I just mistyped happy as "heppy"
...which I think still works, though maybe specific flavour of happy. 🤔

Anyway, fun thought train (on a shit day for lots of folks):

Reply with photos, music, art, or toot lil moments... anything that make you #heppy

Let's do some silly people, gods know we need it these days!
cc: @lonelinesscorps
#lonelinessCorps #utterBloodySilliness #mentalHealth #fun #silly #joinIn

Russia: Europe Lacks Moral, Legal Right to Trigger Snapback Mechanism iranpress.com/content/308255

Here is an interesting read. I saw a doc about this over the weekend. Essentially, because of the French, and in particular French general Ferdinand Foch, there were 11,000 casualties on the final day of WWI.

The armistice was signed at 5:30 AM, and the commanders all knew the guns would go silent at 11:00 AM. There was no need to attack/fight.

militaryhistorynow.com/2018/10…

« … shares her experience being a student in the Israeli school system… »⁣⁣⁣

🔗 · youtube.com/watch?v=EBAdpeJrN_…

#Palestine #ceasefire #FreePalestine @palestine⁣⁣

🕊️ 🇵🇸 🍉 🙏🏻 ✌️ ☮️

‘For the Children’: Gaza-Bound Aid Ship Departs from Italy, Defying Israeli Siege #Palestine palestinechronicle.com/gaza-bo…

dailymail.co.uk/news/article-6…

Anna Ayers,21,is accused of sending herself three 'hateful' homophobic notes

She said she found two in her student senate desk and one at her campus home

The Ohio University student used the notes to campaign against hate on Twitter

On Monday, she was arrested by university police for sending them to herself

She now faces 18 months in jail and fines of up to $3,000 if convicted

Ayers, who has deleted all of her social media accounts, pleaded not guilty on Thursday

in reply to Dar ul Harb 🇺🇸 🟠

>@BillMelugin_: 'NEW: DHS confirms that both of the men in custody for the shooting and attempted robbery of an off duty CBP officer in NYC are Dominican illegal aliens who were caught and released at the border during the Biden administration. DHS says both have active deportation orders, and both were protected by sanctuary policies with ICE detainers ignored on prior arrests. [...]
Unknown parent

mastodon - Link to source

Peaceandprosperity

@neanderthalsnavel that's like saying, "there are so many people with fists, I don't know why people leave the house"

There is an extremely limited number of fish that can bite, nevertheless would bite a person. And the ocean is massive so coming across one of those fish has almost a zero probability.

As a scuba diver, it's like being in another world. Full of beauty and wonder!

@GettingCooked @zephyrotv

kolektiva.social/@igd_news/114…

"“I’m a big believer in a diversity of tactics. I don’t think there’s one answer for how to change the world. There are a million answers, and we need all million of them." truthout.org/articles/nearly-2…"

Εχει δοκιμασει κανεις να περασει απο LLMs τους ορους επεξεργασιας δεδομενων των τραπεζων ;

Να δει σε ποσες εταιρειες και data brokers πανε τα δεδομενα του, με το αναλογο profiling στην αναλυση εσοδων/εξοδων του;

Ειναι 14 αρχεια κειμενου, το καθε αρχειο εχει 4 εως 15 σελιδες, κατι που για κατσει ενας ανθρωπος και να επεξεργαστει και βγαλει ακρη ειναι τελειως αποθαρρυντικο.

Για να φριξετε τροφοδοτηστε αυτα τα κειμενα σε LLM με τα αναλογα prompt ωστε να απαριθμησουν data brokers και risks κλπ

in reply to Norshgaath

Εδω πχ οι πληροφοριες της Πειραιως καλη ωρα

piraeusbank.gr/el/support/gdpr

Odd. A moving company hiring young & strong men sued by the USG

reason.com/2025/07/21/feds-try…

We have "Meathead Movers" in CA who hire athletes & advertise the "clean-cut, strong, and professionally-trained" workers.

No complaints by former workers or applicants. The EEOC filed the lawsuit in 2023 after a decade of investigations. The Goldwater Institute is helping the company fight the USG.

Maybe MAGA Don needs to hear about this and put an end to the USG actions.

When the peasants get uppity about #genocide in @palestine and stuff like that. give them circuses.

"#HunterBiden... pardoned over multiple federal charges by his father during the last months of the (#Biden) administration, has reemerged in public in recent weeks to slam the #DemocraticParty’s handling of the election... blaming the Democratic Party’s loss on its lack of loyalty to his father."

Hunter Biden attacks establishment Democrats in expletive-filled interview
thehill.com/homenews/campaign/…

⚠️ WARNING: Very disturbing content ⚠️

Here's a Telegram channel documenting the crimes of the current Syrian regime, led by the ex-#ISIS commander #AlJawlani, and supported by the #US, #Turkey, #Qatar, #KSA, #UAE, and #Jordan.

t.me/Syrdoc

⚠️ The footages/photos contain evidence of beheadings, summary executions, slaughtered children and women, forced suicides (forced jumping from balconies) among other horrific crimes. ⚠️

All done by #Wahhabi criminals and tribal fighters.

Uma postagem rápida sobre conteúdo que seria bom ter na comunidade NHINCQ+


Aviso de conteúdo: menciona redes sociais corporativas e discriminação

Aviso: Este texto não é sobre isso ser todo o ativismo que precisa ser feito, ou sobre o que é necessário para tirar pessoas NHINCQ+ de situações precárias, e portanto não deve ser interpretado como tal. Também não é sobre chamar pessoas NHINCQ+ de preguiçosas por "não produzirem o suficiente". Cada pessoa sabe das próprias limitações.

Este texto é sobre o que pessoas que têm vontade de fazer mais conteúdo sobre a comunidade e não querem repetir o que já tem um monte de gente fazendo podem fazer. Sobre o que pessoas que, mesmo tendo como únicos recursos a internet, uma forma de produzir conteúdo e alguma experiência em fazer postagens em redes sociais, podem fazer.

Eu não vou cobrir questões como manter comunidades, fazer pesquisas, fazer artesanato ou socializar. Podem ser assuntos interessantes para outro dia, mas vai ser muita coisa se eu também focar nisso aqui.

Também gostaria de avisar que, embora existam pessoas que façam conteúdo para a internet e ganham dinheiro com isso (seja tal conteúdo textos, vídeos, podcasts, etc.), é muito pouco provável que você vá ganhar muito dinheiro produzindo conteúdo NHINCQ+ inclusivo/informativo. A maioria não quer saber de neolinguagem, de respeitar pessoas "de identidades estranhas", de aprender sobre a existência de mais de 2-4 orientações, etc.

Ou seja, se você precisa de dinheiro e acha que tem talento para fazer dinheiro pelo Twitch ou YouTube ou o que for, eu recomendo que ao menos você comece com assuntos que interessam mais pessoas.


Como "postagens", entenda-se qualquer coisa que pode ser postada na internet. Isso inclui textos como este, vídeos, áudios, histórias em quadrinhos, apresentações de slides, jogos, ou qualquer outra mídia que você preferir.


Conteúdo


Aqui estão algumas coisas que eu não vejo ninguém fazendo, ou, mesmo que haja alguém fazendo, acho que seria bom se houvessem mais pessoas fazendo:

  • Listas de identidades NHINCQ+ extensas e com temas específicos. Os temas ajudam as pessoas a procurarem por uma postagem sobre o que estão questionando (ao invés de terem que pesquisar por listas gigantes que tem um monte de outras coisas misturadas), e sua extensão ajuda a trazer a ideia de que não é só uma ou outra opção que existe;
  • Traduções de termos cunhados em outras línguas. É sério, tem muita coisa legal que demora pra eu conseguir achar/traduzir, e outras pessoas podem ter outros julgamentos sobre que identidades consideram legais/relevantes o suficiente para fazer;
  • Conteúdo sobre experiências pessoais de identidades NHINCQ+ menos conhecidas;
  • Conteúdo sobre experiências de pessoas que são NHINCQ+ e de mais de um grupo marginalizado (lésbica + intersexo, não-binárie + negre, homem trans + gay + assexual, bi + profissional do sexo, abro + mulher, aquileane + não-binárie, grisromântique + autista + gorde, etc.);
  • Conteúdo sobre atrações além da romântica e da sexual serem importantes, tanto pela perspectiva de ter outras atrações sem ter estas, quanto pela perspectiva de não ter outras atrações e ter estas (além das muitas outras possibilidades);
  • Postagens que reúnem várias perspectivas diferentes sobre como é ser de certa identidade NHINCQ+ (como What It's Like To Be ou mesmo Queer Undefined);
  • Postagens similares às de jornais, que entrevistam pessoas por suas experiências mas que também dão a definição de termos e uma explicação mastigada sobre eles, só que feitas de forma inclusiva e respeitosa;
  • Postagens que falam sobre tipos de discriminação que são mais específicos do que coisas que afetam praticamente toda a comunidade, ou grupos grandes dentro dela;
  • Histórias NHINCQ+ que não se encaixam nos estereótipos respeitáveis de suas respectivas identidades (por exemplo, pessoas intersexo cuja variação intersexo não é relacionada com genitália, ou pessoas não-hétero que não possuem relacionamentos monogâmicos como seu objetivo de vida);
  • Histórias com personagens que são de identidades NHINCQ+ menos conhecidas;
  • Histórias que tratam a linguagem ideal para certas coisas como normal (como a utilização de artigo/pronome/final de palavra ao invés de pessoas não falarem sua linguagem, ou como tratar sáfica como um termo guarda-chuva comum ao invés de usar "lésbicas e mulheres bissexuais");
  • Não é um tipo de conteúdo específico, mas é legal normalizar o uso de termos guarda-chuva que não são reducionistas, e também o uso de termos como exorsexismo, duaricismo, alossexismo, monossexismo, queermisia, heterossexismo, diadismo, etc. Estas palavras e outras precisam ser mais usadas; não dá pra chamar toda discriminação sofrida por pessoas NHINCQ+ de "homofobia e transfobia" ou mesmo de [identidade bem específica mesmo que a discriminação se aplique para casos mais gerais]misia pra sempre;
  • Também não é um tipo de conteúdo específico, mas seria muito bom se pessoas treinassem usar algum conjunto neutro universal como linguagem neutra ao invés de usar o/ele/o (minha sugestão atual é usar e/elu/e, mas se quiser usar i/éli/i, i/ili/i, le/ile/e, le/élu/e, ê/elu/e, i/il/y ou outra coisa, vá em frente)!


O problema do alcance


Muito conteúdo NHINCQ+ inclusivo acaba só sendo repassado entre poucas pessoas. Motivos comuns para isso são julgamentos sobre o assunto ser desinteressante ou complexo demais.

Se você acha que consegue fazer conteúdo que não dê informações erradas em nome da simplicidade, mas que também seja acessível e interessante a quem é iniciante no assunto, você pode se concentrar nisso!

Algumas coisas que se encaixam nisso são:

  • Histórias de ficção que sejam interessantes para quem não é das identidades inclusas, mas que ensinem alguma coisa sobre questões NHINCQ+;
  • Postagens que tentam explicar conceitos básicos (ou talvez nem tão básicos) de forma mais mastigada, sejam eles relacionados com identidades ou com opressão;
  • Postagens que envolvem histórias pessoais, mas que não contém muito vocabulário difícil de entender, e que assim aproximam pessoas que não conhecem o assunto de forma mais pessoal do que com postagens 100% informativas.


Formatos de conteúdo


Atualmente, grande parte da comunidade acaba se concentrando em redes sociais "onde todo mundo está". Embora estas sejam úteis para divulgar conteúdo, elas não são feitas para arquivar conteúdo mais permanente, e às vezes não são nem muito práticas em relação à leitura de todo o conteúdo (como textos no Twitter ou no Instagram).

Prefira publicar seu conteúdo mais importante em lugares que são menos misturados com coisas aleatórias (para ser mais fácil de achar), e que possuem sistemas que permitam que este conteúdo seja achado de forma relativamente fácil mesmo que bastante tempo tenha passado.

Por exemplo, se você posta uma sequência no Twitter, quanto mais tempo passar (e você postar mais), mais esta sequência vai ficar "enterrada" em seu perfil. E a função de busca não vai adiantar muito, porque mesmo que você use uma hashtag, dificilmente vai ser uma hashtag que foi usada poucas vezes.

Enquanto isso, quando você tem um blog (mesmo que seja um desses de graça fornecido pelo Dreamwidth, Tumblr, Blogger ou Wordpress), você geralmente tem categorias que vão servir para pessoas que querem procurar só em seu blog. Estas plataformas também facilitam que você tenha vários blogs, ou mesmo não parecem tão apropriadas para postar ou compartilhar qualquer pensamento passageiro ou meme como acontece em sites como Twitter e Facebook, o que também evita que tenha um monte de conteúdo aleatório até que visitantes consigam ler sobre informações importantes, caso você queira fazer esta separação.

Também tem a questão de pessoas diferentes preferirem acompanhar coisas de formas diferentes. Existem pouquíssimos blogs, canais de vídeo ou podcasts lusófonos inclusivos sobre questões NHINCQ+. Caso você se sinta à vontade, tente fazer coisas para estes formatos!

"Mas pra quê tudo isso?"


Muitas identidades/experiências são tratadas como teorias ou trollagem, e precisam ser humanizadas. Descrições de experiências ajudam mais do que só ter rótulos no perfil ou do que repassar definições.

Definições cruas também são importantes, para que pessoas possam achar algo que se identificam sem terem que questionar se são tanto daquela identidade quanto outras pessoas. Além disso, podem ser mais eficientes para quem só quer saber resumidamente o que algo significa.

De qualquer forma, muita gente sofre e/ou se isola por não existirem espaços inclusivos de suas identidades. Outras pessoas acabam tendo que esconder parte de suas identidades para não serem alvos de chacota em espaços "LGBT", que supostamente são seguros para cada pessoa viver a sua verdade.

Muita gente sofre a discriminação da sociedade em geral por não ser cis/hétero/perissexo e precisa passar por situações humilhantes ou desgastantes quando fala disso ou tenta usar recursos para pessoas "LGBT", por não ter as identidades certas.

Sentimentos de confusão e solidão que podem ocorrer quando alguém não tem vocabulário para descrever o que sente ou comunidade que entenda tais sentimentos também podem prejudicar a vida da pessoa.

Além de questões objetivamente negativas, tem a simples questão de pessoas de qualquer identidade merecerem a oportunidade de conhecer que rótulos podem usar e de saber que existem outras pessoas que passam pelas mesmas experiências.


Artigo, pronome, final de palavra


Então, para quem não sabe, artigo/pronome/final de palavra foi uma invenção minha.

Mas não foi só uma ideia que eu tive um dia, e sim algo que passou por um processo de planejamento.

Contexto inicial


Em 2015, quando me descobri não-binárie, as comunidades anglófonas que eu frequentava já tinham as seguintes noções:

1) Conjuntos de pronomes não são óbvios pela aparência ou pelo gênero, e precisam ser sempre perguntados/pesquisados no perfil.

2) Conjuntos de pronomes não devem ser classificados como femininos, masculinos, de homem, de mulher, etc. Afinal, pessoas de qualquer identidade de gênero podem usar qualquer conjunto de pronome por qualquer motivo.

