidade de gênero é relacionada a ser homem mesmo que não seja 100% homem, desde que tais pessoas tenham sido atribuídas o gênero mulher ao nascer.

Isso é de uma postagem de 2011.

Por algum motivo, outras definições destes termos foram aparecendo com o termo. Algumas pessoas começaram a achar que, por conter feminine/masculine no nome, os termos não se aplicariam a pessoas cuja expressão de gênero não é feminina/masculina. Outras começaram a dizer que são termos apenas para pessoas não-binárias (algo que ainda vejo por um monte de lugares). Outras falam que são termos que servem puramente para descrever a transição física, e não gêneros por si só.

A maioria das postagens problematizando estes termos ou a utilização destes termos como guarda-chuva se baseia nestas definições parciais do que é ser transfeminine ou transmasculine.

Enfim, estes termos, ao menos na postagem de 2011, parecem unir as visões 1 e 2 do que é feminilidade e masculinidade: tanto noneras (pessoas de gênero feminino nada a ver com mulher) quanto femiles (pessoas de gênero mulher nada a ver com feminilidade, e que possuem ao menos algo de masculinidade no gênero) poderiam ser transfeminines, caso não tenham sido designades como mulheres ao nascimento. E tanto mulheres trans butch quanto femme entrariam na definição também. Tudo isso independentemente de transição.

Eu entendo que algumas das pessoas que se encaixam nas definições possam não querer compartilhar estes termos com outras pessoas de experiências totalmente diferentes e até às vezes contrárias às suas, mas os termos em si se encaixam nas duas interpretações de feminilidade/masculinidade.

Homens e mulheres não-bináries


Em geral, estes termos são utilizados por pessoas que se identificam com alguma coisa dos gêneros binários e com não-binaridade.

Por exemplo, este homem não-binário se vê como um homem cujo gênero não é expressado dentro do binário. Esta mulher não-binária relata que mulher é uma boa aproximação de como se sente, e que prefere ser vista como mulher do que como homem, mas rejeita estereótipos do que é ser mulher e de que seu gênero precisa ser binário.

Também vi relatos falando sobre como essas pessoas "sempre vão ser vistas como um gênero binário, então decidem dizer que são do gênero binário que as pessoas presumem/deveriam presumir além de serem não-binárias". Isto pode acontecer em alguns casos, mas com certeza existem outras experiências válidas de ser homem/mulher não-binárie.

Esses termos estão ganhando cada vez mais popularidade nesta década (assim como transmasculine e transfeminine), e, assim, acredito que sejam identidades que pessoas não-binárias que se identificariam como "alguém no espectro de gênero feminino/masculino" (visão 1) estejam adotando com mais frequência.

Eu tenho certeza que já vi casos de pessoas se identificando com feminilidade/masculinidade no sentido de arquétipos e não necessariamente com serem mulheres/homens/próximas disso se identificando como mulheres ou homens não-bináries. Porém, não consigo achar exemplos agora.

Juxera e proxvir


Juxera é um gênero adjacente, mas separado, de mulher. Proxvir é um gênero adjacente, mas separado, de homem. Estes termos foram cunhados por um proxvir que não se sentia confortável em usar demimenino, porque este termo significa que alguém é menino (ainda que parcialmente) e é parcialmente alguma outra coisa.

Pode-se dizer que juxera e proxvir são rótulos mais específicos que poderiam entrar no guarda-chuva de mulher e homem não-binárie, respectivamente.

Existem vários outros termos que significam ter um gênero similar a outro, mas resolvi falar destes aqui porque são... especiais, de certa forma.

Como as duas definições são basicamente as mesmas, eu vou apenas traduzir as definições de proxvir. Aqui está a original:

um gênero relativo a homem, mas que é algo separado e completo por si só. não está fora do espectro de gênero.


E aqui está a definição disponível na gender Wiki:

Proxvir é um gênero masculino similar a menino, mas num plano separado por si só.


Esta definição (e a versão dela aplicada para juxera) aparece em vários lugares. Aqui, masculino provavelmente tem relação com a visão 1 (algo masculino = algo relacionado com homem), mas para pessoas que estão mais acostumadas com a visão 2, esta definição pode parecer errônea ou até ofensiva.

Conclusão


Ambas as definições apresentadas na introdução existem. Porém, quando mais termos começaram a ser cunhados, cada vez mais foi possível que cada pessoa escolhesse o que queria dizer ao se identificar como feminina ou como masculina.

Vários termos não citados foram cunhados com essa ambiguidade, ou a ganharam com o tempo (porque pessoas passaram a resumir parte de suas definições usando feminine ou masculine). Mas cada vez mais aumenta a noção de que feminilidade e masculinidade são termos que não inferem relação com gêneros binários, o que aumenta tensões contra pessoas que querem incluir homens em masculinidade e mulheres em feminilidade.

O que dá pra fazer pra evitar confusão?


Pessoalmente, eu acho que a melhor opção é considerar a visão 2 (feminilidade e masculinidade = coisas relacionadas a arquétipos estereotípicos de mulheres e homens que podem ser aplicadas a pessoas de qualquer gênero) como regra.

Isso porque ela é mais inclusiva de pessoas cujas identidades são femininas/masculinas sem terem a ver com ser mulher/homem, e porque é mais fácil substituir masculine/feminine por relacionade a homens/mulheres do que substituir por relacionade a arquétipos e estereótipos relacionados com ser homem/mulher.

Isso, e pessoas que se identificam como femininas de uma forma que não tem a ver com ser mulher ou como masculinas de uma forma que não tem a ver com ser homem existem há décadas; talvez séculos ou milênios. Não faz sentido tentar anular isso, até porque não é como se essa definição proibísse pessoas de associarem sua feminilidade com ser mulher ou sua masculinidade com ser homem.

Porém, isso não significa que podemos ignorar que estas duas definições existem.

Isso significa não reclamar de pessoas gênero-fae que dizem que de vez em quando são homens não-masculines (afinal suas identidades só excluem masculinidade), e nem de pessoas gênero-fae que dizem que não podem ser homens ou de gêneros relacionados e que este é o ponto de sua identidade.

Isso significa aceitar que existem mulheres não-bináries que se encaixam mais na definição de femigênero do que na de mulher, e que existem melles e femmes que são transmasculines.

Isso significa saber que quando alguém cunha uma identidade masculina ou feminina, isso pode ser interpretado de mais de uma forma. (Mas se você estiver cunhando a identidade, pode ser bom tentar deixar explícito o que você quer dizer com tal identidade ser feminina/masculina.)

Ou seja, pode ser importante também levar em conta o que a definição original queria incluir, ou que tipo de pessoas se incluem em cada rótulo atualmente.

Quero também reforçar que feminilidade e masculinidade estão sendo discutidas aqui como identidade pessoal, e não forçada em alguém. Mesmo que sejam conceitos abrangentes e que podem ser definidos por cada pessoa, não é legal dividir tudo em feminino e masculino.

Não sei o quanto este texto realmente vai atingir seu propósito, mas espero que ao menos ajude algumas pessoas a navegar estes significados.


Atração arromântica


E se eu te contasse que sinto atração arromântica pelas pessoas?

Em primeiro lugar, eu tenho que avisar que talvez quem leia esse texto saia sem entender nada. Descrever experiências com atração pode ser complexo, e convenhamos, eu não sou exatamente a melhor pessoa pra explicar os próprios sentimentos.

Mas é isso que o título do texto está dizendo. Eu me sinto atraída arromanticamente pelas pessoas.