Portanto, usar "pronomes femininos" como eufemismo para she/her ou "pronomes de homem" como eufemismo para "he/him" é cissexista e reforça normas de gênero, além de ser algo desnecessário. Apenas diga logo seus pronomes.

3) Neopronomes são válidos.

Sim, existe they/them, mas muita gente não gosta da conotação de geralmente ser um pronome usado no plural, ou da conotação de ser um pronome usado por qualquer pessoa cuja identidade é desconhecida. Existe gente usando sie/hir, e/em ou outros pronomes há décadas, e não é porque they/them no singular virou mais popular que agora todo mundo tem que abandonar outros pronomes.

3) Qualquer neopronome é válido.

Tem pessoas que não querem só escolher um conjunto de neopronome já conhecido e bastante utilizado. É mais importante que a pessoa tenha pronomes que pareçam confortáveis e/ou que sejam adequados para sua identidade do que serem pronomes "aceitáveis" ou "conhecidos".

A maioria das pessoas nem respeita they/them ou neopronomes comuns, então pra quê se forçar a se adequar a estes, ao invés de usar algo que gosta mais?

4) Conjuntos auxiliares existem.

Se a pessoa usa pronomes considerados difíceis de decorar, é recomendável ter um conjunto auxiliar usado para quem não sabe usar bem o(s) principal(is), sendo que tal conjunto auxiliar também precisa ser confortável para a pessoa.

(Exemplo: alguém pode preferir fei/fire/fires/fires/fireself, ainda que não se importe com they/them/their/theirs/themself; daí a pessoa diz que este primeiro conjunto é o que quer que usem, e que they/them é o auxiliar para quem não consegue usar fei/fire.)

O que eu tirei disso


Eu usei e ainda uso they/them, e mais tarde também adotei ey/em, em contextos anglófonos.

Em 2015, eu ainda não tinha me aberto como NB para a maior parte das pessoas à minha volta, então nem tinha considerado tanto que pronome eu usaria em contextos lusófonos. Mas os princípios acima sempre fizeram sentido pra mim, e não achei que eles seriam considerados novidades ou complexos demais.

O pronome


Eventualmente, comecei a procurar por neopronomes em português.

No início, achei alguns meio suspeitos, como el@, elx e elæ. (Pesquise por português nesta página. Esta suposta lista está em quase toda fonte de língua inglesa que lista "pronomes neutros em outras línguas".)

Daí lembro de ter encontrado uma página que nunca mais vi, que sugeria êla, éle, ilu, ili, e mais alguns, talvez elu e ile.

Na época, eu não sabia do guia para linguagem neutra da Wiki Identidades, e nem havia visto pessoas usando o pronome elu.

Mas foi por essa época que também li em algum lugar que a letra x em palavras como elx, delx e lindx não é pronunciado.

Enfim, haviam alguns problemas com estes pronomes que eu tinha achado:

1) Tanto o final u quanto o final e em pronomes como elu e ile me remetiam demais a algo "masculino". Não é a minha intenção aqui dizer que estes são "pronomes masculinos", ou de acusar pessoas que usam estes pronomes ou que os usam como neutros de serem mascunormativas, mas isso é algo que me deixa com gosto amargo demais na língua para me sentir confortável usando um desses como um pronome para mim.

2) Pronomes como êla, éle, elæ e el@ pra mim são muito "mistura dos pronomes aceitos", e não era isso que eu estava procurando.

3) A maioria destes pronomes estava sendo apresentado como propostas de pronomes neutros. Eu não queria um pronome neutro, usado para qualquer pessoa quando não se sabe o pronome que deveria ser usado para ela. Eu queria um pronome que fosse explicitamente algo que só uma pessoa não-binária ou muito fora dos padrões de gênero iria querer usar.

4) Eu queria um pronome relativamente parecido com ele e com ela, para eu poder dizer "eu uso [pronome]" da mesma forma que outras pessoas dizem "eu uso ele" ou "eu uso ela". Eu achava que "eu uso ili" poderia ser bem mais difícil de entender.

(Depois percebi que qualquer neopronome é "fora da realidade" demais para a maioria das pessoas que usam ele ou ela, não importa o quanto seja uma palavra parecida.)

Mais tarde, soube também da questão de pronomes como elx e el@ não serem pronunciados corretamente por leitores de tela, mas eu não pensei nisso na época.

Enfim, eu me decidi pelo pronome eld (pronunciado mais ou menos como "éldi"), que é fácil de entender como bem diferente de ele/ela, mas que também é similar a estes. Também gostava do pronome elx, então essa virou uma alternativa também.

Mas, ao contrário da língua inglesa, não são majoritariamente pronomes que diferenciam os "gêneros linguísticos" da língua portuguesa.

O final de palavra


Se eu dizia que era pra usar elx pra mim, as pessoas também já consideravam óbvio que todas as palavras com diferenciação de conjunto de linguagem (ou seja, que eram diferentes para quem usava ela e para quem usava ele) usavam x no final. (Administradorx, alunx, atrasadx, etc.)

Mas eld não teria como funcionar desta maneira. O som de el faz com que não seja difícil de colocar uma consoante depois, mas este não é o caso de outras palavras.

Eu também não via a necessidade de usar d como final de palavra. O trabalho do pronome eld é somente de ser uma alternativa a ele, ela, elu ou outros pronomes.

Mas, no início de 2016, eu também não me sentia à vontade usando o final de palavra e para mim, que era ao menos um consenso maior do que qual pronome seria mais apropriado para ser usado como neutro.

E, aliás, eu me questionava também sobre a questão desse e. Por que elx tinha que vir com o final x, mas literalmente qualquer outro pronome além de ele e de ela tinha que usar o final e?

Enfim, naquele momento, eu me sentia mais confortável usando um final de palavra cortado. Eu simbolizava (e simbolizo) aquilo na escrita usando ', como em administrador', alun' e atrasad'.

Assim como um x não pronunciado, algumas palavras ficariam iguais às associadas com o pronome ele (como corredor', administrador' e autor'). Algumas também eram chatas de pronunciar, como d'.

Mesmo assim, era o final de palavra mais confortável pra mim, e usei ele por meses.

Só que agora não dava só pra depender do pronome pra indicar o resto. Eu não queria que qualquer pessoa que decidisse usar eld tivesse que usar ' como final de palavra, especialmente se x e e eram opções bem mais populares e aceitas.

Se na língua inglesa havia mais de um elemento do conjunto, porque só um pronome pessoal não vai ser óbvio (ze/hir/hir/hirs/hirself e ze/zem/zeir/zeirs/zemself são conjuntos diferentes), na língua portuguesa também iríamos precisar de mais do que um elemento.

E se esse elemento novo ficaria no fim das palavras, também faria sentido estar no fim do conjunto: ele/o, elu/e, eld/', elx/x.

O artigo


Eu também fiquei pensando em que outros elementos não são tão fáceis de presumir só com o pronome e com o final de palavra, e cheguei na questão de qual seria meu artigo definido.

Afinal, o final de palavra que eu mais gostava era algo sem pronúncia. E não acho que deveria haver a necessidade de dizerem que sou "' Aster" ao invés de "Aster". Mas haveria como indicar isso?

Quem usa final de palavra a também usa artigo a, e quem usa final de palavra o também usa artigo o (ou pelo menos era assim na época). Como o final de palavra neutro mais popular era e, essas pessoas usariam artigo e? Não seria impossível, e na maior parte das vezes não seria algo difícil de entender, mas será que essas pessoas que descartam uma série de possibilidades por não serem neutras ou fáceis o suficiente concordariam com isso?

Em um livro de latim na biblioteca do meu avô, descobri sobre os pronomes ea, is e id. Acredito que estes tenham dado origem aos pronomes her, his e it, respectivamente.

Isso me inspirou a usar ed como artigo. Afinal, tem suas semelhanças com eld, só tem duas letras, não poderia ser confundido com outra palavra, e faz referência a um pronome neutro antigo.

(Mais tarde, percebi que pessoas só conseguiam ver ed como meu nome ou parte do meu nome, e fui parando de usar este artigo, mas ainda acho ele legal.)

Enfim, eu precisaria encaixar isso no conjunto de alguma forma. Pensei em usar eld/ed/', porque o pronome geralmente vem primeiro. Mas como artigo é algo que vem antes de um nome ou de algo que o substitui, achei que seria mais intuitivo deixar o artigo primeiro: ed/eld/'.

Com os anos, eu fui vendo que realmente não existe muito consenso em qual artigo deve ser usado como neutro. Muita gente usa e, muita gente não usa nenhum, algumas pessoas usam ê, e já vi um trabalho de faculdade onde alguém sugeriu le. Também por este motivo, acho que especificar o artigo pode ser importante.

O uso de conjuntos artigo/pronome/final de palavra


Mesmo que muitas comunidades não tenham aderido a ele, por mais que existam vários guias e exemplos, eu diria que comunidades que usam o sistema acabam sendo positivas para pessoas que nunca se sentiram confortáveis tendo que escolher entre ele, ela, nenhum e/ou elu.

Eu vi alguém usando o pronome ily, e com três opções de final de palavra (acho que eram a, e e y, mas não tenho certeza). Eu vi alguém usando i/ile/e. Eu vi alguém usando -/ély/y. Eu vi gente usando ele com o final de palavra e. Eu vi alguém usando o/ely/o.

Esta diversidade toda só é possível quando a possibilidade é dada, tanto para experimentar, quanto para expressar, quanto para aprender. Eu já passei ali em cima vários links que podem ajudar a compreender melhor como este sistema funciona, se ainda houverem dúvidas.

Atualmente, eu também uso o pronome elz, geralmente descrevendo seu conjunto como ze/elz/e, e o pronome éli, geralmente descrevendo seu conjunto como -/éli/e. Conheço uma pessoa que usa -/elz/e e outra que usa i/éli/i. Estas nuances não conseguiriam coexistir se cada pronome tivesse que vir com artigo e final de palavra determinados.

Se alguém ainda quiser saber mais sobre a necessidade de haverem múltiplas linguagens fora da norma, sugiro que leia Em defesa de uma multiplicidade de pronomes.

Possíveis expansões


Eu entendo que tem uma série de outras coisas que o uso varia de pessoa pra pessoa. Considerando o final de palavra e, eu usaria essie (a terminação -ie é usada quando a terminação -e é usada para quem usa o conjunto o/ele/o), minhe e sue, mas tem gente que usa essu, mi e su (sendo a palavra essu geralmente usada pra quem usa o pronome elu, e mi e su universais pra qualquer pessoa que não usa meu/minha ou seu/sua).

Existe uma proposta de, ao invés de usar final de palavra para pronomes demonstrativos (-/ily/e → essie/estie), usar o próprio pronome pessoal, trocando a letra l por ss/st (-/ily/e → issy/isty). Porém, isso não funciona bem para pronomes como eld, elz e el, e não sei o que pessoas que usam ilu pensam sobre ter pronomes demonstrativos issu e istu.

Uma expansão do sistema artigo/pronome/final de palavra foi sugerida aqui, e uma ferramenta para testar conjuntos para esta expansão está disponível aqui.

Porém, enquanto as pessoas não conseguem nem largar de usar "pronome ela", "pronomes masculinos" ou "elu/delu" mesmo que um monte de material que fale da importância de colocar também o artigo e o final de palavra e que ensine a usar isso seja passado para elas, no máximo acho que poderíamos colocar um elemento a mais, como em ze/eld/essie/e ou -/elx/essx/x.

(Colocar delu/deld/dela/dele/déli/etc. só vai ser útil quando pessoas realmente tiverem pronomes começando com consoantes que não podem ser encaixadas em d[pronome] facilmente. Porém, o único caso que conheci que se encaixa é de uma única pessoa que usou o pronome ty por um tempo, ao mesmo tempo que também usava outros pronomes que começavam com vogal, então não entendo a insistência.)

Por que todo mundo deveria usar o sistema artigo/pronome/final de palavra, e não só quem precisa disso pra expressar sua linguagem?


Porque é só pelo meio da normalização que isso vai ser algo que todas as pessoas vão entender e respeitar.

Se alguém só ver li/ilae/i no perfil de alguém, sem nunca ter visto algo similar, vai achar que é uma referência ou código, não um conjunto de linguagem.

Se alguém estiver acostumade com sues amigues bináries usando o/ele/o e a/ela/a em seus perfis, a pessoa vai ter alguma base para suspeitar que li/ilae/i seja um conjunto de linguagem.

Na anglosfera, eu nunca vi alguém usando she sem também usar her, ou usando he sem usar him, ou usando it sem usar its, ou usando they sem usar them.

Mas falar que você usa um conjunto normalizado como they/them, they/them/their, they/them/themself ou they/them/their/theirs/themself, ao invés de só dizer "they" ou "they pronouns", faz com que as pessoas já se acostumem com a ideia, para que quando alguém avise que usa algo como fae/faer, xe/xem/xyr, kit/kits/kitself ou ne/nem/nir/nirs/nemself, as pessoas ao redor já tenham o padrão na cabeça e tenham menos chances de não entender ou de errar.

É a mesma coisa aqui. Se você acostuma as pessoas com "pronomes masculinos/femininos/neutros", quando alguém fala "artigo ze, pronome elz, final de palavra e", as pessoas acham que aquilo é absurdo, complexo ou confuso demais.

Se você acostuma as pessoas com "elu/delu" e afins, e aparece alguém que usa pronome ele e final de palavra e, lá vem a confusão e as acusações de confundir de propósito e sem necessidade.

E mesmo se você usa elu/e, ainda tem a questão do artigo, que, como falei, é algo que muita gente que usa algo fora de o/ele/o e de a/ela/a tem preferências completamente diferentes entre si.

Tire um pouco do peso das costas de quem só está confortável com linguagens pouco óbvias: ensine as pessoas a sua volta a usarem artigo/pronome/final de palavra.

Mas minha linguagem é qualquer/nenhuma/rotativa, eu não deveria precisar usar este sistema!


Sem problemas! Admito que "qualquer linguagem serve", "não use nenhum conjunto de linguagem específico para se referir a mim" ou "tanto faz a linguagem, desde que fiquem trocando" pode ser mais fácil de explicar assim ao invés de por meio de artigo/pronome/final de palavra.

Mas, se quiser usar este sistema mesmo assim, você pode usar [qlq]/[qlq]/[qlq], -/-/- ou [rtt]/[rtt]/[rtt], respectivamente.

Você também pode querer usar algo como -/íli/[qlq] ou [qlq]/[rtt]/e.

Eu diria que a carga maior deveria estar em cima de quem usa aqueles resumos/eufemismos que falei, e que usam conjuntos de linguagem que mais pessoas conhecem e usariam direito não importando qual o formato que estivessem.

Mas eu não vou mandar um texto longo e pouco explicativo desses pra quem não sabe de nada!


Ok, tente enviar uma ou mais destas páginas. Materiais que são mais focados em explicações práticas não faltam.


Atração física e emocional


Uma breve explicação e discussão destes conceitos, acompanhadas de uma explicação sobre o motivo destes conceitos precisarem ser adotados.

Como já coloquei em minha postagem sobre atração alternativa, me interessei pela ideia de que atrações (e, portanto, orientações) podem ser físicas ou emocionais.

Pelo que eu entendi, seria o seguinte:

Atrações físicas seriam as que são relacionadas com aparência e/ou com querer tocar a pessoa de certo modo. Ou seja, seriam centralizadas em volta de querer interagir com o corpo da outra pessoa.

Atração sexual (achar uma pessoa gostosa e/ou querer fazer sexo com ela) seria um tipo de atração física.

Atração sensual/sensorial (querer trocar carinho com alguém, podendo incluir nisso beijar e agarrar ou não, dependendo da pessoa) também.

E acredito que atração estética (achar uma pessoa bonita e gostar de olhar pra ela) também caberia aqui.

Enquanto isso, atrações emocionais seriam as relacionadas com querer proximidade emocional, interações faladas/escritas e/ou relacionamentos compromissados com alguém. Ou seja, seriam centralizadas em volta de querer interagir com a mente da outra pessoa.

Atração romântica, platônica e queerplatônica seriam assim atrações emocionais.

(A postagem sobre atração alternativa que mencionei também explica o que é atração platônica e queerplatônica, caso alguém tenha interesse em saber.)


O único problema que eu vejo em ver estas divisões como universais é que, assim como os tipos de atração em si, estas coisas não estão separadas para todo mundo.

Existe gente que vê coisas como beijar e andar de mãos dadas como parte de sua atração romântica, mesmo que sejam coisas físicas.

Atração alternativa é descrita como emocional, mas não vejo como não poderia ser uma mistura de atração sensual ou outra tipicamente física com platônica, queerplatônica ou outra tipicamente emocional.

Mas até aí também existe um problema em classificar atração romântica, sexual, etc. como separações universais que sempre funcionam da mesma forma.

Muitas pessoas não conseguem separar sua atração romântica da sexual. Para outras pessoas, talvez sua atração romântica e atração sexual contenham também elementos diferentes de atração sensual.

É legal ter modelos mais simplificados que separem na medida do possível todos os tipos de atração, mas é também necessária a informação de que essas separações e experiências não são universais.

Cada pessoa deve decidir por si quais tipos de atração consegue ou não sentir ou separar, quais são os tipos de atração que mais pesam em suas experiências, e quais rótulos de orientação vai usar baseando-se nisso. É também possível cunhar novas palavras para descrever tipos de atrações que não estejam sendo bem descritos pelos rótulos atuais.


No momento, não vejo mais dano em descrever atrações/orientações como físicas e/ou emocionais do que em dizer que atração sexual, romântica, platônica, estética, sensual/sensorial e alternativa são diferentes entre si. Estas categorias podem não ser úteis para todo mundo, mas para muita gente elas são.

Assim, ao invés de usar termos como "orientação sexual e/ou afetiva", podemos usar "orientações físicas e/ou emocionais relevantes". Caso haja a necessidade, exemplos de orientações diferentes podem ser dados (como assexual, gay, heterorromântique, bialternative, feminamórique, etc).

Dou esta sugestão porque, para algumas pessoas, é importante não dizer só orientação ou orientações. Porém, o uso de orientação sexual, de orientação sexual e romântica ou de orientação sexual e afetiva é excludente.

Talvez poucas pessoas, ou mesmo nenhuma pessoa, veja sua orientação estética ou de proteção como relevante a ponto de só se considerar heterodissidente por causa dela, ou a ponto de considerar que suas orientações destes tipos quebram as normas de atração da sociedade por si só.

Mas aroaces orientades consideram atrações além da sexual e da romântica relevante. Pessoas arromânticas de diversas orientações sexuais podem querer considerar sua atração queerplatônica ou alternativa relevante. Pessoas assexuais podem considerar atrações físicas além da sexual relevantes.

Não é o suficiente pensar que já são pessoas cuja orientação não pode ser descrita somente como hétero por serem assexuais/arromânticas, e que portanto outras orientações não precisam ser consideradas. Afinal, e quando se trata de incluir pessoas variorientadas em grupos baseados em ser lésbique, bi, gay, multi, sáfique, aquileane?

Ao dizer que alguém precisa ser bissexual para estar em um evento bi, isso exclui pessoas que não conseguem se considerar bissexuais, mesmo que historicamente a palavra não fosse restrita a uma orientação exclusivamente sexual. Os tempos mudam. Homossexual já também não é mais uma palavra sinônima de LGBTQIAPN+, mesmo que um dia tenha sido.

Talvez orientações físicas e/ou emocionais relevantes não seja uma explicação ou um termo guarda-chuva ideal, mas ainda é melhor do que as outras alternativas que tentam explicar melhor o que consiste em orientação.


Tudo o que eu sei sobre atração alternativa


Aviso de conteúdo: Este artigo contém várias descrições do que acontece sob amatonormatividade, além de uma breve menção a sexo em relacionamentos queerplatônicos.

Também menciona algumas invalidações de experiências aplatônicas/aqueerplatônicas e de quem sente/não sente atração alternativa. Eu pessoalmente não acho que tenha nada particularmente pesado, mas não custa avisar.


Esta postagem é sobre atração alternativa, já que não existem referências detalhadas sobre o assunto em português. Alternative (com final de palavra flexível) é minha tradução para alterous. Vou explicar depois o motivo desta tradução.

O objetivo desta postagem é informar sobre o que atração/orientação alternativa pode significar, e sobre como cheguei nestas conclusões. Portanto, esta postagem não será um apanhado sobre a história do termo ou sobre todes es discussões e símbolos existentes, e sim apenas algo que tenta trazer mais detalhes sobre o conceito.

Recomendo ter algum conhecimento sobre a existência de mais de um tipo de atração antes de ler esta postagem, mesmo que seja superficial. Se você precisar saber mais sobre isso, sugiro que leia esta página e os links presentes nela.


A primeira vez que vi bandeiras e uma definição de alterous foi aqui.

Alterous attraction is described as neither being (entirely/completely) platonic nor romantic, & is an attraction best described as wanting emotional closeness without necessarily being (at all or entirely) platonic &/or romantic, & is used in the place of -romantic or -platonic (so say bi-alterous instead of bi-romantic). Someone can be both alterous & romantic &/or platonic & can have varying degrees on attraction, ultimately feel discomfort / unease / or just a sense of inaccuracy in calling it wholly romantic or platonic. Similar to queerplatonic/quasiplatonic/quirkyplatonic attraction but not quite the same.


Traduzindo:

Atração alternativa é descrita como não sendo nem (inteiramente/completamente) platônica nem romântica, e é uma atração melhor descrita como querer proximidade emocional sem ser necessariamente ser (relacionada com ou inteiramente) platônica e/ou romântica, e é usada no lugar de -romântique ou -platônique (como, digamos, bi-alternative ao invés de bi-romântique). Alguém pode ser alternative e romântique e/ou platônique e pode ter vários graus de atração, [mas] no final das contas sentir desconforto / inquietação / ou simplesmente um sentimento de imprecisão em chamá-la completamente de romântica ou platônica. Similar a atração queerplatônica/quasiplatônica/quirkyplatônica sem ser exatamente isso.


Caso este bloco de texto tenha sido confuso, acredito que seja nisso que ele queria chegar:

  • Atração alternativa tem a ver com querer proximidade emocional;
  • Ela pode não ter nada a ver com atração romântica e platônica, ou pode ser parcialmente romântica e/ou platônica;
  • Você pode usar -alternative assim como usa -sexual, -romântique ou outras orientações (assim como uma pessoa pode ser birromântica e/ou bissexual, ela pode ser bialternativa);
  • Atração alternativa ocorre independentemente de outras atrações. Ou seja, é possível sentir atração alternativa independentemente de ser arromântique ou alorromântique (fora do espectro arromântico), e/ou de ser aplatônique ou aloplatônique;
  • Atração alternativa é similar à atração queerplatônica, sem ser a mesma coisa.

Meses depois - possivelmente mais ou menos um ano depois - soube de um blog para trazer visibilidade a pessoas que sentem atração alternativa e que consideram ela importante, Alterous Albatross. No blog, a descrição do que é atração alternativa é mais simplificada; só diz que não é completamente romântica ou platônica, e que é um desejo por proximidade emocional.

Pouco depois desse blog ganhar alguma popularidade, algumas pessoas começaram a questionar se a definição de atração alternativa não estava implicitamente colocando atrações platônicas como menos importantes do que românticas, além de prejudicar os esforços de redefinir relacionamentos platônicos como não necessariamente restritos a amizades. Ambas essas questões são lutas que a comunidade arromântica já tinha por anos.

Para que todes estejam na mesma página, vou desviar um pouco o assunto do texto para falar sobre platonicidade e queerplatonicidade.


Como muitas pessoas arromânticas não conseguem querer/manter relacionamentos românticos, nesse meio surgiu uma questão de valorizar amizades, e outra questão de relacionamentos queerplatônicos.

Essa primeira questão é um questionamento das normas sociais amatonormativas. (Se você não sabe o que é isso, pode ler o texto linkado, ou tentar entender pelo contexto abaixo.)

Em sociedades ocidentais, geralmente há a expectativa de colocar relacionamentos românticos como mais importantes do que amizades. Então situações como as seguintes são vistas como normais, ou no mínimo comuns:

  • Alguém se mudar de cidade por causa de sue companheire romântique, quando isso não seria feito por uma amizade;
  • Alguém abandonar sue(s) amigue(s) por conta de ciúmes de ume parceire romântique;
  • Alguém parar de passar (tanto) tempo com suas amizades para se dedicar a um número menor de parceires romântiques;
  • Outras situações aonde relacionamentos românticos têm prioridade acima de amizades.

Isso, além da expectativa de que todo mundo vai ter algume parceire romântique ideal algum dia, prejudica muito pessoas que não sentem esse tipo de atração em algum/qualquer grau e/ou que não querem esse tipo de relacionamento. Portanto, é comum que essas pessoas lutem para que amizades e relacionamentos românticos sejam vistas como relações diferentes mas igualmente válidas, e não como uma hierarquia.

O estereótipo de pessoas arromânticas como "pessoas que não amam" também gerou a resposta "mas podemos ter amizades" de dentro de comunidades arromânticas.

Mas isso, por si só, gerou outra questão. Nem todo mundo tem amizades, e nem todo mundo quer tê-las. Eventualmente, a identidade aplatônica passou a ser usada por pessoas sem vontades de fazer amizades, especialmente pessoas neurodivergentes.

E essas pessoas passaram a lutar contra a ideia de que amizades são necessárias na vida de alguém, ou de que ter amizades dá mais valor à vida de alguém. Mas isso já entra em outro assunto.

A outra questão que surgiu, como já falei, é a de relacionamentos queerplatônicos (RQPs).

Algumas pessoas na comunidade arromântica queriam poder ter relacionamentos próximos, mesmo sem envolver atração romântica ou convenções envolvidas com relacionamentos românticos. Então surgiu o conceito de RQPs.

Cada RQP pode funcionar de uma forma diferente. Mas, em geral, são relacionamentos não-românticos que envolvem alguma forma de compromisso. Parceires queerplatôniques podem querer ter relações sexuais exclusivamente entre si ou não (ou podem nem ter/querer tais relações), podem querer morar juntes ou não, podem querer se casar legalmente ou não, podem querer ter famílias juntes ou não.

Algumas pessoas tinham grandes preferências em relação aos gêneros das pessoas com quem queriam ter RQPs, então algumas pessoas passaram a se identificar como heteroplatônicas, poliplatônicas, mulheplatônicas, etc.

Outras pessoas não queriam RQPs, algumas dessas até achando que começou a ter uma pressão para pessoas arromânticas terem RQPs similar à pressão para ter relacionamentos românticos. Essas pessoas muitas vezes adotaram a identidade aplatônica.

Para resolver a questão do sufixo -platônique estar sendo usado para duas coisas diferentes (a vontade de ter amizades e a vontade de ter relacionamentos queerplatônicos), algumas pessoas resolveram que este segundo uso deveria usar o sufixo -queerplatônique. Assim, uma pessoa que não sente vontade de ter relacionamentos queerplatônicos seria aqueerplatônica (ou aqp).

Algumas pessoas usam o sufixo -amical para indicar vontade de fazer amizades, mas isso é relativamente raro.


Enfim, a questão é que comunidades arromânticas tinham bons motivos para suspeitar da inclusão de uma atração supostamente "entre platônica e romântica". Essas pessoas achavam que o conceito de atração alternativa estava tentando apagar a ideia de que relacionamentos platônicos (incluindo tanto amizades quanto RQPs) poderiam ser tão importantes quanto relacionamentos românticos, mesmo que esta não tivesse sido a intenção.

Algum tempo depois dessa polêmica, eu tive que traduzir alterous para incluir esse conceito no Orientando. Até aquele momento, eu achava que alterous era só uma palavra em inglês que eu não conhecia, já que palavras como sexual, romantic, platonic e afins eram todas palavras já existentes. Mas eu não consegui achar a palavra fora do contexto de atração, e também nunca achei a origem da palavra.

Considerei usar [orientação/atração] alterosa, mas no fim decidi por alternativa. Ela é, afinal, diferente das outras de uma forma difícil de resumir, e eu não queria passar vergonha adaptando mal uma palavra que não sei como foi escolhida.

Tanto essa tradução quanto a descrição que estava até agora pouco no Orientando (desejo de familiaridade e intimidade com alguém, de forma geralmente descrita como entre platônica e romântica) foram feitas antes de eu saber da descrição mais interessante dessa atração com a qual já tive contato.

Num grupo no Discord, uma pessoa arromântica e aplatônica que sente bastante atração alternativa (alguém confiável, mas que nunca postou sobre isso em nenhum lugar para não receber ódio), falou sobre atração alternativa ser qualquer atração emocional que não é 100% platônica ou 100% romântica.

Tal pessoa, que é NB, falou que atração alternativa é basicamente uma atração emocional "não-binária", porque inclui atração que é uma mistura de romântica com platônica, que não tem nada a ver com atração romântica ou platônica, que é parcialmente uma dessas duas e parcialmente outra coisa, que não pode ser definida, etc.

Nesse caso, pessoas que classificam sua atração queerplatônica como diferente de uma atração platônica poderiam dizer que sua atração queerplatônica está dentro do guarda-chuva da atração alternativa.

Portanto, eu sugiro definir atração alternativa de alguma forma parecida com esta:

Atração alternativa é uma atração que envolve o desejo de proximidade emocional, mas que não é nem 100% platônica e nem 100% romântica. Pode, assim, ser uma mistura entre estas duas atrações, relacionada a atração platônica ou romântica sem ser idêntica, algo completamente diferente das atrações romântica e platônica, entre várias outras possibilidades.


Também vale lembrar que algumas pessoas possuem relacionamentos alternativos, sem achar que eles se encaixam em RQPs. Outras pessoas usam os dois termos.

Ao revisitar a descrição de atração alternativa daquela pessoa (para passar os pontos principais dela aqui), percebi que foi uma atração descrita como emocional. Essa é uma das únicas vezes que vi uma atração sendo descrita desta forma, sendo que a outra vez que lembro de ter visto isso foi quando pesquisei sobre conteúdo sobre atração alternativa em português e me deparei com esta lista, que divide os tipos de atração mais conhecidos entre físicas e emocionais.

Eu não sei o quão bem essa divisão funciona, mas enfim, achei relevante colocar a informação aqui.

Para terminar, eu gostaria de falar sobre uma discussão que houve naquele mesmo grupo de Discord, sobre que tipo de orientação alternativa pode ser considerada marginalizada.