1 Tentando explicar


Eu sempre lutei pra entender se eu sinto atração romântica ou não. Já me identifiquei como alorromântica, como arromântica ou como alguém do espectro aro que sente atração romântica em algum grau ou intensidade (ex: demi, gris, arofluxo e etc). Uma maré de confusões. Mas ultimamente, cada vez mais eu ando notando que eu não sinto atração romântica por ninguém, por mais que exista períodos de tempo onde minha mente insiste que eu sinta (o que acontece mais vezes do que eu gostaria). É isto, eu sou arromântico. Minha arromanticidade está aqui e ela é tão palpável quanto o chão sob os meus pés.

1.2 A atração emocional oculta que eu não conseguia desvendar


Existe uma atração que sinto, que eu nunca consegui classificar direito. Antes achava que era atração romântica, mas depois cheguei a interpretá-la como atração queerplatônica ou alternativa. Quer dizer, eu acho que talvez ela ainda possa ser considerada como alternativa, mas sei lá.

Depois de pensar bastante sobre o que diabos essa atração é, o único consenso que eu alcancei foi de que: Eu só posso categorizar ela como arromântica.

— Como caracterizar essa atração? Aqui alguns pontos:

• Ela é totalmente separada de aspectos relacionados à atração romântica. Se a atração romântica está de um lado, ela está de outro. É como se fossem opostas.

• É o gênero-nulo das atrações. Ela é caracterizada por dar tangibilidade à intangibilidade dela. Ao invés de eu sentir uma ausência no lugar de atração romântica, eu sinto algo concreto que só pode ser descrito como minha própria arromanticidade.

• Ela é caracterizada pelo desejo de estar com alguém arromanticamente. Sem conotações românticas. É priorizar a arromanticidade nos relacionamentos, ao ponto deles estarem intrinsecamente ligados um ao outro.

• Ela é complexa como o gato de Schrodinger, mas não é a mesma coisa que ser schrodiromântique.

E é isto. Eu não sei se faz sentido, mas quando eu paro pra analisar essa atração, a única coisa que eu consigo associar a ela é minha arromanticidade. Não há como descrevê-la de outra forma.

Agora eu finalmente entendo o porquê de eu me sentir desconfortável em me identificar como [insira uma orientação aqui] –queerplatônique, –alternative e etc. Porque essa atração que eu sinto não é nenhuma delas.

Quando eu falar que sou [insira uma orientação aqui] –arromântica daqui pra frente, é porque estou rotulando minha orientação a partir desse conceito.

(Edit: 21/12) 1.3 Adentrando mais no assunto


  1. Qual a diferença dessa atração pra atração queerplatônica? Por que não só nomear ela como queerplatônica?

Novamente, eu não me sinto confortável em considerá-la queerplatônica ou como qualquer outra atração emocional não-romântica. Porque pra mim não faz sentido. Eu pessoalmente vejo atrações como estando em planos diferentes. Rotular ela como queerplatônica seria considerá-la em outro plano, e pra mim, essa atração pertence ao mesmo plano da minha falta de atração romântica. Como eu disse anteriormente: Eu só consigo descrevê-la como arromântica.

Em segundo lugar, eu me sinto desconfortável com o termo "queerplatônique" por causa da associação com platonicidade. Claro, há pessoas aplatônicas que usam o termo e o não o associam com atração platônica. Mas ainda assim, é algo que me incomoda.

  1. Mas descrever falta de atração como uma atração não é contraditório?

É. Eu criei esse termo pra ser paradoxal mesmo, porque minha própria atração é um paradoxo pra mim. E também porque eu não consigo desatrelar minha conexão emocional com as pessoas da minha arromanticidade. É simplesmente impossível.

  1. Não é um termo muito confuso?

Eu admito que não é um conceito perfeito. Talvez eu não tenha formulado direito. Talvez eu esteja me baseando demais nas minhas experiências, mas o importante é que isso é o que faz mais sentido pra mim no momento. E eu acredito que também pode ser muito útil pra pessoas com experiências iguais as minhas.

Considerações finais


Considere isso como um post de cunhagem. Talvez eu não seja a primeira pessoa a propor isso, mas pelo menos fica aí o meu registro sobre minhas experiências.

Espero que eu tenha feito algum sentido.

Muito obrigado pela sua atenção!

Eu sou lésbica e sinto atração por homens


Mamãe Safo não aprova clickbaits.

Explicações prévias:

Significado de multi.

— No texto, eu usarei "ê(s) lésbique(s)" e "a(s) pessoa(s) lésbica(s)" ao invés de me referir a todo mundo que se identifica com a identidade com a/ela/a. Sobre o modelo a/p/f.

— Usarei o sufixo "-misia" ao invés de "-fobia" para descrever descriminações. O sufixo "-misia" se refere a ódio. Então vai ficar assim: lesbofobia = lesbomisia; lesbofóbique = lesbomísique. O motivo para essa troca se deve ao fato de que descrever descriminações como fobias é capacitista. Mais sobre o assunto.


É isso que o título diz. Antes de um "mas–" ou um "como–" ou até mesmo olhos flamejando de raiva, respirem fundo por alguns minutos e continuem lendo. Aí depois vocês podem tomar as suas conclusões.

Isso é uma tentativa de produzir um texto relativamente informativo sobre experiências de pessoas lésbicas que sentem atração por múltiplos gêneros (lésbiques multi), e não apenas daquelas que sentem atração por homens, como o título indica. Ao final, irei falar sobre minhas próprias experiências. Ou bem, tentarei entendê-las durante a minha escrita, para poder traduzi-las para vocês.

Vamos lá.

Definindo a experiência lésbica multi


Uma pessoa que se identifica como lésbica multi se identifica com ambos os rótulos "lésbique" e "multi". Ume lésbique multi pode ter escolhido se identificar assim por vários motivos.

Alguns deles são:

• Por possuir uma experiência variorientada. Ex: Fulane sente atração sexual por vários gêneros, e se identifica como polissexual. Mas apenas sente atração romântica por mulheres, então rotula sua orientação romântica como lésbica. A pessoa se sente confortável em se identificar como lésbica multi.

• Por possuir uma orientação flexível. Ex: Alguém que na maior parte do tempo sente atração por mulheres, mas que as vezes sente atração por outros gêneros.

• Por possuir uma orientação fluida. Ex: Alguém abro que flui para a orientação lésbica na maior parte do tempo e que se sente mais confortável em reinvindicá-la como sua identidade principal.

• Alguém lésbique que sente atração por mulheres e pessoas não-binárias que possuem uma conexão com mulheridade. Ou alguém lésbique que sente atração por mulheres e por pessoas não-binárias em geral.

° Eu sei que a definição da identidade lésbica é atualmente flexibilizada para incluir atração por pessoas não-binárias também. Mas isso não deixa de ser uma experiência multi. Há pessoas que por exemplo reinvindicam "lésbique multi" por quererem dar uma maior ênfase em sua atração por pessoas não-binárias. Experiências não-binárias não são adjacentes ao gênero mulher.

• Por ser uma pessoa multi cuja atração por mulheres (ou por mulheres e pessoas não-binárias com uma conexão com mulheridade/outras definições) é maior.

• Por considerar o uso histórico da identidade lésbica. Antigamente, ela era usada por qualquer mulher que sentisse atração por mulheres. Mas após o separatismo lésbico, mulheres multi foram forçadas a abandonarem a sua identificação anterior e construir suas próprias comunidades. Há pessoas que reivindicam ambas as identificações se baseando nesse contexto histórico.

E etc.

Perguntas e respostas


1. Mas se identificar como lésbique multi não é lesbomísico? Não é implicar que tode lésbique sente atração por múltiplos gêneros?

A resposta curta para as duas perguntas é: Não.