Uma pessoa estava com a opinião de que pessoas analternativas (sem atração alternativa) são a norma, enquanto pessoas com atração alternativa não possuem muito espaço para discutirem sues atrações e relacionamentos úniques; fora que relacionamentos alternativos, assim como queerplatônicos, estão fora das normas sociais.

Outra pessoa argumentou que, como alguém que não sentia praticamente nenhum tipo de atração, não ter atração alternativa não é uma vantagem. Afinal, sentir qualquer tipo de atração/ter qualquer tipo de relacionamento, ao menos na maioria das sociedades ocidentais, é algo que valida mais a existência de alguém. "Pessoas arromânticas e assexuais ao menos podem ter amizades/RQPs" é uma tentativa de assimilação, mesmo que atração alternativa seja desconhecida demais para ser mencionada.

A conclusão tirada foi que não considerar uma orientação alternativa como relevante é a norma, enquanto sentir a necessidade de defini-la, independentemente de qual for a orientação, está fora da norma.

Espero que este texto tenha sido interessante, útil e explicativo!


Um guia introdutório para comunidades NHINCQ+ inclusivas


Uma tentativa de minimizar o choque de cultura que as pessoas têm ao entrar em Colorid.es, no servidor de Discord do Orientando.org, etc.

(NHINCQ+ é uma alternativa mais inclusiva a LGBTQIAPN+)

Este guia não está sendo feito para dizer que você precisa agir de certa maneira para conseguir se dar bem em um espaço inclusivo, ou que comunidades precisam ser assim para serem inclusivas.

Este guia tem apenas o objetivo de ensinar sobre alguns conceitos muito conhecidos dentro de várias comunidades inclusivas que giram em torno de justiça social (isto é, comunidades antiopressão), e de ajudar pessoas a interagir com pessoas cujas identidades e comunidades podem ser mais "fora do comum" pra quem está de fora.

Este guia não tem como ser muito resumido, porque é justamente para pessoas que não sabem por onde começar quando deram seu primeiro passo para fora de comunidades que tentam ficar mais dentro de certas normas sociais.

Por favor, avisem se houver algum conceito que não dê para entender nem dentro do contexto, nem procurando aqui e nem fazendo uma rápida pesquisa na internet; tentarei assim colocar alguma explicação ou algum link que explique o conceito.


Informações básicas sobre o funcionamento de opressões


Aviso de conteúdo: menções vagas a opressões, suicídio e violência (vagas porque tentei deixar isto leve, mas ainda mostrar qual é o ponto de ligar pra isso). Se você acha que já sabe o suficiente sobre isso e isso vai te deixar mal, pode passar para a próxima seção.

(Uma nota sobre vocabulário: pessoas marginalizadas são pessoas que são negras, indígenas, mulheres, gordas, gays, trans, autistas, cegas, profissionais do sexo, pobres, etc. Eu não uso o termo minoria porque, embora saiba que minoria neste contexto signifique minoria de poder e não necessariamente de número, termos como grupos marginalizados ou pessoas minorizadas mostram melhor que tais grupos/comunidades/pessoas não estão naturalmente fora de posições de poder, e sim são mantidos fora delas.)

Racismo, misoginia, cissexismo, capacitismo, etc. não são problemas individuais, ou restritos a grupos que querem intencionalmente machucar pessoas marginalizadas. São frutos de sistemas hierárquicos que querem manter certos grupos como normais e/ou ideais, e outros como anormais e/ou inferiores. Com a colonização e a globalização, acredito que a maioria da população mundial tenha sido exposta a esse tipo de ideal.

Isto é, qualquer tipo de opressão vai estar enraizado em boa parte das pessoas que você conheceu, conhece ou vai conhecer. E muita coisa é perpetuada de forma velada; de forma que deixam parecer que não é realmente preconceito/discriminação/opressão, e sim alguma outra questão, como "senso comum" (que é sim pautado nessa lógica opressiva), sorte/azar, mérito ou qualquer outra coisa.

Perpetua-se a ideia de que ódio a grupos marginalizados é só questão de alguém que vai lá e comete alguma violência. Assim é fácil passar a culpa para pessoas específicas, ao invés de todo um sistema.

Alguém não é violentamente racista, misógine, cissexista, heterossexista, etc. do nada. A pessoa possivelmente cresceu com sua família expressando nojo por certo grupo marginalizado, com mídia (programas de rádio, TV, etc.) fazendo piadas em cima de tal grupo marginalizado, com suas amizades usando termos que se referem a aquele grupo marginalizado como algo ruim. Daí a pessoa consegue um trabalho com pessoas que pensam de forma parecida, algume de sues colegas lhe passa conteúdo que fala sobre como tal grupo marginalizado vai destruir seu estilo de vida, a pessoa consome mais mídia com discursos de ódio, e a pessoa decide eventualmente extravasar raiva agredindo alguém, porque não pensa naquela pessoa marginalizada como humana e sabe que ninguém em seus círculos lhe odiaria se soubesse.

É por isso que é necessário quebrar a ilusão de que tá tudo bem desde que fique só entre amizades; de que tá tudo bem porque é só uma piada; de que tá tudo bem porque é só ignorância; de que tá tudo bem porque precisamos respeitar a "diversidade de opiniões"; de que tá tudo bem porque é só conteúdo fictício (mesmo que tal conteúdo esteja sendo consumido em massa a um ponto que muita gente acha que aquilo é uma reflexão fiel da vida real). Todas essas coisas colaboram para que ataques continuem.

E quando não é alguém cometendo violência, são pessoas tendo que viver em volta de outras que fazem piadas sobre algo que é integral às suas identidades, que sexualizam sua existência de forma inapropriada, que menosprezam suas habilidades, que fazem cara de nojo, que gritam coisas na rua, que riem quando essas pessoas pedem respeito, que são maltratadas quando precisam de algum serviço que requer comunicação com outras pessoas, etc. Não é porque essa violência não é física que não importa. E não é à toa que qualquer pessoa marginalizada tem mais chance de desenvolver depressão, alcoolismo ou similares, ou de cometer suicídio.

Ou seja: opressão, no contexto desta postagem e da maioria dos espaços que usam a palavra, se refere a opressão estrutural. Tem uma postagem mais completa sobre isso aqui, mas já aviso que ela contém mais exemplos de exclusão social, automutilação, e outras consequências de opressões.

Para que servem espaços antiopressão


Pelo que está na seção acima, é importante ter espaços que vão contra essas opressões, aonde é possível:

  • Que pessoas marginalizadas tenham espaços que consigam não ter que lidar com esse tipo de coisa o tempo todo;
  • Que pessoas marginalizadas e suas aliadas possam se conhecer e formar redes de apoio;
  • Entender que certas coisas comuns no dia-a-dia contribuem com sistemas opressivos;
  • Aprender a evitar fazer ou apoiar ações envolvendo retórica, vocabulário e/ou violência opressive;
  • Organizar materiais e ações que ajudem outres pessoas e grupos a também parar de contribuir com opressão;
  • Compartilhar experiências relacionadas com opressão e assim desenvolver vocabulário, (re)construção de identidades e culturas fora da norma e estratégias para lidar com sistemas opressivos;
  • Organizar ações coletivas que consigam fazer um grande impacto na cultura e no sistema, almejando uma revolução que danifique ou destrua sistemas opressivos.

Obviamente, nem todo espaço vai conseguir fazer tudo isso; e nem é o objetivo de todo espaço fazer tudo isso, ainda mais quando são espaços pequenos.

Um grupo de amizades no WhatsApp pode tentar não perpetuar sistemas opressivos e ser uma rede de apoio para as pessoas marginalizadas do grupo, mas dificilmente vai partir para fazer ações de educação ou conseguir fazer uma revolução sozinho.

Uma rede social alternativa com pouca gente dificilmente vai criar um grupo coeso o suficiente para cunhar vocabulário que vai ser espalhado em outros lugares, e tem menos possibilidade ainda de construir uma cultura queer significativa ou acabar com o capitalismo.

Ambas essas comunidades podem ser pontos de partida para coisas maiores, e devem ser, se houver a oportunidade. Mas já aviso que muitas vezes isso não é viável, e que isso não significa que o grupo é totalmente inútil, superficial ou reformista.

Em geral, este guia estará tratando de comunidades que não têm mobilização suficiente para fazer ações maiores, porque tenho mais experiência com isso.

Lidando com intolerância


Aviso de conteúdo: menções a opressões, invalidação e assassinato.

Para resumir, pessoas que são abertamente machistas/racistas/cissexistas/heterossexistas/diadistas/capacitistas/etc. geralmente não são bem vindas em espaços antiopressão, a não ser que tais espaços não sejam realmente antiopressão.

Talvez, sim, estas pessoas possam algum dia aprender a não ser assim. Mas, se simplesmente deixarmos elas ficarem em nome da convivência ou da liberdade de expressão ou do aprendizado ou de qualquer outra desculpa do dia, pessoas marginalizadas (o público alvo, na falta de um termo melhor) não vão se sentir tão seguras e vão embora.

É estressante ter que lidar com quem invalida sua existência, e é perigoso ter que lidar com alguém que quer te matar.

Sugiro ler sobre o Paradoxo da Tolerância.

O que são microagressões e qual o motivo de você ter que ligar para elas


Aviso de conteúdo: microagressões de vários tipos ¯\_(ツ)_/¯

Eu fui ver se alguém conseguia resumir o que são microagressões, e achei esta definição:

São palavras ou atos que têm um componente agressivo, mas que de uma forma ou de outra encobrem ou deformam o conteúdo violento que transmitem.


(Fonte)

Também achei esta aqui:

As microagressões são um tipo de maus-tratos psicológicos baseados no desprezo persistente e cotidiano, em uma anulação na qual o outro faz uso das brincadeiras para roubar, pouco a pouco, a nossa autoestima. Estamos diante de um tipo de maus-tratos do qual nem sempre se fala, já que não é tão evidente, não deixa marcas e, às vezes, nem quem o pratica nem quem o recebe são conscientes de que estão diante de uma prática muito destrutiva.


(Fonte)

Ambas as fontes falam de microagressões num contexto mais geral. Porém, em espaços de justiça social, geralmente se fala de microagressões quando estas estão vinculadas a algum tipo de discriminação.

Algumas microagressões que podem acontecer nesse contexto são:

  • Uma pessoa não conseguir explicar porque ela gosta menos de tal coisa, quando o motivo provavelmente tem a ver com o envolvimento de algum grupo marginalizado naquela coisa;
  • Uma pessoa não quer/não gostaria de ter envolvimento social, romântico e/ou sexual com pessoas de certo grupo marginalizado (como se todas tivessem certa característica indesejada);
  • Uma pessoa quer ter envolvimento social, romântico e/ou sexual apenas/preferencialmente com pessoas de certo grupo marginalizado da qual ela não faz parte (como se todas tivessem certas características desejáveis específicas);
  • Piadas "inofensivas" excessivas/indesejadas sobre uma identidade;
  • Piadas, retórica ou termos que igualam ser de um grupo marginalizado a ser algo ruim;
  • Utilização de coisas criadas por pessoas marginalizadas de forma que deturpa e apaga o sentido original delas;
  • Diminuição da importância de uma identidade;
  • Diminuição do impacto de uma opressão ou de coisas que ocorrem por conta de opressão (inclusive em relação a microagressões);
  • Comparação de opressões ou de coisas que ocorrem por conta de opressão para diminuir a discriminação que alguém ou algum grupo sofre ou sofreu.

Alguns exemplos disso são:

  • O presidente é um idiota. Idiota significa "sem inteligência", e inteligência é uma construção social baseada no que uma cultura branca, neurotípica, patriarcal e mascunormativa valoriza. Usar uma palavra que significa "sem inteligência" como xingamento é dizer que pessoas fora dessa norma são piores de alguma forma;
  • Pessoas pansexuais gostam de panelas? Pessoas com atração por muitos gêneros já sofrem com estereótipos baseados em promiscuidade e em "transar com tudo e qualquer coisa". Pessoas de qualquer identidade não-hétero já sofrem com ter que constantemente combater desinformação e presunções errôneas sobre o que suas identidades significam. Essa piada pouco original é só mais uma coisa na pilha;
  • Não sei se vou confiar num jogo feito por uma mulher... contribui com a ideia de que mulheres são piores para realizar trabalhos técnicos ou que não são relacionados a cuidar do lar e de crianças, uma ideia extremamente misógina.
  • Aposto que ele é misógino assim por ter pau pequeno. Isso é atribuir misoginia (novamente, um problema sistemático) a pessoas individuais, além de colocar a culpa disso em uma característica que qualquer pessoa pode ter independentemente do quanto for misógina, e de ressaltar o quanto uma característica comum a muitos homens trans e intersexo é digna de deboche, de nojo ou de mostrar o quanto essas pessoas são "menos homens" por isso. O gênero de uma pessoa não tem a ver com genitália ou com o quanto ela é diferenciada de outra genitália; estas são retóricas extremamente nocivas contra pessoas trans e intersexo.
  • Eu queria namorar um japonês, eles são tão organizados, podiam me ajudar... é uma frase que contribui para as noções de que todas as pessoas japonesas são organizadas (ou seja, gera vergonha em cima das pessoas japonesas que não são por não preencherem esse suposto requisito básico e vergonha em cima das pessoas japonesas que são por contribuírem para esse estereótipo), e para a noção de que são subservientes e prontas para ajudar quem não tem essa habilidade (o estereótipo de asiátique submisse é extremamente nocivo e parte de contextos colonialistas).

"Mas são só coisas que todo mundo diz!" E é esse o ponto. Por serem microagressões, a primeira vista estas coisas parecem inofensivas; mas elas são constantes na vida de pessoas marginalizadas.

Mesmo "elogios" são ruins, quando reforçam estereótipos (ou porque você está dizendo que aquela pessoa é assim por ser de um grupo e não por seu próprio mérito, ou porque você está dizendo que aquela pessoa é diferente do grupo que em geral é inferior).

E mesmo que você não esteja atacando uma pessoa marginalizada diretamente, sua ação demonstra o quão pouco você considera suas questões válidas.

Uma boa dica para evitar "cair no lugar comum" e assim cometer microagressões é se expressar de forma mais literal, quando você não entende bem as conotações da forma figurada.

Ao invés de fazer uma piada usando o nome da identidade de alguém, você pode apenas perguntar o que a identidade significa. Ao invés de usar insultos vazios para ofender alguém, pense no que realmente a pessoa fez/a coisa é, e a descreva diretamente como inconsequente, imprudente, intolerante, nociva, prejudicial, ruim, desprezível, etc.

Obviamente, a questão não é só trocar palavras. A maioria das pessoas também precisa passar por um processo de reflexão sobre o quanto sistemas opressivos estão internalizados nela, e questionar o que foi empurrado como verdade por esses sistemas opressivos, quando prejudica grupos marginalizados e tem pouco fundo de verdade.

Estou falando de questões como categorização de atração sexual baseada em genitálias, categorização de personalidade/interesses baseada em raça/etnia/lugar onde nasceu, categorização de quais pessoas sabem do que estão falando ou não se baseando em se elas falam/escrevem "certo" ou possuem bom equipamento de áudio/vídeo, categorização de qual gênero a pessoa tem e de qual linguagem a pessoa usa baseada em sua aparência, etc.

Eu também recomendo que você evite falar de forma que, ainda que não seja ativamente relacionada com alguma discriminação, remeta a grupos que geralmente perpetuam discursos de ódio.