A resposta longa é: Pessoas lésbicas multi não querem obrigar todo mundo a se identificarem com suas experiências. E um rótulo pode ter múltiplos significados, sem ignorar ou apagar as experiências de ninguém. Reconhecer lésbica como uma identidade guarda-chuva não é a mesma coisa que dizer que tode lésbique tem que se atrair por múltiplos gêneros. Ou bem, reformulando, já que isso interessa a maioria das pessoas que vem perguntar com má intenção: Se reconhecer como lésbique multi não é a mesma coisa que dizer que toda pessoa lésbica tem que se atrair por homens.

° Também não quer dizer que toda pessoa multi com x experiência é praticamente lésbica. Se identificar com um rótulo é algo extremamente pessoal e não deveria ser forçado sobre ninguém.

2. Mas isso não abre espaço para homens cis acharem que isso é uma bandeira verde para darem em cima de toda pessoa lésbica que veem pela frente?

Acontece que homens cis não precisam de bandeira verde para serem lesbomísicos. Lésbiques multi existindo ou não, eles vão continuar assediando pessoas lésbicas. Nós vivemos em um mundo misógino e heterossexista. Nós vivemos em um mundo dominados por eles. Eles já tem carta branca pra nos machucar.

Que tal não culpar pessoas multi por esse fato?

3. Por que essas pessoas não se identificam de outra forma? É realmente necessário reinvindicarem a identidade lésbica?

As pessoas deveriam ser livres pra se identificarem como quiserem. Se elas acham que se identificarem como lésbicas faz sentido para suas experiências, qual é o mal nisso?

Novamente, isso não quer dizer que toda pessoa lésbica sente atração por múltiplos gêneros. Sério, não há nenhuma generalização quando se trata de identificações pessoais. A forma como nós nos identificamos apenas interessa a nós mesmes.

4. "Lésbique multi" não é algo que provém do lesbianismo político? O termo não é usado por radfems?

Na verdade, isso é uma concepção completamente errônea. Até porque eu duvido que qualquer pessoa "adepta" do lesbianismo político tenha qualquer intenção de reivindicar uma identidade multi ou até mesmo dar qualquer impressão de que esteja confortável em se relacionar romanticamente/sexualmente com homens. Embora haja a possibilidade de ume lésbique multi se identificar assim porque, apesar de ser uma pessoa multi que sente atração por homens, prefere se relacionar exclusivamente com mulheres (ou com mulheres e pessoas não-binárias com uma conexão com a mulheridade/outras definições), ainda não é algo que se trata de recusar a atração por homens devido a uma política relacionada ao feminismo radical.

E sobre a segunda pergunta....radfems odeiam a gente tanto quanto exclusionistas odeiam. Eu realmente queria checar esse mundo onde experiências de pessoas multi são respeitadas/levadas em consideração por feministas radicais. Aonde fica esse universo?

° Lembrete de que se identificar como "lésbique multi" é considerar ambas as identidades relevantes no processo de identificação. Se fosse o contrário, essas pessoas se identificariam apenas como lésbicas ou como multi.

5. E ês lésbiques monossexuais ou ês que não sentem atração atração por homens?

Ainda continuam sendo lésbiques. Sério, a gente pode coexistir. Ao invés de brigarmos entre nós, deveríamos redirecionar toda a nossa raiva para quem realmente merece (as pessoas que estão constantemente procurando uma forma de acabar com a nossa existência). Eu entendo o desconforto com as pessoas implicando que vocês sentem uma atração que, por toda a sua vida, a sociedade tentou impor em cima de vocês. Eu entendo a raiva, a frustração, o desconforto....eu entendo tudo. Eu passei pela mesma coisa também. Eu fui a pessoa designada mulher ao nascimento que sempre, quando falava que nunca iria se casar com um homem, era respondida com escárnio, com desprezo, com descrença. Como se toda a nossa existência fosse ligada a sentir atração por homens (e ai de quem transgredir isso). Mas é sério, nós não queremos obrigar vocês a se identificarem com as nossas experiências. Nós apenas estamos nos identificando com o que faz mais sentido para nós.

Minhas experiências


O primeiro rótulo queer com o qual me identifiquei foi "lésbique". Eu descobri o que ser uma pessoa lésbica significava em um episódio do Casos de Família (sem comentários). Meus olhos brilharam. Toda a minha inadequação de repente fez sentido, e mais tarde, eu logo iria descobrir uma comunidade para chamar de "minha".

Eh, depois de crescer e depois dos milhares questionamentos de identidade, aquele brilho todo sumiu. Mas minha conexão com a identidade lésbica ainda continua firme, vívida e inflexível.

Eu poderia escrever um ensaio de 70 páginas explicando sobre minhas orientações, mas eu acho que ninguém se interessaria em ler várias páginas das minhas eternas confusões. Mas enfim, atualmente (acho sempre bom reiterar isso, porque vai que né), eu me identifico como uma pessoa que está no espectro assexual e que rotula a vaga atração sexual que sente como bissexual. Eu sou uma pessoa lésbica-arromântica, e sinto atração estética por pessoas de vários gêneros.

O motivo de eu rotular minha atração arromântica como lésbica é de que eu só me sinto confortável em me relacionar emocionalmente com mulheres e com pessoas não-binárias (eu também rótulo essa atração como trixen, então eu meio que sou lésbica multi em vários sentidos?). E tipo, eu só consigo me sentir atraída por homens sexualmente/esteticamente mesmo.

• Parte de um texto que eu escrevi quando me identificava como lésbica bi (eu tinha quatorze na época e não me identifico 100% com essas experiências agora).

Eu passei um longo tempo incomodada em me identificar como bi porque minha atração (romântica e sexual) por mulheres era bem maior, e voltei a me identificar como lésbica. Eu descobri que pra ser bi você não precisa ter a mesma frequência de atração por todos os gêneros aos quais você se atrai uns anos mais tarde e voltei a me identificar como bi novamente (uma maré de identificações ksksks). Enfim, mas meio que algo ainda me incomodava, por mais que eu amasse a minha comunidade e me sentisse orgulhosa pela minha identidade, eu ainda possuia uma conexão muito grande com a comunidade lésbica, porque eu meio que cresci me identificando como lésbica e tinha um carinho muito grande pela identidade.
Mesmo sendo uma mulher bi (que é sáfica), minhas experiências de atração não são tão diferentes das experiências de uma mulher lésbica, então, quando eu descobri que eu poderia me identificar com os dois termos eu meio que fiquei, emocionada?

Enfim, eu uso os dois termos agora, por que? Porque minha conexão com a identidade lésbica e as experiências da comunidade são muito importantes pra mim, e me identifico como bi ao mesmo tempo porque mesmo que a minha atração por outros gêneros não seja frequente, eu ainda considero essas atrações uma parte importante da minha vida. É por isso que eu sou uma lésbica bi.


Enfim, é isto.

Considerações finais


É interessante avisar a algumas pessoas que, para mim, ser lésbica não é nenhum jogo ou algo super divertido. Eu já sofri lesbomisia, tudo bem? Eu vivo neste planeta, vejo como as pessoas dessa comunidade são tratadas. Não é um passatempo. É a minha vida. É a vida de outras pessoas. Só porque eu acho homens sexualmente atraentes ou esteticamente agradáveis, isso não quer dizer que tudo isso é automaticamente inválido.

E minha identidade multi é tão importante quanto. Vocês podem tentar arrancar essas identidades das minhas mãos, mas elas estão tão intrisecamente ligadas a forma como eu me vejo, que seria como tentar roubar a essência de alguém. Mas se quiserem tentar, boa sorte.

Vocês vão precisar.


Links adicionais:

Lésbica.

Lesbianismo político.

Identidades controversas, reacionarismos, e atrações múltiplas.

Sobre discursos contra lésbicas multi.

Lésbiques mono, não há nada o que temer. ← (inglês)

Masterdoc lésbico bi/gay bi. ← (inglês)

A tag #explanation de @bi-lesbian no Tumblr. ← (inglês)

Fontes sobre a identidade lésbica/gay multi. ← (inglês)

sometimes I have to remind myself at the gym not to compare my physique with others that may or may not be on gear. I'm not trying to be a bodybuilder after all, my exercise routine is conditioning specific to sport. if I can compare myself now with myself of the past and see that I have improved in some way as a fencer or boxer then that's all that matters

Pessoas não-binárias e a alienação da diamoricidade


AC: discussão sobre invalidação de identidades cisdissidentes e heterodissidentes

Ressalvas


Existem dois problemas em tentar restringir os termos que outras pessoas usam:

  1. É impossível realmente proibir alguém de usar certa palavra. Por exemplo, não importa o quanto pessoas anticapacitistas continuem falando que é para parar de usar o conceito de inteligência tanto em geral quanto em relação a descrever suas atrações (1) (2) (3) (4) (5) (6), ou o quanto pessoas relatam experiências negativas com pessoas sápio que com certeza não aderem aos preceitos usados para defender a identidade, de que "só porque alguém diz sentir atração por inteligência, não significa que essas pessoas estão definindo inteligência de formas restritas" (1) (2) (3), a orientação sapiossexual provavelmente é uma das orientações não listadas explicitamente na sigla LGBTQIAPN+ mais discutidas e conhecidas.
  2. Cada pessoa tem uma experiência de vida (e jornada identitária) única, e, portanto, qualquer "regra imposta" não será universalmente aplicável. Por exemplo, se uma pessoa só diz que é transmasculina e agênero, que só sente atração por mulheres e que quer um termo que expresse sua orientação, eu dificilmente sugeriria lésbique como um termo aplicável; porém, eu não diria que uma pessoa que se descreve mais de forma similar a alguém que poderia se dizer librafemil do que como pessoa sem qualquer ligação com gênero e que tem décadas de experiências em comunidades lésbicas deveria parar de se dizer lésbica por não ter gênero e/ou não se dizer mulher.

Além disso, existe a questão de que, em geral, existem problemas maiores do que um termo que uma pessoa usa. Se uma pessoa usa um termo que acredito que compactua com discriminação, e não estou em uma posição onde faz sentido eu conversar com a pessoa sobre tal questão, posso só evitar tal pessoa e, no máximo, falar de forma geral sobre a questão. A mesma coisa acontece se alguém estiver usando um termo de uma forma que considero incorreta: como algumas pessoas aleatórias usam termos não muda como grupos existentes definem suas identidades, como diretórios onde pessoas caem ao pesquisar termos os definem, e por assim vai.

(Isso também significa que pode ser difícil mudar a ideia geral do que significa um termo, por bem ou por mal.)

Este texto tem o objetivo de levantar a possibilidade de queermisia internalizada resultar em pessoas preferindo termos com conotações binárias — geralmente hétero, gay e/ou lésbique — do que termos cunhados por e para pessoas não-binárias.

Ainda que o texto não seja contra o uso de mais de um entre os termos com os quais uma pessoa sente afinidade, acho fundamental apontar que minha posição não é a de atacar pessoas cisdissidentes por usar ou não usar determinados termos. Aqui está uma citação minha sobre o assunto, de janeiro deste ano:

Dito isso: eu nunca recomendo chegar em alguém que usa algum termo que possa parecer contraditório e falar que a pessoa tem alguma opressão internalizada por se chamar daquilo ou falar que a pessoa não deveria estar usando um dos termos por “não fazer sentido”. Como coloquei acima, há múltiplos fatores que podem levar alguém a se dizer tanto agênero como gay, e uma pessoa assim não tem a obrigação de usar mais termos para justificar tal escolha, assim como também está livre para acumular quantos termos quiser para especificar sua identidade.


Um mini glossário de termos que mencionam pessoas não-binárias


Minha intenção aqui é a de focar em termos que serão relevantes ao texto, além de fornecer alguns exemplos de que termos existem para pessoas não-binárias que não se encaixam bem nas orientações mais comuns disponíveis independentemente da identidade de gênero, como arromântique ou polissexual. Existem muites outres orientações e termos juvélicos disponíveis para pessoas de identidades de gênero diversas e para quem se atrai por elas, e tais termos não são menos importantes ou úteis por não estarem listados aqui.

Diamórique: Alguém não-binárie que se atrai por e/ou se relaciona com outras pessoas, mas que considera a própria identidade não-binária como relevante, da mesma forma que algumas orientações não mencionam simplesmente por quem se atraem mas também informam algo sobre a identidade de gênero da pessoa que sente a atração. Relacionamentos envolvendo pessoas não-binárias podem ser chamados de diamóricos independentemente das outras identidades de gênero envolvidas. Termos que envolvem atração de forma que inclui explicitamente a atração de pessoas não-binárias são ocasionalmente chamados de orientações diamóricas.

Méstrique: Descreve algume atração, orientação ou relacionamento que envolve ao menos uma pessoa não-binária. Ao contrário de diamórique, este termo também pode ser utilizado para descrever pessoas binárias que sentem atração por pessoas não-binárias.

Dórique: Alguém não-binárie que se atrai por e/ou se relaciona com homens, exclusivamente ou não. Um relacionamento entre alguém não-binárie e ume homem pode ser chamado de dórico.

Enebeane: Alguém não-binárie que se atrai por e/ou se relaciona com outras pessoas não-binárias, exclusivamente ou não. Um relacionamento entre duas pessoas não-binárias pode ser chamado de enebeano.

Trízique: Alguém não-binárie que se atrai por e/ou se relaciona com mulheres, exclusivamente ou não. Um relacionamento entre alguém não-binárie e ume mulher pode ser chamado de trízico.

Feminamórique: Alguém não-binárie que se atrai apenas por mulheres. O prefixo femina também pode ser usado de formas mais específicas, como feminarromântique para alguém que se atrai romanticamente apenas por mulheres ou feminassexual para alguém que se atrai sexualmente apenas por mulheres.

Viramórique: Alguém não-binárie que se atrai apenas por homens.

Tóren: Alguém (de qualquer identidade de gênero) que sente atração apenas por homens e por pessoas não-binárias. Não existem limitações em relação a quantas ou quais identidades não-binárias alguém tóren sente atração: uma pessoa atraída por todes menos mulheres bináries pode se dizer tóren, e uma pessoa atraída somente por homens e por homens não-bináries também. É possível usar o termo como prefixo, como em torensexual ou torenalternative.

Tríxen: Alguém (de qualquer identidade de gênero) que sente atração apenas por mulheres e por pessoas não-binárias. Não existem limitações em relação a quantas ou quais identidades não-binárias alguém tríxen sente atração: uma pessoa atraída por todes que não sejam homens pode se dizer tríxen, e uma pessoa atraída somente por mulheres, por pessoas gênero neutro e por pessoas entre tais gêneros também pode se dizer tríxen. É possível usar o termo como prefixo, como em trixensexual ou trixenalternative.

Apego à multidão


Se cada pessoa que desistisse de se dizer viramórica ou feminamórica porque "ninguém conhece esses termos" os adotasse e tomasse medidas para divulgar o que tais termos significam, poderíamos até ter, no mínimo, grupos de socialização para pessoas com tais identidades.