[Leituras recomendadas (aviso de conteúdo para um monte de discriminações): Get to Know the Memes of the Alt-Right and Never Miss a Dog-Whistle Again, The Far Right's Most Common Memes Explained For Normal People]

Calling out, calling in, postagens educativas vagas


Quando alguém comete uma ou mais microagressões, existem algumas formas de lidar com a pessoa que não são banimento imediato da comunidade ou ignorar o que a pessoa fez.

Ao contrário da questão de pessoas obviamente intolerantes, lidar com quem comete microagressões é complicado, porque é até possível que a pessoa queira corrigir seu comportamento caso perceba que esteja machuchando alguém ou defendendo sistemas opressivos. Mas também é possível que a pessoa insista em fazer algo porque não entende como aquilo pode machucar ou afastar alguém.

Esta seção mostra algumas das formas que comunidades podem lidar com esse tipo de situação.

Callout/call-out/call out é um termo que muita gente que navega bastante pela internet deve ter ouvido falar.

Basicamente se referem a listas explícitas do que alguém fez de problemático, preferencialmente com provas.

Estou colocando call-outs na categoria de "ferramentas intracomunidade" porque raramente vejo call-outs para pessoas que estão completamente fora de uma comunidade (embora eles também existam).

Eu diria que são o resultado de quando uma comunidade não tem como depender de moderação para remover elementos problemáticos; assim, o único jeito de "tirar" alguém de uma comunidade é depender do resto das pessoas bloqueando a pessoa.

Embora não seja impossível de aprender com call-outs, eles são vistos como uma experiência estressante e extrema demais para ser um incentivo ao aprendizado. Em geral, são um último recurso, ou algo desnecessário porque o grupo tem moderação que pode remover a pessoa antes de chegar a esse ponto.

Call-outs também são infames por poderem isolar pessoas mesmo com provas falsas ou por coisas pequenas. Por isso, é recomendável que só sejam feitos por questões sérias, como abuso ou evidência de conexão recente com grupos reacionários. Mesmo assim, muita coisa pode ser resolvida diretamente com a moderação.

Ou seja: em comunidades como Colorid.es e como o fórum e o Discord do Orientando, call-outs provavelmente mais atrapalham do que ajudam, não são recomendados, e podem ser contra as regras em alguns casos.

Ao invés de call-outs, é recomendável fazer call-ins, que ao invés de serem públicos e com o objetivo de fazer todo mundo saber sobre o que a pessoa fez de errado, são privados e com o objetivo de só deixar a própria pessoa saber o que ela fez de problemático.

Caso exista uma moderação ativa e confiável, é possível contatar a moderação (ou reportar diretamente a postagem) para fazer isso. Também é possível tentar falar com uma amizade da pessoa, se você tiver essa intimidade com a amizade mas não com a pessoa.

O problema de call-ins é que eles não são visíveis, justamente para evitar que pessoas tenham que escolher lados ou fiquem falando sobre isso. Então, para a moderação, para as pessoas afetadas e por outras pessoas que tomaram nota, pode ser impossível de ver que a pessoa foi avisada e está disposta a não cometer aquele erro no futuro.

Mesmo assim, pode-se dizer que quando a equipe responsável pela comunidade avisa alguém que seu comportamento está fora das regras do site, isso também é um call-in, mesmo que as regras quebradas não tenham a ver com discriminação.

Se você acha que não vale a pena denunciar, e também não tem intimidade com a pessoa, você pode mandar alguma mensagem pública que eduque sobre a questão.

Eu recomendo tomar cuidado com isso, porque se a mensagem for direta demais, pode ser desnecessariamente hostil, de forma que talvez seria melhor ter falado com a pessoa mesmo. Eu recomendo postar o aviso em outro dia, de forma que não mencione nenhum ocorrido.

Uma mensagem educativa geral precisa ser explicativa: ou seja, precisa dizer que ação problemática está sendo feita, como e por qual motivo tal ação é nociva, e o que pode ser feito no lugar de fazer tal ação (se tal ação for alguma coisa que foi bem intencionada e que poderia ser melhor, e não alguma coisa que só discrimina/incomoda).

A vantagem de uma mensagem pública é que muito mais gente pode ver e aprender. A desvantagem é que você não tem como saber se quem deveria ler e absorver as informações vai fazer isso.

De qualquer forma, é recomendável você denunciar a pessoa ou contatar a moderação quando alguém está cometendo (micro)agressões, caso a moderação tenha o objetivo de manter um espaço inclusivo.

Consumo de conteúdo problemático (também vale para produtos em geral, mas vou focar em mídia)


Midia é um dos assuntos mais fáceis de se falar. Mas, como vivemos sob vários sistemas opressivos, grande parte da mídia reproduz/colabora com estas opressões.

Isso pode ser por meio da própria mídia (por exemplo, um filme com certo grupo marginalizado sendo estereotipado), e/ou pelo meio da produção (por exemplo, pessoas que fizeram o filme já fizeram comentários discriminando contra grupos marginalizados).

As reações a pessoas que falam sobre como gostam desse tipo de conteúdo variam de comunidade para comunidade. Algumas comunidades não vão se importar desde que ninguém fique negando o quanto aquela mídia/quem a fez é nocive para certos grupos, outras nem deixam que pessoas que gostam de certas mídias entrem na comunidade.

Pessoalmente, acho que não há como todos os gostos de alguém serem completamente livres de perpetuar opressão ou de ter qualquer outro problema, mas também não vejo porque alguém comprometeria seu lugar numa comunidade só porque precisa expressar que gosta muito de consumir alguma coisa.

A ideia de que alguém vai ser taxade de {rótulo que expressa que a pessoa contribui ativamente com opressão} só por gostar de {mídia que contribui ativamente ou passivamente com tal opressão} é meio exagerada, mas sugiro prosseguir com cautela.

Aprendendo sobre opressões e discriminação


Infelizmente, eu não consigo resumir tudo o que aprendi por anos em uma lista de links para ler em um dia.

Além disso, linguagem e retórica vão evoluindo com o tempo, e podem diferir de comunidade para comunidade.

Considere acompanhar contas/páginas que falem sobre isso em seus métodos preferidos (RSS, redes sociais, barra de favoritos, etc.), mas evitando acompanhar somente as que são:

  • Apenas/majoritariamente memes e postagens de poucas linhas (sim, isso pode ser legal para chamar a atenção de quem não sabe de nada, mas aprender sobre discussões mais profundas e com mais nuance também é importante);
  • Apenas/majoritariamente chacota de retórica opressiva (novamente, isso pode ser legal, mas tem muita coisa importante que acaba não sendo discutida com esse formato);
  • Curadas por aliades (não que elas não possam ser boas, mas tente centralizar vozes marginalizadas);
  • Focadas em combater uma única opressão a ponto de ignorar que outras existem;
  • Favoráveis a chacota de grupos que não são pró-opressão ou privilegiados só porque "são estranhos" e não são marginalizados por si só (isso significa que é só uma questão de tempo até acharem alvos marginalizados "aceitáveis");
  • Apegadas a termos/argumentos que contribuem para sistemas opressivos (mesmo que o conteúdo seja bom para uma opressão específica).

Existem vários espaços que te permitem fazer perguntas, como Ajuda NHINCQ+ (especificamente sobre questões NHINCQ+) e Writing with color (especificamente sobre como escrever personagens racializades). Sugiro procurar por um espaço assim para fazer perguntas, caso você não tenha conseguido achar o que quer com pesquisas; não é muito legal você mandar esse tipo de pergunta pra pessoas marginalizadas aleatórias.

Evite depender de outras pessoas te avisando sobre algo ser microagressão ou retórica intolerante. Tente se informar de questões além das que colocam na sua frente, e se questionar sobre se certas atitudes suas realmente são inofensivas.

"Errei, e agora?"


Talvez você tenha falado algo que não sabia que era uma microagressão, ou tenha feito uma piada que para muita gente remete a um apito de cachorro reacionário. Talvez outra pessoa tenha percebido isso e tentado falar com você sobre isso. Aqui estão algumas dicas para lidar com isso:

  • Se você concorda que o que fez é errado, não tente se justificar. Peça desculpas (sem exagerar) e pesquise mais sobre o assunto para não cometer o mesmo erro novamente;
  • Se você não concorda que o que fez é errado, pense no motivo pelo qual você não acha que aquilo é errado antes de argumentar. Outras pessoas afetadas não terem falado com você sobre isso antes ou a sociedade em geral achar que o que você fez é aceitável não são bons motivos;
  • Não faça com que a outra pessoa tenha que se dar o trabalho de pesquisar para você o motivo daquilo ser errado. Faça sua própria pesquisa antes de perguntar;
  • Evite trazer pessoas que não fazem parte da situação para a discussão (e, se quiser fazer isso, confira com essas pessoas em uma situação privada primeiro se aceitam fazer parte dela).


Sobre identidades que você nunca viu


Agora começa a parte que se aplica especificamente a espaços NHINCQ+ inclusivos.

Nestes espaços, é comum você ver pessoas demonstrando que são de identidades que você achava que ninguém usava de verdade, ou das quais você nunca ouviu falar.

O mundo heterodissidente (de pessoas cuja orientação não pode ser precisamente descrita apenas como hétero) vai além de L/G/B.

E comunidades inclusivas vão conter pessoas que se sentem seguras para dizer que sua atração é fluida (por meio de rótulos como arofluxo, abrossexual ou outros), por mais de um gênero (por meio de rótulos como toren, polissexual, pan ou outros), condicional (por meio de rótulos como demi, lith, fray ou outros), inexistente (por meio de rótulos como omniarromântique, assexual estrite, claperromântique ou outros), fraca/vaga/ocasional (por meio de rótulos como gray-a, acevague, caligo ou outros), por pelo menos certo gênero (por meio de rótulos como dórique, trízique, aquileano, sáfica ou outros), e por assim vai.

O mundo cisdissidente vai além de pessoas trans binárias (ou seja, pessoas que se identificam somente como homens trans/transexuais/transgênero ou como mulheres trans/transexuais/transgênero) e de pessoas que só se definem como não-binárias.

Existem pessoas que não são contempladas pela cisnormatividade mesmo que se identifiquem totalmente com seu gênero designado (como pessoas utrinquegênero e ipsogênero), existem pessoas que não se dizem não-binárias mesmo que se encaixem na definição, entre outras. (Se você está falando de pessoas cisdissidentes ou não-cis num geral, estas pessoas precisam ser inclusas também.)

Também existem muitas pessoas que preferem usar rótulos mais específicos do que não-binárie. Por exemplo, uma pessoa gênero-vácuo é totalmente sem gênero e/ou tem vácuo no lugar do gênero; alguém que é nonvir tem uma identidade de gênero fortemente ligada com masculinidade mas completamente afastada do gênero homem; alguém que é gênero-fae muda de gênero de tempos em tempos mas sua identidade de gênero nunca muda para gêneros que são masculinos.

Cada rótulo possui suas particularidades, e tais particularidades podem afastar ou atrair pessoas para certos rótulos, mesmo que mais de um rótulo possa ser utilizado para a mesma situação.

Boa parte das pessoas que usa rótulos menos conhecidos também usa rótulos mais conhecidos em outras ocasiões. Mas isso não é algo que pessoas devem ser forçadas a fazer.

Existe uma postagem aqui que fala mais sobre os motivos de pessoas preferirem certos termos a outros.

Em questão de pessoas intersexo... bem, é raro que pessoas não-perissexo se identifiquem com outra coisa, mesmo que algumas pessoas não gostem da conotação errônea de "entre os sexos" que intersexo dá. (Pessoas com cromossomos XXX ou XYY não estão "entre" os dois sexos aceitos pela sociedade eurocêntrica cristã, mas ainda são intersexo, por exemplo.)

De qualquer forma, o que você precisa ter em mente em relação a interagir com pessoas com identidades diferentes da sua é isso:

  • Não é legal afirmar que certa identidade é inútil apenas porque existem outras parecidas (mesmo se houver uma exatamente igual, nomes alternativos não são necessariamente inúteis);
  • Antes de sair falando que uma identidade é problemática, tente falar com outras pessoas sobre isso e ver muitas perspectivas sobre a questão, para ter certeza de que você não está apenas contribuindo com discriminação;
  • Não sugira identidades "mais adequadas" para pessoas que não as requisitaram;
  • Evite fazer perguntas como "por que você usa {rótulo 1} ao invés de {rótulo 2}?" Caso você realmente tenha esta dúvida, coloque ela de forma geral ("por que alguém usaria [...]") em um lugar que mais de uma pessoa possa responder, e coloque um aviso de conteúdo de possível invalidação para que isso não seja jogado na cara de pessoas frágeis cansadas desse tipo de pergunta;
  • Evite fazer perguntas como "mas por que você se identifica como {rótulo}?" A não ser que alguém tenha dito explicitamente que não se importaria em responder, essa é uma questão que pode ser extremamente pessoal e complexa demais para responder a uma pessoa aleatória;
  • Evite fazer perguntas sobre nomes de registro, genitália, funções corporais, transição hormonal ou outras questões pessoais, por mais que você tenha curiosidade de saber;
  • Evite fazer piadas sobre ter uma identidade específica demais (ex.: "nossa eu devo ser celebsexual eu só tenho tesão por celebridades"), especialmente se você não usa identidades tão específicas quanto as da piada;
  • Não presuma que pessoas não passaram por certos tipos de discriminação por terem identidades diferentes da sua. Pesquise e procure conhecer outras experiências;
  • Não tente resumir ou reduzir a importância de certas identidades (ex: "pra mim, qualquer homem que gosta de homens é gay");
  • Tente usar linguagem inclusiva quando sua postagem se aplica a vários grupos (ex: se você está falando sobre qualquer pessoa que sente atração por vários gêneros, use multi ao invés de bi). Vários termos pouco conhecidos podem te ajudar nisso, então sugiro que você pergunte sobre isso!

Ah é, se você usa LGBT ou LGBTs, eu sugiro mudar isso. Talvez você esteja acostumade com essas siglas serem o auge da inclusão, mas estas siglas foram e são usadas para excluir propositalmente pessoas intersexo, assexuais, arromânticas ou mesmo de outras identidades que "tecnicamente poderiam ser da sigla original", mas que "se fossem mesmo da comunidade mesmo só diriam que são bi ou trans ou lésbicas ou gays e pronto".

Isso não significa que você tem que usar NHINCQ+, queer ou algo igualmente abrangente e pouco aceito. Você também pode usar LGBT+, LGBTQ+, LGBTI+, LGBTQA+, LGBTQI+, LGBTQIA+, LGBTQIAP+, LGBTQIAPN+, QUILTBAG+, comunidade arco-íris ou outras variações disso.

Não existe lista completa de todas as identidades NHINCQ+, mas se você está procurando pelo que significa algo específico, pode tentar achar a resposta aqui, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui.

Você não precisa saber de todos os termos existentes ou usados, mas sugiro que tente manter a mente aberta e evitar excluir pessoas injustamente.

Sobre linguagem pessoal e neutra


Para os propósitos deste texto, vou definir linguagem pessoal como conjuntos de linguagem que pessoas usam para si, e linguagem neutra como conjuntos de linguagem usados para grupos com linguagem pessoal mista ou para pessoas cuja linguagem pessoal não foi determinada.