Porém, muita gente prefere o suposto conforto de usar termos considerando o gênero imposto ao nascer ao invés de suas verdadeiras identidades de gênero, ou preferem se definir em termos de serem "gays por homens" ou "lésbiques por mulheres" mesmo que não tenham nenhuma relação com os gêneros homem e mulher, respectivamente. Eu falo de um suposto conforto porque raramente vejo pessoas verdadeiramente satisfeitas em tais identidades ou comunidades: há diversos relatos de conflito dentro de um relacionamento com alguém cis da mesma orientação quando a pessoa não-binária quer afirmar sua cisdissidência por meio de um conjunto de linguagem pessoal diferente e/ou por ir atrás de hormônios ou cirurgias que mudarão seus corpos, ou de ter amizades/ir em encontros onde o grupo é de pessoas da mesma orientação e as pessoas fazem comentários excludentes contra a identidade da pessoa não-binária.

A questão não é que toda pessoa hétero, gay ou lésbica seja inerentemente despreparada para lidar com pessoas não-binárias, ou que pessoas de alguma orientação específica vão inerentemente ser completamente inclusivas de todas as facetas da não-binaridade e da cisdissidência, mas sim que não só o argumento de uma pessoa ser "melhor entendida" ou "mais em contato com a realidade" por rejeitar quaisquer orientações incomuns é falho, como também a existência de espaços diamóricos poderia ter oferecido redes de apoio melhores para pessoas não-binárias buscando relacionamentos com mulheres ou homens do que espaços sáficos ou aquileanos, onde a não-binaridade é mais rara, mais apagada e nunca vai ser centralizada (sendo que, em até certo ponto, isto é compreensível).

Não quero apagar a questão de existirem pessoas não-binárias satisfeitas em enfatizar algum lado mulher e/ou homem de sua identidade acima da experiência não-binária: entendo que uma pessoa bigênero homem/mulher pode se sentir mais afirmada se dizendo lesboy do que feminamórica caso sinta atração apenas por mulheres, por exemplo. Também existem pessoas que, ainda que não tenham conexão com a binaridade, se sentem satisfeitas em comunidades associadas com mulheres ou com homens. Porém, que fique o convite: todas as pessoas fora do binário mulher/homem podem utilizar termos diamóricos (ainda que o termo "não-binárie" tenha a tendência de ser utilizado por questões práticas) e, quem sabe, ajudar a construir tais espaços, sem que isso precise significar um abandono dos termos utilizados ou espaços frequentados no presente.

Retórica reducionista


O outro problema que uma pessoa não-binária pode enfrentar é o exorsexismo que permeia vários espaços heterodissidentes. Estes podem ditar que os termos corretos a ser usados dependem de um "alinhamento de gênero" imposto por como a sociedade maldenomina cada pessoa, e que termos feitos por e para pessoas não-binárias são apenas fantasias problemáticas que validam a homomisia internalizada daquelus que não querem se dizer lésbiques ou gays e/ou a "invasão" de pessoas "(essencialmente) hétero" (ainda que pessoas não-binárias não sejam validadas na heteronorma).

E, se essas pessoas aceitam que pessoas não-binárias são não-binárias e não deveriam ser jogadas para termos definidos em torno da binaridade ou da ausência de atração, elas impõem que então quem é não-binárie é pan e só deve namorar quem é pan. Não pôli, ainda que seja um termo que implicita em sua definição a existência de mais de duas identidades de gênero; não bi, ainda que ativistas bi em geral reinvindiquem a possibilidade de atração por pessoas não-binárias; mas só pan, porque é como se só fosse possível reconhecer atração que envolve não-binaridade se ela existir independentemente da identidade de gênero.

(Pan não se limita a atração independente de gênero, mas é assim que o termo tende a ser percebido por quem quer forçá-lo em quem é ou que se atrai por gente não-binária. Caso alguém tenha interesse em saber a diferença entre bi, pan, pôli e outras orientações, este texto se aprofunda nisso.)

Também quero ressaltar o quão absurda é a proposição de que alguém é "só algo": de que alguém fortitudiane é "só gay" ou de que uma pessoa heteroflexível é "só bi" ou "só hétero". Nenhuma orientação precisa ser reduzida a só um termo: uma pessoa pode tanto usar o termo fortitudiane quanto os termos gay, medisso e enebeane. Uma pessoa hétero será também duárica, e, dependendo do resto de suas experiências, pode ser ante, julietiana, romérica, campiona ou afins.

Como falei , só porque alguém prefere um termo, não significa que a pessoa está contra outros termos. Termos não são times em confronto, são descrições. Isso significa que alguém pode usar termos diferentes dependendo do contexto, ou usar vários termos de uma vez só para explicar facetas de sua identidade: por exemplo, ume mulher não-binárie atraíde por mulheres não-bináries e outres mulheres pode se dizer lésbique, feminaflexível, tríxen e/ou ogli, isso sem contar termos juvélicos como enlune, sáfique e equárique.

Porém, existe essa ridicularização de termos que são mais específicos, ou mesmo que oferecem possibilidades que pessoas binárias não gostam de considerar, como a questão de alguém poder se atrair pela não-binaridade de alguém e não pela expressão de gênero ou corporalidade.

Uma anedota sobre a percepção da não-binaridade em questões de atração em espaços online


Eu entendo que os espaços que passei foram limitados, e que talvez não exista relação entre estes eventos ou grande repercussão deles. Porém, minha perspectiva é que discussões online acontecendo onde há uma centralização grande de gente NHINCQ+, especialmente pessoas dentro de comunidades que ainda não eram/são tão descentralizadas, tendem a pesar nas produções feitas pela própria comunidade de formas que são capazes de afetar a comunidade como um todo, dentro de certa medida. Enfim:

No início da década de 2010, houve uma onda forte de transmedicalismo no Tumblr, onde quaisquer pessoas não-binárias ou homens/mulheres trans fora de certos padrões de gênero eram ridicularizades tanto por (em geral) homens trans brancos que acusavam essas pessoas de prejudicar a percepção das pessoas trans. Este era o ponto de contato mais perto de ser intracomunitário, porque obviamente também existiam mulheres cis se dizendo feministas que falavam sobre o quanto essas pessoas estavam se rendendo a acreditar em padrões de gênero e pessoas "contra justiça social" que mais pra frente se tornariam "alt-right" e fãs de influencers que flertam com pensamentos nazistas.

Nesta época, não haviam muitas discussões sobre as atrações de pessoas não-binárias. Possivelmente porque as (comparativamente) poucas pessoas não-binárias tinham a tendência de ser múlti e/ou a-espectrais: o termo cétero tinha sido cunhado, mas era majoritariamente teórico, ao mesmo tempo que alguns termos surgiram para incentivar outres a evitar a conotação dos prefixos gine e andro mas, novamente, geralmente não tinham uso suficiente para ser espalhados.

Embora o ódio contra pessoas não-binárias nunca tenha sumido completamente, falar sobre o mesmo assunto acaba sendo redundante até para grupos de ódio, os quais passaram a focar mais em pessoas múlti, e, eventualmente, foram desenvolvendo também argumentações nocivas contra pessoas assexuais, arromânticas, aplatônicas e variorientadas (geralmente focando em pessoas assexuais e demissexuais). O ódio geral contra pessoas bi tinha a tendência de vir de lésbicas cis, mas algumas pessoas trans, bi, pan e/ou não-binárias eventualmente compraram as argumentações quando o assunto passou a ser pessoas a-espectrais.

Estas argumentações, em geral, tinham a base em definir "LGBT" por meio de "atração pelo mesmo gênero" ou "pessoas que sofrem com homomisia ou transmisia", com a inclusão de pessoas bi e trans muitas vezes sendo reduzida a consequências secundárias do ódio contra a atração pelo mesmo gênero. Também era esse o tipo de pessoa que dividia todas as pessoas não-binárias em alinhamentos binários com base em passabilidade para argumentar que gay, lésbique e bi eram as únicas orientações reais, com o resto "não sendo orientações" ou sendo caracterizadas como "apenas ódio internalizado causado por pessoas hétero confundindo adolescentes para invadir a comunidade" (no caso, pessoas oferencendo outros termos como opções).