Por exemplo, a linguagem certa para se referir a uma pessoa chamada Maria é o artigo a, o pronome ela e o final de palavra a (a/ela/a). Então podemos dizer que a/ela/a é a linguagem pessoal da Maria.

Daí suponhamos que exista outra pessoa, que se chama Leandro, e que usa o/ele/o. Esta é a linguagem pessoal de Leandro. Maria deve se referir a Leandro usando o/ele/o, mesmo que a linguagem pessoal dela seja a/ela/a.

Agora, digamos que alguém queira se referir à Maria e ao Leandro ao mesmo tempo. Você pode usar "eles", mas isso significa dar prioridade à linguagem de Leandro, e isso tem base na ideia de que o/ele/o é uma linguagem mais importante por ser mais usada por homens. Você pode usar "elas", mas isso significa dar prioridade à linguagem de Maria; e como usar a/ela/a como linguagem neutra não é algo comum, é possível que te interpretem como alguém que não quer reconhecer que Leandro usa o/ele/o.

Na maioria dos lugares, ninguém vai estranhar se você se referir a estas duas pessoas como "eles". E não é proibido fazer isso em espaços inclusivos.

Porém, pense na seguinte questão: um grupo de 5 pessoas está fazendo panfletos sobre a identidade trans. Três são mulheres trans, e usam a/ela/a. Uma é um homem trans, que usa o/ele/o. Uma é uma pessoa não-binária transfeminina, que usa -/ila/e.

Se referir ao grupo como "eles" está centralizando a identidade de um homem acima da identidade de quatro não-homens, que, inclusive podem ter uma grande repulsa a serem tratades por uma linguagem vista pela sociedade como a associada ao seu gênero designado. Se referir ao grupo como "elas" pode fazer as duas pessoas que não usam a/ela/a se sentirem mal, porque homens trans já são acostumados com pessoas usando a/ela/a por invalidação, e pessoas que usam neolinguagem (o que inclui qualquer pronome diferente de ele e de ela e qualquer final de palavra ou artigo diferente de a e de o) também já estão acostumadas com serem invalidadas pelo meio de usar uma das linguagens padrão.

Ou, alternativamente, pense na seguinte questão: você quer se referir a um casal aonde uma das pessoas usa a/ila/a e a outra usa ze/elz/e. Usar tanto "eles" quanto "elas" já carrega uma grande associação com maldenominação.

Portanto, é preferível e recomendável que você use (ou ao menos treine usar) alguma linguagem que não remeta nem a o/ele/o e nem a a/ela/a. Os conjuntos e/elu/e e ê/elu/e são populares como neutros, mas também existem pessoas que propõem e/ile/e, le/elu/e ou i/ili/i.

Caso os exemplos não tenham sido suficientes para entender esta questão, aqui tem um resumo sobre o que são conjuntos de linguagem, e aqui tem uma página mais completa sobre neolinguagem e conceitos relacionados.

Mesmo que, no fim, você não queira usar algum conjunto que use neolinguagem como linguagem neutra, é extremamente importante que você ao menos aprenda a respeitar os conjuntos de linguagem pessoal alheios.

Enfim, minhas recomendações são as seguintes:

  • Não presuma gênero ou linguagem com base em aparência ou atitude. Confira a linguagem pessoal no perfil da pessoa antes de se referir a tal pessoa com qualquer termo que remeta a alguma linguagem específica;
  • Caso não haja informação sobre a linguagem de alguém em lugar nenhum, e não faça sentido perguntar, pode ser uma boa ideia usar linguagem neutra, desde que você não esteja usando a/ela/a, @/el@/@, o/ele/o ou similar como linguagem neutra;
  • Caso você não saiba como usar certo conjunto de linguagem, você pode tentar usar este gerador, que dá uns exemplos. Se precisar saber algo mais específico, você pode perguntar, ou chutar e indicar que não tem certeza de como é a forma certa;
  • Assim como em relação a identidades em si, não faça piadas ou presuma que sabe o quanto a vida de alguém é fácil pelo conjunto de linguagem pessoal que a pessoa escolheu.

Você também não deve presumir que a sua linguagem pessoal é óbvia para outras pessoas. Recomendo colocar sua linguagem no perfil. E caso alguém pergunte sobre sua linguagem, por favor responda adequadamente, ao invés de dar respostas indiretas que dependem de presunções cissexistas, exorsexistas, ou conformistas de gênero ou de linguagem para funcionar.

(Exemplos de respostas cissexistas, exorsexistas e/ou conformistas de gênero/linguagem para a pergunta "que conjunto de linguagem você usa" são: "olha minha foto e vê o que você acha", "eu sou mulher", "uso linguagem masculina", "uso pronome ele", "elu/delu" e "eu tenho um pau né". Todos estes exemplos dependem de presunções que excluem pessoas fora de certas normas.)


Espero que este guia tenha sido informativo!

Caso você tenha alguma dúvida, é só deixar um comentário!


Alguns termos relevantes em comunidades sobre justiça social


Eu estava escrevendo esta postagem e percebi que seria útil definir alguns termos usados no texto, e apontar que alguns comportamentos podem parecer inocentes quando são problemas recorrentes.

Como aquele texto já é bem longo e vários dos termos não eram tão relevantes, decidi colocar isto à parte.

Caso você tenha vindo de outro lugar, procurando por uma palavra específica, tente usar a função de busca de seu navegador (é por isso que cada termo está listado com múltiplas alternativas, quando é possível).

Termos traduzidos são priorizados quando disponíveis, mas há termos que simplesmente não possuem equivalentes fora da língua inglesa.

Definições de termos que descrevem opressão/discriminação (racismo, capacitismo, misoginia, etc.) ou coisas específicas dentro de certa opressão/discriminação (reducionismo de gênero, slut shaming, etc.) não estão disponíveis aqui. Caso você tenha interesse, Vitor Rubião tem umas listas disso aqui e aqui.

A

Aliades, aliados, aliadas, ally, allies


Aliades são pessoas que tentam auxiliar grupos marginalizados aos quais não pertencem, ajudando-os a combater sistemas opressivos e discriminação. Tem uma série de questionamentos envolvendo o termo, mas não vou entrar neles aqui.

Apitos de cachorro, apito de cachorro, dogwhistles


Apito de cachorro é algo que parece inofensivo, mas que sinaliza uma ideia maior para certos grupos. Assim, é possível espalhar retórica nociva compartilhando postagens que parecem inocentes ou legais.

Por exemplo, "cishet" originalmente se referia a pessoas cisgênero e hétero, mas nos últimos anos se tornou um sinônimo para pessoas assexuais/arromânticas/etc. que também sinaliza que não fazem parte de comunidades "LGBT+". Assim, alguém pode dizer "cishets não são LGBT", algo que "parece óbvio" e que assim é espalhado por pessoas que não sabem da associação cishets = pessoas a-espectrais, e, quando pessoas a-espectrais reclamam do alossexismo implícito, a pessoa que postou pode dizer "ué, estão admitindo que são cishets então?" e trazer mais gente pro seu lado.

Avisos de conteúdo e avisos de gatilho (content warning/trigger warning)


Avisos de conteúdo são avisos dados sobre o que algo contém. Cada comunidade tem suas regras sobre que tipo de conteúdo precisa de aviso ou não.

Algumas pessoas acham que avisos de conteúdo precisam ser a mesma coisa que avisos de gatilho, que são avisos dados para que alguém com certo trauma possa evitar certo assunto traumático, mas isso não é verdade.

Algumas pessoas podem não querer engajar com certo conteúdo em alguns contextos e em outros sim. Algumas pessoas podem não ter reações extremamente negativas a algo, mas ainda ter desgosto e querer um aviso antes de engajar com certos assuntos. Algumas pessoas podem sentir certo desconforto com certos assuntos sem ser algo extremamente ruim.

Avisos de conteúdo não censuram nada, apenas deixam pessoas poderem escolher se querem lidar com certos assuntos (no momento) ou não.

Por isso, também é importante não fazer piadas usando avisos de conteúdo como parte da piada (fazendo com que pessoas se preparem mentalmente para alguma coisa ruim quando é só uma piada ou um trocadilho).

Além disso, é importante ressaltar que avisos de gatilho não são necessariamente assuntos considerados pesados para a maioria das pessoas (como morte ou abuso). Gatilhos podem ser formados de diversas formas e por diversos motivos. Algumas pessoas podem precisar de avisos de gatilho para postagens que contém certos animais, certos tipos de comida, certas músicas, etc.

"Mas o que eu preciso avisar então?" Vai depender da comunidade e/ou das pessoas em volta. Algumas comunidades podem requerer aviso de conteúdo para falar sobre política, outras não. Algumas pessoas podem pedir para que outras pessoas avisem quando vão postar sobre certa banda, mas isso não significa que todo mundo no mundo precisa avisar quando vai postar sobre aquela banda.

C

Call-in, call in, callin, calling in


É falar com alguém de forma privada quando a pessoa fez algo que não devia.

Por exemplo, se alguém fez uma postagem dizendo que multi é um rótulo desnecessário porque é só usar bissexual, ao invés de mostrar como a pessoa é ignorante em público, você pode fazer um call-in, chamando a pessoa por um método privado e explicando porque a postagem dela prejudica pessoas multi que não são bissexuais.

Leitura recomendada: Calling In: A Quick Guide on When and How - Everyday Feminism

Call-out, call out, callout, calling out


É expor publicamente que uma pessoa fez algo que não devia.

Por exemplo, se uma pessoa fez uma postagem dizendo que multi é um rótulo desnecessário porque é só usar bissexual, ao invés de tentar conversar com a pessoa, você pode fazer um call-out, uma postagem pública expondo que a pessoa é anti-multi, que pode ou não explicar os motivos disso.

Enquanto call-ins geralmente são feitos para que a pessoa aprenda sem que outras a estejam julgando, call-outs geralmente são feitos para que a pessoa seja exposta como alguém que fez certa coisa e que portanto deveria ser bloqueada/excluída em massa.

Em comunidades onde há moderação ativa, call-outs não são necessários, em geral, e até são proibidos pelas regras de convivência de várias comunidades.

Concern trolling


Em geral, trollagem é associada com tentar enganar alguém por diversão, ou com xingar/fazer chacota com alguém constantemente sem ligar para as respostas da pessoa, ou fazendo chacota de tudo o que a pessoa diz.

Concern trolling, em geral, é algo mais refinado: é fingir que se preocupa com alguém, com algum grupo ou com alguma causa, mas ainda ter o objetivo de não prestar atenção no que tal pessoa/grupo/causa expressa ou está tentando mostrar.

É possível que alguém que esteja fazendo concern trolling nem perceba que está fazendo isso, porque simplesmente acha que já sabe de tudo sobre a situação e que seu ponto de vista é melhor.

Exemplos de concern trolling:

  • Alguém falar para um grupo de ativismo gordo que se querem que pessoas parem de ser oprimidas por serem gordas, é só se esforçar para emagrecer;
  • Alguém sugerindo para uma pessoa trans que talvez ela fosse mais feliz se fingisse ser cis a vida inteira;
  • Alguém discutindo continuamente sobre ser muito difícil levar questões de justiça social a sério quando pessoas marginalizadas fazem chacota de grupos opressores ou demonstram sentimentos negativos em relação à sua marginalização.


D

Discriminação


Em contextos de justiça social, discriminação é o tratamento injusto de algo ou alguém baseado em um grupo que a pessoa pertence, ou algo que contribui para isso.

Geralmente, discriminação é baseada em algum tipo de opressão sistemática.

Dogpiling


É um monte de gente vir pra cima de uma pessoa só, de forma que não tem como a pessoa responder a todo mundo separadamente.

Dogpiling pode ou não:

  • Ser algo planejado dentro de um grupo;
  • Ser algo feito especificamente para tornar a caixa de e-mails/as notificações da pessoa/as respostas às postagens da pessoa inúteis;
  • Ser composto da mesma mensagem sendo repetida inúmeras vezes.

Muitas vezes, call-outs encorajam dogpiling.

E

Eixo de opressão


São características que fazem com que alguém seja ou não seja privilegiade em certo aspecto.

Identidade de gênero é um eixo, modalidade de gênero é outro, raça é outro, orientação é outro, corporalidade é outro, poder aquisitivo é outro, neurotipo é outro, e assim por diante.

Vale lembrar que, mesmo que se chamem eixos, está mais para uma pirâmide com alguém no topo e com diferentes lados tendo diferentes problemas.

Por exemplo, uma pessoa neurotípica está no topo da "pirâmide" de neurotipos, mas pessoas autistas, plurais, com depressão e com transtorno obsessivo-compulsivo podem enfrentar lados diferentes de capacitismo anti-neurodivergente. Alguém também pode pertencer a mais de um desses neurotipos ao mesmo tempo, e enfrentar discriminações diferentes por cada uma dessas coisas (além de coisas extras por pertencerem a mais de um desses grupos ao mesmo tempo).

F

-fobia, -fóbique, -fóbico, -fóbica


Um sufixo muito utilizado para caracterizar opressão, discriminação, intolerância ou preconceito (como em homofobia, transfobia ou xenofobia).

Porém, algumas pessoas/comunidades estão tentando parar de usar tal sufixo, já que ele encoraja muita gente a pensar em intolerância como uma doença mental e simplifica o que são discriminações.

Mais uma leitura sobre isso: Discriminações não são fobias

G

Grupo marginalizado, grupo minorizado, grupo oprimido, identidade marginalizada, identidade oprimida, minoria


Todas estas terminologias se referem a grupos que sofrem sob opressões sistemáticas. Alguns sinais de que um grupo pode ser marginalizado são:

  • É comum que pessoas sejam excluídas de grupos sociais (amizades, família, grupos dedicados a certos assuntos, etc.) por fazerem parte do grupo;
  • É comum que pessoas sejam alvos de violência física, verbal e/ou sexual por fazerem parte do grupo;
  • É comum que presumam que pessoas tenham certa característica ou personalidade não relacionada com o que significa ser do grupo apenas por fazerem parte daquele grupo;
  • É comum que, por fazerem parte do grupo, pessoas sejam consideradas menos desejadas para terem certo(s) tipo(s) de relacionamento(s), preencherem certas vagas de emprego, receberem atenção em certos contextos, etc.;
  • É comum que o vocabulário desenvolvido por pessoas dentro do grupo seja desvalorizado e considerado desnecessário por partir do contexto daquele grupo;
  • É comum que as identidades, experiências e preocupações do grupo não sejam levadas a sério, como se só as opiniões de pessoas de fora do grupo fossem importantes e dignas de consideração.

(É comum aqui não significa que acontece sempre e com todas as pessoas do grupo, e sim que quando isso acontece é algo que não é somente uma exceção.)

Eu não gosto de usar o termo minoria porque, embora neste contexto signifique minoria de poder e não necessariamente de número, termos como grupos marginalizados ou pessoas minorizadas mostram melhor que tais grupos/comunidades/pessoas não estão naturalmente fora de posições de poder, e sim são mantidos fora delas. Porém, eu não diria que minoria é necessariamente um termo problemático.

Grupo privilegiado, maioria


É o grupo que não é marginalizado, e que portanto tem privilégio, por não sofrer sob uma opressão sistemática (ao menos em certo contexto).

Enquanto pessoas indígenas, negras, asiáticas e de diversos outros grupos étnicos/raciais são grupos marginalizados, pessoas brancas são um grupo privilegiado, por exemplo.

I

Identidade


É uma característica de uma pessoa. Em contextos de justiça social, geralmente se refere a características que fazem com que alguém seja de um grupo marginalizado ou privilegiado.

Ocasionalmente, há a ideia de que isso só se aplica para orientações, identidades de gênero e às vezes outras coisas que dependem de auto-identificação, mas coisas que dependem de características físicas ou que são consideradas "mais óbvias/imutáveis" também são identidades.

Intolerância, intolerante, bigotry


Em contextos de justiça social, alguém intolerante é alguém que não aceita que está cometendo alguma discriminação, ou que não acha que alguma discriminação é errada.

Também é possível usar -intolerância/-intolerante como substituição para -fobia/-fóbique, como em transintolerância ou transintolerante.

J

Justiça social, social justice, JS, SJ


A ideia de que todas as pessoas merecem acesso a direitos e deveres básicos, como alimentação, saúde, moradia, tratamento justo, etc.

M

Microagressões, micro-agressões


São pequenas ações, que podem ou não ser propositais, que acabam prejudicando alguém, especialmente em grande quantidade. Em espaços relacionados com justiça social, geralmente se fala de microagressões quando estas estão vinculadas a algum tipo de discriminação.

Algumas microagressões que podem acontecer nesse contexto são:

  • Uma pessoa não conseguir explicar porque ela gosta menos de tal coisa, quando o motivo provavelmente tem a ver com o envolvimento de algum grupo marginalizado naquela coisa;
  • Uma pessoa não quer/não gostaria de ter envolvimento social, romântico e/ou sexual com pessoas de certo grupo marginalizado (como se todas tivessem certa característica indesejada);
  • Uma pessoa quer ter envolvimento social, romântico e/ou sexual apenas/preferencialmente com pessoas de certo grupo marginalizado da qual ela não faz parte (como se todas tivessem certas características desejáveis específicas);
  • Piadas "inofensivas" excessivas/indesejadas sobre uma identidade;
  • Piadas, retórica ou termos que igualam ser de um grupo marginalizado a ser algo ruim;
  • Utilização de coisas criadas por pessoas marginalizadas de forma que deturpa e apaga o sentido original delas;
  • Diminuição da importância de uma identidade;
  • Diminuição do impacto de uma opressão ou de coisas que ocorrem por conta de opressão (inclusive em relação a microagressões);
  • Comparação de opressões ou de coisas que ocorrem por conta de opressão para diminuir a discriminação que alguém ou algum grupo sofre ou sofreu.


-misia, -mísique


Uma forma comum de evitar o sufixo -fobia/-fóbique.

Então, por exemplo, uma lei que não permite que pessoas percebidas como do mesmo gênero troquem qualquer tipo de afeto em público é queermísica, e a discriminação contra pessoas de outras regiões ou de outros países pode ser chamada de xenomisia.

O

Objetificação


É tratar alguém ou algum grupo como objeto.

Pode se referir a tratar certo grupo como apenas uma força de trabalho, ou agir como se fosse dever de pessoas de certo grupo darem satisfação sexual a qualquer pessoa que assim desejar, entre outras possibilidades.

Muitas vezes, isso tem a ver com a utilização de estereótipos, como achar que todas as mulheres trans estão desesperadas para transar com homens cis, ou como achar que todas as pessoas a-espectrais precisem ter relacionamentos com pessoas que "as consertem".

Opressão reversa, discriminação reversa


Termos geralmente usados quando grupos marginalizados fazem generalizações sobre grupos privilegiados. Geralmente usam termos mais específicos que partem dos termos que se referem a cada opressão, como misandria, racismo reverso e heteromisia.

Em geral, isso não deve ser levado a sério.

Não importa o quanto alguém disser que odeia pessoas brancas/hétero/cis/neurotípicas/magras/etc., isso não tem o mesmo peso do sistema por trás, ao contrário de quando algo é feito contra um grupo oprimido. Geralmente, frases do tipo são usadas ou para chocar e chamar atenção para questões ligadas com opressão, ou para desabafar com outras pessoas do mesmo grupo marginalizado. E, mesmo que você não concorde em usar isso como tática, gastar sua energia reclamando disso ao invés de usar outras táticas é policiamento de tom.

Existem casos nos quais essas coisas são realmente usadas como uma cortina de fumaça para reclamar de grupos marginalizados dos quais alguém não gosta. Por exemplo, muitas postagens reclamando de "homens querendo entrar no banheiro feminino" na verdade estão tentando gerar ódio contra mulheres trans. E muitas postagens sobre "pessoas hétero invadindo a comunidade LGBT" são sobre pessoas trans, não-binárias, intersexo, cuja atração é fluida, do espectro assexual, do espectro arromântico, que sentem atração por mais de um gênero, ou de outros grupos que deveriam ser considerados parte da comunidade.

Também tem vezes que, mesmo não sendo postagens com xingamentos genéricos, são situações específicas usadas para excluir pessoas. Como uma mulher branca sendo racista e desviando de comentários de homens racializados sobre isso porque "são homens e portanto opressores", ou pessoas tentando impedir homens trans neurodivergentes de serem reconhecidos como homens trans porque "são só mulheres confusas por conta de seu neurotipo e de não se encaixarem em estereótipos misóginos".

Mas é importante notar que mesmo nestes casos, não são realmente grupos privilegiados que estão sendo prejudicados, e sim grupos marginalizados.

Opressão sistemática, opressão estrutural (ou só opressão)


Uma opressão estrutural é [...] uma submissão conseguida pela força e que é mantida através de um conjunto organizado, sistematicamente.


(Fonte)

É uma opressão mantida e perpetuada por um sistema presente em cada sociedade, com o objetivo de manter certos grupos com poder e privilégio e certos grupos sem.

P

Palavra estigmatizada, palavra com estigma


Palavra estigmatizada não é bem um sinônimo de slur ou de snarl (que, aliás, são termos de gravidades diferentes), mas meio que serve para o mesmo fim: falar que certa palavra ou que certo termo carrega algum estigma, geralmente ligado com opressão.

Geralmente, são palavras a serem evitadas, mas tem vezes que o problema é o contexto e não a palavra em si.

Palavras estigmatizadas usadas como xingamento podem ser ressignificadas, ou seja, serem usadas como palavras de significado positivo para as pessoas daquela comunidade, mas só cada pessoa daquela comunidade pode decidir se algo vai ser ressignificado ou não.

Por exemplo, pessoas neurodivergentes de neurodivergências categorizadas como transtornos de desenvolvimento podem se descrever e dar significados positivos a palavras como retardade e imbecil; já pessoas neurotípicas não têm o direito de decidirem que vão continuar usando essas palavras, mas com outros significados (ainda que positivos).

Policiamento de tom, tone policing


É quando reclamam do tom em que uma mensagem importante está sendo dita.

Por exemplo, quando uma mulher trans diz "pessoas cis estão nos matando" e uma pessoa cis se ofende com a generalização ao invés de considerar o que poderia fazer para impedir mais violência transmisógina de acontecer.

Política de identidade, política da identidade, política identitária, identity politics


Qualquer ideia política que considere que grupos identitários diferentes possuem demandas ou interesses em comum entre si que não são necessariamente compartilhados com o resto da população é relacionada com política de identidade.

Isso não significa que só grupos progressivos usem políticas de identidade ao seu favor. Cotas para quem estudou em escola pública são uma política identitária, mas segregação racial também é uma política identitária.

É possível usar este tipo de política de formas diferentes. Algumas pessoas só consideram que existem interesses políticos em comum, outras consideram que as experiências de certos grupos também. Algumas pessoas usam a falta de alguma experiência como prova de que a pessoa não é realmente de certo grupo. Algumas acreditam que só certas pessoas podem usar certos termos ou falar sobre certos assuntos.

Algumas das críticas contra políticas identitárias são válidas, mas outras estão basicamente ignorando a realidade. Isso é porque política identitária é um termo extremamente amplo, que cobre qualquer coisa relacionada a identidades/grupos sociais.

Privilégio


Em contextos de justiça social, privilégio se refere a não sofrer pessoalmente efeitos de certa opressão, ou de não sofrer tanto quanto um grupo marginalizado no mesmo eixo.

Por exemplo, um homem cis querendo se identificar como homem não passa por tantos questionamentos e riscos ao fazer isso do que um homem trans. Portanto, o homem cis tem privilégio; privilégio cis, neste caso.

Problemátique, problemática, problemático


Uma coisa problemática é alguma coisa que tem algum problema (por exemplo, um carro que estraga muito pode ser chamado de problemático). Em contextos de justiça social, geralmente isso se refere a alguém ou algo que contribui com opressão.

Porém, é recomendável só usar esta palavra em casos onde não há outra. "Essa pessoa é problemática" pode se referir tanto a "essa pessoa está inventando termos o tempo todo só para confundir pessoas, o que pode atrapalhar esforços de educação mas não necessariamente contribui com opressões" quanto a "essa pessoa é violentamente transmisógina, racista e capacitista". Isso faz com que seja muito difícil julgar o que alguém quer dizer quando só diz que algo ou alguém é problemátique.

R

Racializade, pessoa racializada


Um termo para todas as pessoas não-brancas, que inclui pessoas indígenas, negras, asiáticas e outras que não possuem acesso ao privilégio branco.

Reply guy


Um título geralmente dado a homens que acham que qualquer postagem pública (especialmente de mulheres) é um convite a um debate ou um pedido de ajuda; e que muitas vezes respondem com familiaridade demais e flertando. Por exemplo, uma mulher posta sobre ter dificuldade numa parte de um jogo, sem estar pedindo ajuda, e homens que ela nem conhece aparecem para dizer que esse é "o custo de jogar jogos de verdade", ou sugerindo que jogue um jogo mais simples, ou qualquer coisa assim.

Isso pode parecer inocente, mas geralmente carrega o julgamento de que "homens sabem melhor" (mesmo que nem tenham tanto experiência quanto a pessoa sendo respondida), e é potencialmente irritante e assustador, especialmente quando muitos homens não levam "pare com isso" ou um bloqueio como uma resposta séria e continuam a tentar interagir com a pessoa.

(Mais leituras sobre isso: Don't Be a 'Reply Guy' / The curse of the Twitter reply guy)

S

Sealioning


É quando alguém ou um grupo faz uma porção de perguntas só para incomodar/tirar o tempo de uma pessoa ou de um grupo, ao invés de realmente querer aprender.


Alguns termos relevantes em comunidades sobre justiça social


Aviso de conteúdo: vários tipos de contribuições com opressão e exclusão são mencionados em exemplos.

Eu estava escrevendo esta postagem e percebi que seria útil definir alguns termos usados no texto, e apontar que alguns comportamentos podem parecer inocentes quando são problemas recorrentes.

Como aquele texto já é bem longo e vários dos termos não eram tão relevantes, decidi colocar isto à parte.

Caso você tenha vindo de outro lugar, procurando por uma palavra específica, tente usar a função de busca de seu navegador (é por isso que cada termo está listado com múltiplas alternativas, quando é possível).

Termos traduzidos são priorizados quando disponíveis, mas há termos que simplesmente não possuem equivalentes fora da língua inglesa.

Definições de termos que descrevem opressão/discriminação (racismo, capacitismo, misoginia, etc.) ou coisas específicas dentro de certa opressão/discriminação (reducionismo de gênero, slut shaming, etc.) não estão disponíveis aqui. Caso você tenha interesse, Vitor Rubião tem umas listas disso aqui e aqui.

A

Aliades, aliados, aliadas, ally, allies


Aliades são pessoas que tentam auxiliar grupos marginalizados aos quais não pertencem, ajudando-os a combater sistemas opressivos e discriminação. Tem uma série de questionamentos envolvendo o termo, mas não vou entrar neles aqui.

Apitos de cachorro, apito de cachorro, dogwhistles


Apito de cachorro é algo que parece inofensivo, mas que sinaliza uma ideia maior para certos grupos. Assim, é possível espalhar retórica nociva compartilhando postagens que parecem inocentes ou legais.

Por exemplo, "cishet" originalmente se referia a pessoas cisgênero e hétero, mas nos últimos anos se tornou um sinônimo para pessoas assexuais/arromânticas/etc. que também sinaliza que não fazem parte de comunidades "LGBT+". Assim, alguém pode dizer "cishets não são LGBT", algo que "parece óbvio" e que assim é espalhado por pessoas que não sabem da associação cishets = pessoas a-espectrais, e, quando pessoas a-espectrais reclamam do alossexismo implícito, a pessoa que postou pode dizer "ué, estão admitindo que são cishets então?" e trazer mais gente pro seu lado.

Avisos de conteúdo e avisos de gatilho (content warning/trigger warning)


Avisos de conteúdo são avisos dados sobre o que algo contém. Cada comunidade tem suas regras sobre que tipo de conteúdo precisa de aviso ou não.

Algumas pessoas acham que avisos de conteúdo precisam ser a mesma coisa que avisos de gatilho, que são avisos dados para que alguém com certo trauma possa evitar certo assunto traumático, mas isso não é verdade.

Algumas pessoas podem não querer engajar com certo conteúdo em alguns contextos e em outros sim. Algumas pessoas podem não ter reações extremamente negativas a algo, mas ainda ter desgosto e querer um aviso antes de engajar com certos assuntos. Algumas pessoas podem sentir certo desconforto com certos assuntos sem ser algo extremamente ruim.

Avisos de conteúdo não censuram nada, apenas deixam pessoas poderem escolher se querem lidar com certos assuntos (no momento) ou não.

Por isso, também é importante não fazer piadas usando avisos de conteúdo como parte da piada (fazendo com que pessoas se preparem mentalmente para alguma coisa ruim quando é só uma piada ou um trocadilho).

Além disso, é importante ressaltar que avisos de gatilho não são necessariamente assuntos considerados pesados para a maioria das pessoas (como morte ou abuso). Gatilhos podem ser formados de diversas formas e por diversos motivos. Algumas pessoas podem precisar de avisos de gatilho para postagens que contém certos animais, certos tipos de comida, certas músicas, etc.

"Mas o que eu preciso avisar então?" Vai depender da comunidade e/ou das pessoas em volta. Algumas comunidades podem requerer aviso de conteúdo para falar sobre política, outras não. Algumas pessoas podem pedir para que outras pessoas avisem quando vão postar sobre certa banda, mas isso não significa que todo mundo no mundo precisa avisar quando vai postar sobre aquela banda.

C

Call-in, call in, callin, calling in


É falar com alguém de forma privada quando a pessoa fez algo que não devia.

Por exemplo, se alguém fez uma postagem dizendo que multi é um rótulo desnecessário porque é só usar bissexual, ao invés de mostrar como a pessoa é ignorante em público, você pode fazer um call-in, chamando a pessoa por um método privado e explicando porque a postagem dela prejudica pessoas multi que não são bissexuais.

Leitura recomendada: Calling In: A Quick Guide on When and How - Everyday Feminism

Call-out, call out, callout, calling out


É expor publicamente que uma pessoa fez algo que não devia.

Por exemplo, se uma pessoa fez uma postagem dizendo que multi é um rótulo desnecessário porque é só usar bissexual, ao invés de tentar conversar com a pessoa, você pode fazer um call-out, uma postagem pública expondo que a pessoa é anti-multi, que pode ou não explicar os motivos disso.