Com isso, pessoas construindo solidariedade contra esses discursos de ódio (ou, em certos casos, querendo abrir portas para pessoas terem seu contato com ideologia reacionária de forma amigável) começaram a falar sobre homens que sentem atração por homens e mulheres que sentem atração por mulheres, fazendo blogs e comunidades em torno disso ao invés de orientações específicas. Pessoas não-binárias eram muitas vezes aceitas, mas apenas sob a ideia de que tais pessoas teriam alguma conexão com um desses gêneros, mesmo que de formas mais legítimas do que discurso reducionista da passabilidade.

Foi nesse contexto onde finalmente houve um empurrão mais forte para a cunhagem de diamórique e de termos específicos dentro da mesma ideologia: a de que pessoas não-binárias merecem a existência de termos que falam de identidades não-binárias de forma explícita. Essas discussões foram compartilhadas em palcos maiores do que cunhagens novas geralmente eram (ou hoje em dia são), de forma que ao menos alguns blogs foram criados a respeito desses assuntos.

Também surgiram vários outros termos menos espalhados, mas todos dentro deste contexto de descrever experiências não contempladas explicitamente por termos usados principalmente por pessoas binárias. E, enquanto isso, sempre houveram pessoas reacionárias reclamando sobre quaisquer termos "supérfluos" enquanto também criavam barreiras em torno de quem poderia se dizer o quê.

Com o passar do tempo, porém, algumas pessoas adultas com mais experiência em espaços NHINCQ+ começaram a bater de frente contra a ideia de que termos como femme, butch, lésbique e gay eram tão exclusivos quanto algumas pessoas afirmavam ser. Isso fez com que algumas pessoas começassem a se assumir como lésbiques/gays múlti, grupo que virou o alvo de ódio principal depois das pessoas a-espectrais.

Em 2020, dados do Gender Census apontam um pico - especialmente entre aquelus com menos de 30 anos - de pessoas fora do binário de gênero respondendo que são lésbiques, femme e/ou butch como identidades de gênero. Em 2021, tanto gay quanto lésbique em relação a identidade de gênero foram opções marcadas por algo entre 10% e 20% des respondentes, sendo gay mais popular ainda que tenha sido lésbique que causou a aparição de tal termo na lista em primeiro lugar.

Obviamente, tais dados não são sobre orientações, e sim sobre identidades de gênero. Mas não posso deixar de notar que tal onda ocorreu justamente quando houveram mais discussões online defendendo usos bem mais abrangentes de termos como lésbique e gay do que geralmente eram vistos há 10 anos atrás. E que tal onda também corresponde com o declínio de discussões sobre ser diamórique, enebeane, dórique ou trízique.

Minha intenção aqui não é a de acusar alguém ou algum grupo de prejudicar pessoas não-binárias por meio de defender enebês que se sentem confortáveis se colocando como lésbiques, gays, aquileanes, sáfiques ou afins. Porém, eu acredito que possa haver um meio termo entre os extremos de pessoas não-binárias só poderem existir completamente alheias a tais identidades e de redefinir atrações por mulheres ou homens dentro da comunidade não-binária como sempre inerentemente lésbicas ou gays.

Minhas sugestões para o futuro


(AC: segunda pessoa)

Normalização é importante. Ao fazer listas de ou gráficos sobre orientações e/ou termos juvélicos, é importante contemplar também termos que incluem a não-binaridade de forma explícita. Por que ainda tem gente tratando termos que centralizam os gêneros mulher e homem como fundamentais para o entendimento da heterodissidência, enquanto termos que mencionam a não-binaridade, mesmo que sejam abrangentes e/ou diretos, são vistos como nichados ou inúteis? Existem mais de duas identidades de gênero, e a grande maioria delas está sendo desconsiderada e desvalorizada em materiais supostamente inclusivos de qualquer forma de atração. Isso é exorsexismo.

Sente-se isolade em relacionamentos com pessoas binárias? Vá atrás de um grupo. É possível chamar pessoas em redes sociais ou grupos não-binários já existentes para participar de um grupo sobre ser diamórique/dórique/trízique. É possível perguntar sobre a existência de tais grupos. É possível levantar esse assunto dentro de grupos mais gerais para pessoas não-binárias.

Relatos são importantes. Tem algo a falar sobre experiências de atração por pessoas não-binárias? Você está se envolvendo com questões de atração e relacionamentos sendo uma pessoa não-binária? Você se assume como pessoa não-binária em espaços sáficos, aquileanos ou duáricos? Fale sobre suas experiências em um site ou blog, para que outras pessoas possam aprender sobre o assunto.

E, finalmente, não tenha medo de adotar termos adequados para determinada situação. Não há a necessidade de se abrir para todo mundo ou de adotar ativamente todos os termos que possam contemplar sua identidade, mas não faz sentido uma pessoa não-binária ter receio de se dizer viramórica em um espaço não-binário, ou não querer se afirmar como trízica ou dórica para não afastar pessoas binárias frágeis que podem se aterrorizar ao entrar em contato com algum termo que desconhecem. Sua identidade de gênero merece respeito, mesmo dentro (ou talvez especialmente dentro) de um relacionamento, e com isso podem vir particularidades como os termos que vão definir uma atração ou um relacionamento de forma mais precisa.


Tudo o que eu sei sobre atração alternativa


Aviso de conteúdo: Este artigo contém várias descrições do que acontece sob amatonormatividade, além de uma breve menção a sexo em relacionamentos queerplatônicos.

Também menciona algumas invalidações de experiências aplatônicas/aqueerplatônicas e de quem sente/não sente atração alternativa. Eu pessoalmente não acho que tenha nada particularmente pesado, mas não custa avisar.


Esta postagem é sobre atração alternativa, já que não existem referências detalhadas sobre o assunto em português. Alternative (com final de palavra flexível) é minha tradução para alterous. Vou explicar depois o motivo desta tradução.

O objetivo desta postagem é informar sobre o que atração/orientação alternativa pode significar, e sobre como cheguei nestas conclusões. Portanto, esta postagem não será um apanhado sobre a história do termo ou sobre todes es discussões e símbolos existentes, e sim apenas algo que tenta trazer mais detalhes sobre o conceito.

Recomendo ter algum conhecimento sobre a existência de mais de um tipo de atração antes de ler esta postagem, mesmo que seja superficial. Se você precisar saber mais sobre isso, sugiro que leia esta página e os links presentes nela.


A primeira vez que vi bandeiras e uma definição de alterous foi aqui.

Alterous attraction is described as neither being (entirely/completely) platonic nor romantic, & is an attraction best described as wanting emotional closeness without necessarily being (at all or entirely) platonic &/or romantic, & is used in the place of -romantic or -platonic (so say bi-alterous instead of bi-romantic). Someone can be both alterous & romantic &/or platonic & can have varying degrees on attraction, ultimately feel discomfort / unease / or just a sense of inaccuracy in calling it wholly romantic or platonic. Similar to queerplatonic/quasiplatonic/quirkyplatonic attraction but not quite the same.


Traduzindo:

Atração alternativa é descrita como não sendo nem (inteiramente/completamente) platônica nem romântica, e é uma atração melhor descrita como querer proximidade emocional sem ser necessariamente ser (relacionada com ou inteiramente) platônica e/ou romântica, e é usada no lugar de -romântique ou -platônique (como, digamos, bi-alternative ao invés de bi-romântique). Alguém pode ser alternative e romântique e/ou platônique e pode ter vários graus de atração, [mas] no final das contas sentir desconforto / inquietação / ou simplesmente um sentimento de imprecisão em chamá-la completamente de romântica ou platônica. Similar a atração queerplatônica/quasiplatônica/quirkyplatônica sem ser exatamente isso.


Caso este bloco de texto tenha sido confuso, acredito que seja nisso que ele queria chegar:

  • Atração alternativa tem a ver com querer proximidade emocional;
  • Ela pode não ter nada a ver com atração romântica e platônica, ou pode ser parcialmente romântica e/ou platônica;
  • Você pode usar -alternative assim como usa -sexual, -romântique ou outras orientações (assim como uma pessoa pode ser birromântica e/ou bissexual, ela pode ser bialternativa);
  • Atração alternativa ocorre independentemente de outras atrações. Ou seja, é possível sentir atração alternativa independentemente de ser arromântique ou alorromântique (fora do espectro arromântico), e/ou de ser aplatônique ou aloplatônique;
  • Atração alternativa é similar à atração queerplatônica, sem ser a mesma coisa.

Meses depois - possivelmente mais ou menos um ano depois - soube de um blog para trazer visibilidade a pessoas que sentem atração alternativa e que consideram ela importante, Alterous Albatross. No blog, a descrição do que é atração alternativa é mais simplificada; só diz que não é completamente romântica ou platônica, e que é um desejo por proximidade emocional.

Pouco depois desse blog ganhar alguma popularidade, algumas pessoas começaram a questionar se a definição de atração alternativa não estava implicitamente colocando atrações platônicas como menos importantes do que românticas, além de prejudicar os esforços de redefinir relacionamentos platônicos como não necessariamente restritos a amizades. Ambas essas questões são lutas que a comunidade arromântica já tinha por anos.

Para que todes estejam na mesma página, vou desviar um pouco o assunto do texto para falar sobre platonicidade e queerplatonicidade.


Como muitas pessoas arromânticas não conseguem querer/manter relacionamentos românticos, nesse meio surgiu uma questão de valorizar amizades, e outra questão de relacionamentos queerplatônicos.

Essa primeira questão é um questionamento das normas sociais amatonormativas. (Se você não sabe o que é isso, pode ler o texto linkado, ou tentar entender pelo contexto abaixo.)

Em sociedades ocidentais, geralmente há a expectativa de colocar relacionamentos românticos como mais importantes do que amizades. Então situações como as seguintes são vistas como normais, ou no mínimo comuns:

  • Alguém se mudar de cidade por causa de sue companheire romântique, quando isso não seria feito por uma amizade;
  • Alguém abandonar sue(s) amigue(s) por conta de ciúmes de ume parceire romântique;
  • Alguém parar de passar (tanto) tempo com suas amizades para se dedicar a um número menor de parceires romântiques;
  • Outras situações aonde relacionamentos românticos têm prioridade acima de amizades.

Isso, além da expectativa de que todo mundo vai ter algume parceire romântique ideal algum dia, prejudica muito pessoas que não sentem esse tipo de atração em algum/qualquer grau e/ou que não querem esse tipo de relacionamento. Portanto, é comum que essas pessoas lutem para que amizades e relacionamentos românticos sejam vistas como relações diferentes mas igualmente válidas, e não como uma hierarquia.

O estereótipo de pessoas arromânticas como "pessoas que não amam" também gerou a resposta "mas podemos ter amizades" de dentro de comunidades arromânticas.

Mas isso, por si só, gerou outra questão. Nem todo mundo tem amizades, e nem todo mundo quer tê-las. Eventualmente, a identidade aplatônica passou a ser usada por pessoas sem vontades de fazer amizades, especialmente pessoas neurodivergentes.

E essas pessoas passaram a lutar contra a ideia de que amizades são necessárias na vida de alguém, ou de que ter amizades dá mais valor à vida de alguém. Mas isso já entra em outro assunto.

A outra questão que surgiu, como já falei, é a de relacionamentos queerplatônicos (RQPs).

Algumas pessoas na comunidade arromântica queriam poder ter relacionamentos próximos, mesmo sem envolver atração romântica ou convenções envolvidas com relacionamentos românticos. Então surgiu o conceito de RQPs.

Cada RQP pode funcionar de uma forma diferente. Mas, em geral, são relacionamentos não-românticos que envolvem alguma forma de compromisso. Parceires queerplatôniques podem querer ter relações sexuais exclusivamente entre si ou não (ou podem nem ter/querer tais relações), podem querer morar juntes ou não, podem querer se casar legalmente ou não, podem querer ter famílias juntes ou não.

Algumas pessoas tinham grandes preferências em relação aos gêneros das pessoas com quem queriam ter RQPs, então algumas pessoas passaram a se identificar como heteroplatônicas, poliplatônicas, mulheplatônicas, etc.

Outras pessoas não queriam RQPs, algumas dessas até achando que começou a ter uma pressão para pessoas arromânticas terem RQPs similar à pressão para ter relacionamentos românticos. Essas pessoas muitas vezes adotaram a identidade aplatônica.

Para resolver a questão do sufixo -platônique estar sendo usado para duas coisas diferentes (a vontade de ter amizades e a vontade de ter relacionamentos queerplatônicos), algumas pessoas resolveram que este segundo uso deveria usar o sufixo -queerplatônique. Assim, uma pessoa que não sente vontade de ter relacionamentos queerplatônicos seria aqueerplatônica (ou aqp).

Algumas pessoas usam o sufixo -amical para indicar vontade de fazer amizades, mas isso é relativamente raro.


Enfim, a questão é que comunidades arromânticas tinham bons motivos para suspeitar da inclusão de uma atração supostamente "entre platônica e romântica". Essas pessoas achavam que o conceito de atração alternativa estava tentando apagar a ideia de que relacionamentos platônicos (incluindo tanto amizades quanto RQPs) poderiam ser tão importantes quanto relacionamentos românticos, mesmo que esta não tivesse sido a intenção.

Algum tempo depois dessa polêmica, eu tive que traduzir alterous para incluir esse conceito no Orientando. Até aquele momento, eu achava que alterous era só uma palavra em inglês que eu não conhecia, já que palavras como sexual, romantic, platonic e afins eram todas palavras já existentes. Mas eu não consegui achar a palavra fora do contexto de atração, e também nunca achei a origem da palavra.

Considerei usar [orientação/atração] alterosa, mas no fim decidi por alternativa. Ela é, afinal, diferente das outras de uma forma difícil de resumir, e eu não queria passar vergonha adaptando mal uma palavra que não sei como foi escolhida.

Tanto essa tradução quanto a descrição que estava até agora pouco no Orientando (desejo de familiaridade e intimidade com alguém, de forma geralmente descrita como entre platônica e romântica) foram feitas antes de eu saber da descrição mais interessante dessa atração com a qual já tive contato.

Num grupo no Discord, uma pessoa arromântica e aplatônica que sente bastante atração alternativa (alguém confiável, mas que nunca postou sobre isso em nenhum lugar para não receber ódio), falou sobre atração alternativa ser qualquer atração emocional que não é 100% platônica ou 100% romântica.

Tal pessoa, que é NB, falou que atração alternativa é basicamente uma atração emocional "não-binária", porque inclui atração que é uma mistura de romântica com platônica, que não tem nada a ver com atração romântica ou platônica, que é parcialmente uma dessas duas e parcialmente outra coisa, que não pode ser definida, etc.

Nesse caso, pessoas que classificam sua atração queerplatônica como diferente de uma atração platônica poderiam dizer que sua atração queerplatônica está dentro do guarda-chuva da atração alternativa.

Portanto, eu sugiro definir atração alternativa de alguma forma parecida com esta:

Atração alternativa é uma atração que envolve o desejo de proximidade emocional, mas que não é nem 100% platônica e nem 100% romântica. Pode, assim, ser uma mistura entre estas duas atrações, relacionada a atração platônica ou romântica sem ser idêntica, algo completamente diferente das atrações romântica e platônica, entre várias outras possibilidades.


Também vale lembrar que algumas pessoas possuem relacionamentos alternativos, sem achar que eles se encaixam em RQPs. Outras pessoas usam os dois termos.

Ao revisitar a descrição de atração alternativa daquela pessoa (para passar os pontos principais dela aqui), percebi que foi uma atração descrita como emocional. Essa é uma das únicas vezes que vi uma atração sendo descrita desta forma, sendo que a outra vez que lembro de ter visto isso foi quando pesquisei sobre conteúdo sobre atração alternativa em português e me deparei com esta lista, que divide os tipos de atração mais conhecidos entre físicas e emocionais.

Eu não sei o quão bem essa divisão funciona, mas enfim, achei relevante colocar a informação aqui.

Para terminar, eu gostaria de falar sobre uma discussão que houve naquele mesmo grupo de Discord, sobre que tipo de orientação alternativa pode ser considerada marginalizada.

Uma pessoa estava com a opinião de que pessoas analternativas (sem atração alternativa) são a norma, enquanto pessoas com atração alternativa não possuem muito espaço para discutirem sues atrações e relacionamentos úniques; fora que relacionamentos alternativos, assim como queerplatônicos, estão fora das normas sociais.

Outra pessoa argumentou que, como alguém que não sentia praticamente nenhum tipo de atração, não ter atração alternativa não é uma vantagem. Afinal, sentir qualquer tipo de atração/ter qualquer tipo de relacionamento, ao menos na maioria das sociedades ocidentais, é algo que valida mais a existência de alguém. "Pessoas arromânticas e assexuais ao menos podem ter amizades/RQPs" é uma tentativa de assimilação, mesmo que atração alternativa seja desconhecida demais para ser mencionada.

A conclusão tirada foi que não considerar uma orientação alternativa como relevante é a norma, enquanto sentir a necessidade de defini-la, independentemente de qual for a orientação, está fora da norma.

Espero que este texto tenha sido interessante, útil e explicativo!


in reply to Kiri 💾🐍 //nullptr::live

re: mental health, physical injury, death, venting

Sensitive content

Το μέγεθος της καταστροφής & οι φρικαλεότητες που διαπράττει ο πιο δειλός & ανήθικος στρατός με την υποστήριξη της Ευρώπης & της Αμερικής, θα φτάνει πάντα στον “ελεύθερο” κόσμο

"It clearly reflects a deliberate intention to silence the truth and obscure the suffering of an entire people enduring one of the worst health and humanitarian disasters."

middleeasteye.net/news/israeli…

Από τα χθες, όλη τη μέρα παιδεύομαι με εσάς λοιπόν, πάω να χτυπήσω κάτι τηλέφωνα & άμα βρείτε καμιά λύση γενικά σε κάτι ή όλα πείτε. Στα θέματα της ζωής & της επανάστασης θα τα αναπτύξουμε μετά ή & αύριο ίσως, όλα θα τα λύσουμε όμως & το πιστεύω δε θα είναι κυργιακος για πάντα. Θα φάω & μερεντα να γλυκαθώ 😋

Μλκ τι παίζει με την ζέστη??? , άραξα μόνη μου σ' ένα μπαράκι για ένα παγωμένο campari soda και στο πρώτο τσιγάρο συνειδητοποιώ ότι όλοι πλακώνονται!

Το πίνω στα γρήγορα και έφυγα για Βραδυνή αυτοκινητάδα παρέα με
962.gr/

My partner and I have been to the Bernese Oberland (Berner Oberland) 4 times in the last 26 years. Each time the rain has cleared up within a day of our arrival, leading Sarah to accuse me of being an "anti-rain god". (Other holidays also support her case.) The forecast for next weekend suggests she's wrong.
#Interlaken #BernerOberland #Switzerland
yr.no/en/forecast/daily-table/…

> Psalms 36:5-8 📖

Your loving kindness, Yahweh, is in the heavens.
Your faithfulness reaches to the skies.

Your righteousness is like the mountains of God.
Your judgments are like a great deep.
Yahweh, you preserve man and animal.

How precious is your loving kindness, God!
The children of men take refuge under the shadow of your wings.

They shall be abundantly satisfied with the abundance of your house.
You will make them drink of the river of your pleasures.

#bible

Midwest Prison Censorship Update 2025: Exposing the IDOC Mail Scanning Scam
unsalted.noblogs.org/post/2025…

"Originally published on chicagoantireport.noblogs.org/… View the zine: Screen PDF – Printable PDF View the Prison Censorship Survey results Individual articles: “Stop Mail Scanning in Illinois” by

Microsoft only continues to exist because people are forced to use much of its software. If people had real choices, it would be no more.

It is by far the least competent of tech giants, and that's what makes it so dangerous.

aljazeera.com/economy/2025/7/2…

Calling all librarians! NASA sponsors dozens of research projects that need help from you and the people in your community. These projects invite everyone who’s interested to collaborate with scientists, investigating mysteries from how star systems form to how our planet sustains life. You can help by making observations with your cell phone or by […]

🔴🇧🇪🇮🇱La Belgique a arrêté 2 soldats israéliens, présents au festival Tomorrowland en #Belgique, accusés de crimes de guerre à #Gaza
« Ces plaintes concernent de graves violations du droit international humanitaire commises dans la bande de Gaza. »
La police belge a arrêté et interrogé 2 soldats israéliens lors du festival de musique Tomorrowland, suite à une plainte déposée par la Fondation #HindRajab et le GLAN. Les 2 hommes ont été libérés, mais une enquête criminelle est en cours.
« Pour la première fois en Europe, des suspects israéliens liés à des crimes à Gaza ont été formellement arrêtés et interrogés », ont déclaré les organisations. « Nous pensons que quelque chose d'important a commencé. »
Les 2 militaires israéliens appartiendraient à la brigade #Givati de l'armée israélienne et auraient été directement engagés dans des offensives ciblant délibérément des zones civiles, ainsi que dans des actes de torture et le déplacement forcé de la population à Gaza

leparisien.fr/faits-divers/deu…

#israel #israël

The myth of Western liberal democracy - Thomas Fazi


#politics #democracy

As censorship becomes routine, dissent is increasingly criminalised, propaganda becomes ever more blatant, legal systems are weaponised to suppress opposition — and entire elections are annulled because they deliver the wrong outcome, as we saw in Romania — can we still speak of democracy? But, more importantly, did we ever really have democracy in the first place? Or was it always a façade?


thomasfazi.com/p/the-myth-of-w…

@EscapeVelo
Was it the barbados cherry you were looking for?
In stock here. Price seems a little high, but not bad if that includes shipping.
This nursery used to be in my neck of the woods and they moved to the west coast a few years ago.
toptropicals.com/store/item/37…
in reply to Erpel

The image depicts a landscape scene during sunset, with a dramatic sky filled with dark, heavy clouds. The sun is partially visible, casting a bright orange and yellow glow through a break in the clouds, creating a striking contrast against the darker sky. In the foreground, there is a small town with houses featuring various roof colors, including white, red, and brown. The town is surrounded by fields and agricultural land, with some trees scattered throughout. The horizon shows a gentle rise in the land, with a few hills visible in the distance. The overall atmosphere is one of a calm evening, with the interplay of light and shadow adding depth to the scene.

Provided by @altbot, generated privately and locally using Ovis2-8B

🌱 Energy used: 0.153 Wh

1 500 000 À 21H30 !


(400 000 signatures en 24h)

et il faut continuer ainsi jusqu'à 4 800 000 pour un référendum

partagez à tous vos amis :


petitions.assemblee-nationale.…

#duplomb dans l'aile #legislatives #petition #référendum

Emmanuel Florac reshared this.