Enquanto call-ins geralmente são feitos para que a pessoa aprenda sem que outras a estejam julgando, call-outs geralmente são feitos para que a pessoa seja exposta como alguém que fez certa coisa e que portanto deveria ser bloqueada/excluída em massa.

Em comunidades onde há moderação ativa, call-outs não são necessários, em geral, e até são proibidos pelas regras de convivência de várias comunidades.

Concern trolling


Em geral, trollagem é associada com tentar enganar alguém por diversão, ou com xingar/fazer chacota com alguém constantemente sem ligar para as respostas da pessoa, ou fazendo chacota de tudo o que a pessoa diz.

Concern trolling, em geral, é algo mais refinado: é fingir que se preocupa com alguém, com algum grupo ou com alguma causa, mas ainda ter o objetivo de não prestar atenção no que tal pessoa/grupo/causa expressa ou está tentando mostrar.

É possível que alguém que esteja fazendo concern trolling nem perceba que está fazendo isso, porque simplesmente acha que já sabe de tudo sobre a situação e que seu ponto de vista é melhor.

Exemplos de concern trolling:

  • Alguém falar para um grupo de ativismo gordo que se querem que pessoas parem de ser oprimidas por serem gordas, é só se esforçar para emagrecer;
  • Alguém sugerindo para uma pessoa trans que talvez ela fosse mais feliz se fingisse ser cis a vida inteira;
  • Alguém discutindo continuamente sobre ser muito difícil levar questões de justiça social a sério quando pessoas marginalizadas fazem chacota de grupos opressores ou demonstram sentimentos negativos em relação à sua marginalização.


D

Discriminação


Em contextos de justiça social, discriminação é o tratamento injusto de algo ou alguém baseado em um grupo que a pessoa pertence, ou algo que contribui para isso.

Geralmente, discriminação é baseada em algum tipo de opressão sistemática.

Dogpiling


É um monte de gente vir pra cima de uma pessoa só, de forma que não tem como a pessoa responder a todo mundo separadamente.

Dogpiling pode ou não:

  • Ser algo planejado dentro de um grupo;
  • Ser algo feito especificamente para tornar a caixa de e-mails/as notificações da pessoa/as respostas às postagens da pessoa inúteis;
  • Ser composto da mesma mensagem sendo repetida inúmeras vezes.

Muitas vezes, call-outs encorajam dogpiling.

E

Eixo de opressão


São características que fazem com que alguém seja ou não seja privilegiade em certo aspecto.

Identidade de gênero é um eixo, modalidade de gênero é outro, raça é outro, orientação é outro, corporalidade é outro, poder aquisitivo é outro, neurotipo é outro, e assim por diante.

Vale lembrar que, mesmo que se chamem eixos, está mais para uma pirâmide com alguém no topo e com diferentes lados tendo diferentes problemas.

Por exemplo, uma pessoa neurotípica está no topo da "pirâmide" de neurotipos, mas pessoas autistas, plurais, com depressão e com transtorno obsessivo-compulsivo podem enfrentar lados diferentes de capacitismo anti-neurodivergente. Alguém também pode pertencer a mais de um desses neurotipos ao mesmo tempo, e enfrentar discriminações diferentes por cada uma dessas coisas (além de coisas extras por pertencerem a mais de um desses grupos ao mesmo tempo).

F

-fobia, -fóbique, -fóbico, -fóbica


Um sufixo muito utilizado para caracterizar opressão, discriminação, intolerância ou preconceito (como em homofobia, transfobia ou xenofobia).

Porém, algumas pessoas/comunidades estão tentando parar de usar tal sufixo, já que ele encoraja muita gente a pensar em intolerância como uma doença mental e simplifica o que são discriminações.

Mais uma leitura sobre isso: Discriminações não são fobias

G

Grupo marginalizado, grupo minorizado, grupo oprimido, identidade marginalizada, identidade oprimida, minoria


Todas estas terminologias se referem a grupos que sofrem sob opressões sistemáticas. Alguns sinais de que um grupo pode ser marginalizado são:

  • É comum que pessoas sejam excluídas de grupos sociais (amizades, família, grupos dedicados a certos assuntos, etc.) por fazerem parte do grupo;
  • É comum que pessoas sejam alvos de violência física, verbal e/ou sexual por fazerem parte do grupo;
  • É comum que presumam que pessoas tenham certa característica ou personalidade não relacionada com o que significa ser do grupo apenas por fazerem parte daquele grupo;
  • É comum que, por fazerem parte do grupo, pessoas sejam consideradas menos desejadas para terem certo(s) tipo(s) de relacionamento(s), preencherem certas vagas de emprego, receberem atenção em certos contextos, etc.;
  • É comum que o vocabulário desenvolvido por pessoas dentro do grupo seja desvalorizado e considerado desnecessário por partir do contexto daquele grupo;
  • É comum que as identidades, experiências e preocupações do grupo não sejam levadas a sério, como se só as opiniões de pessoas de fora do grupo fossem importantes e dignas de consideração.

(É comum aqui não significa que acontece sempre e com todas as pessoas do grupo, e sim que quando isso acontece é algo que não é somente uma exceção.)

Eu não gosto de usar o termo minoria porque, embora neste contexto signifique minoria de poder e não necessariamente de número, termos como grupos marginalizados ou pessoas minorizadas mostram melhor que tais grupos/comunidades/pessoas não estão naturalmente fora de posições de poder, e sim são mantidos fora delas. Porém, eu não diria que minoria é necessariamente um termo problemático.

Grupo privilegiado, maioria


É o grupo que não é marginalizado, e que portanto tem privilégio, por não sofrer sob uma opressão sistemática (ao menos em certo contexto).

Enquanto pessoas indígenas, negras, asiáticas e de diversos outros grupos étnicos/raciais são grupos marginalizados, pessoas brancas são um grupo privilegiado, por exemplo.

I

Identidade


É uma característica de uma pessoa. Em contextos de justiça social, geralmente se refere a características que fazem com que alguém seja de um grupo marginalizado ou privilegiado.

Ocasionalmente, há a ideia de que isso só se aplica para orientações, identidades de gênero e às vezes outras coisas que dependem de auto-identificação, mas coisas que dependem de características físicas ou que são consideradas "mais óbvias/imutáveis" também são identidades.

Intolerância, intolerante, bigotry


Em contextos de justiça social, alguém intolerante é alguém que não aceita que está cometendo alguma discriminação, ou que não acha que alguma discriminação é errada.

Também é possível usar -intolerância/-intolerante como substituição para -fobia/-fóbique, como em transintolerância ou transintolerante.

J

Justiça social, social justice, JS, SJ


A ideia de que todas as pessoas merecem acesso a direitos e deveres básicos, como alimentação, saúde, moradia, tratamento justo, etc.

M

Microagressões, micro-agressões


São pequenas ações, que podem ou não ser propositais, que acabam prejudicando alguém, especialmente em grande quantidade. Em espaços relacionados com justiça social, geralmente se fala de microagressões quando estas estão vinculadas a algum tipo de discriminação.

Algumas microagressões que podem acontecer nesse contexto são:

  • Uma pessoa não conseguir explicar porque ela gosta menos de tal coisa, quando o motivo provavelmente tem a ver com o envolvimento de algum grupo marginalizado naquela coisa;
  • Uma pessoa não quer/não gostaria de ter envolvimento social, romântico e/ou sexual com pessoas de certo grupo marginalizado (como se todas tivessem certa característica indesejada);
  • Uma pessoa quer ter envolvimento social, romântico e/ou sexual apenas/preferencialmente com pessoas de certo grupo marginalizado da qual ela não faz parte (como se todas tivessem certas características desejáveis específicas);
  • Piadas "inofensivas" excessivas/indesejadas sobre uma identidade;
  • Piadas, retórica ou termos que igualam ser de um grupo marginalizado a ser algo ruim;
  • Utilização de coisas criadas por pessoas marginalizadas de forma que deturpa e apaga o sentido original delas;
  • Diminuição da importância de uma identidade;
  • Diminuição do impacto de uma opressão ou de coisas que ocorrem por conta de opressão (inclusive em relação a microagressões);
  • Comparação de opressões ou de coisas que ocorrem por conta de opressão para diminuir a discriminação que alguém ou algum grupo sofre ou sofreu.


-misia, -mísique


Uma forma comum de evitar o sufixo -fobia/-fóbique.

Então, por exemplo, uma lei que não permite que pessoas percebidas como do mesmo gênero troquem qualquer tipo de afeto em público é queermísica, e a discriminação contra pessoas de outras regiões ou de outros países pode ser chamada de xenomisia.

O

Objetificação


É tratar alguém ou algum grupo como objeto.

Pode se referir a tratar certo grupo como apenas uma força de trabalho, ou agir como se fosse dever de pessoas de certo grupo darem satisfação sexual a qualquer pessoa que assim desejar, entre outras possibilidades.

Muitas vezes, isso tem a ver com a utilização de estereótipos, como achar que todas as mulheres trans estão desesperadas para transar com homens cis, ou como achar que todas as pessoas a-espectrais precisem ter relacionamentos com pessoas que "as consertem".

Opressão reversa, discriminação reversa


Termos geralmente usados quando grupos marginalizados fazem generalizações sobre grupos privilegiados. Geralmente usam termos mais específicos que partem dos termos que se referem a cada opressão, como misandria, racismo reverso e heteromisia.

Em geral, isso não deve ser levado a sério.

Não importa o quanto alguém disser que odeia pessoas brancas/hétero/cis/neurotípicas/magras/etc., isso não tem o mesmo peso do sistema por trás, ao contrário de quando algo é feito contra um grupo oprimido. Geralmente, frases do tipo são usadas ou para chocar e chamar atenção para questões ligadas com opressão, ou para desabafar com outras pessoas do mesmo grupo marginalizado. E, mesmo que você não concorde em usar isso como tática, gastar sua energia reclamando disso ao invés de usar outras táticas é policiamento de tom.

Existem casos nos quais essas coisas são realmente usadas como uma cortina de fumaça para reclamar de grupos marginalizados dos quais alguém não gosta. Por exemplo, muitas postagens reclamando de "homens querendo entrar no banheiro feminino" na verdade estão tentando gerar ódio contra mulheres trans. E muitas postagens sobre "pessoas hétero invadindo a comunidade LGBT" são sobre pessoas trans, não-binárias, intersexo, cuja atração é fluida, do espectro assexual, do espectro arromântico, que sentem atração por mais de um gênero, ou de outros grupos que deveriam ser considerados parte da comunidade.

Também tem vezes que, mesmo não sendo postagens com xingamentos genéricos, são situações específicas usadas para excluir pessoas. Como uma mulher branca sendo racista e desviando de comentários de homens racializados sobre isso porque "são homens e portanto opressores", ou pessoas tentando impedir homens trans neurodivergentes de serem reconhecidos como homens trans porque "são só mulheres confusas por conta de seu neurotipo e de não se encaixarem em estereótipos misóginos".

Mas é importante notar que mesmo nestes casos, não são realmente grupos privilegiados que estão sendo prejudicados, e sim grupos marginalizados.

Opressão sistemática, opressão estrutural (ou só opressão)


Uma opressão estrutural é [...] uma submissão conseguida pela força e que é mantida através de um conjunto organizado, sistematicamente.


(Fonte)

É uma opressão mantida e perpetuada por um sistema presente em cada sociedade, com o objetivo de manter certos grupos com poder e privilégio e certos grupos sem.

P

Palavra estigmatizada, palavra com estigma


Palavra estigmatizada não é bem um sinônimo de slur ou de snarl (que, aliás, são termos de gravidades diferentes), mas meio que serve para o mesmo fim: falar que certa palavra ou que certo termo carrega algum estigma, geralmente ligado com opressão.

Geralmente, são palavras a serem evitadas, mas tem vezes que o problema é o contexto e não a palavra em si.

Palavras estigmatizadas usadas como xingamento podem ser ressignificadas, ou seja, serem usadas como palavras de significado positivo para as pessoas daquela comunidade, mas só cada pessoa daquela comunidade pode decidir se algo vai ser ressignificado ou não.

Por exemplo, pessoas neurodivergentes de neurodivergências categorizadas como transtornos de desenvolvimento podem se descrever e dar significados positivos a palavras como retardade e imbecil; já pessoas neurotípicas não têm o direito de decidirem que vão continuar usando essas palavras, mas com outros significados (ainda que positivos).

Policiamento de tom, tone policing


É quando reclamam do tom em que uma mensagem importante está sendo dita.

Por exemplo, quando uma mulher trans diz "pessoas cis estão nos matando" e uma pessoa cis se ofende com a generalização ao invés de considerar o que poderia fazer para impedir mais violência transmisógina de acontecer.

Política de identidade, política da identidade, política identitária, identity politics


Qualquer ideia política que considere que grupos identitários diferentes possuem demandas ou interesses em comum entre si que não são necessariamente compartilhados com o resto da população é relacionada com política de identidade.

Isso não significa que só grupos progressivos usem políticas de identidade ao seu favor. Cotas para quem estudou em escola pública são uma política identitária, mas segregação racial também é uma política identitária.

É possível usar este tipo de política de formas diferentes. Algumas pessoas só consideram que existem interesses políticos em comum, outras consideram que as experiências de certos grupos também. Algumas pessoas usam a falta de alguma experiência como prova de que a pessoa não é realmente de certo grupo. Algumas acreditam que só certas pessoas podem usar certos termos ou falar sobre certos assuntos.

Algumas das críticas contra políticas identitárias são válidas, mas outras estão basicamente ignorando a realidade. Isso é porque política identitária é um termo extremamente amplo, que cobre qualquer coisa relacionada a identidades/grupos sociais.

Privilégio


Em contextos de justiça social, privilégio se refere a não sofrer pessoalmente efeitos de certa opressão, ou de não sofrer tanto quanto um grupo marginalizado no mesmo eixo.

Por exemplo, um homem cis querendo se identificar como homem não passa por tantos questionamentos e riscos ao fazer isso do que um homem trans. Portanto, o homem cis tem privilégio; privilégio cis, neste caso.

Problemátique, problemática, problemático


Uma coisa problemática é alguma coisa que tem algum problema (por exemplo, um carro que estraga muito pode ser chamado de problemático). Em contextos de justiça social, geralmente isso se refere a alguém ou algo que contribui com opressão.

Porém, é recomendável só usar esta palavra em casos onde não há outra. "Essa pessoa é problemática" pode se referir tanto a "essa pessoa está inventando termos o tempo todo só para confundir pessoas, o que pode atrapalhar esforços de educação mas não necessariamente contribui com opressões" quanto a "essa pessoa é violentamente transmisógina, racista e capacitista". Isso faz com que seja muito difícil julgar o que alguém quer dizer quando só diz que algo ou alguém é problemátique.

R

Racializade, pessoa racializada


Um termo para todas as pessoas não-brancas, que inclui pessoas indígenas, negras, asiáticas e outras que não possuem acesso ao privilégio branco.

Reply guy


Um título geralmente dado a homens que acham que qualquer postagem pública (especialmente de mulheres) é um convite a um debate ou um pedido de ajuda; e que muitas vezes respondem com familiaridade demais e flertando. Por exemplo, uma mulher posta sobre ter dificuldade numa parte de um jogo, sem estar pedindo ajuda, e homens que ela nem conhece aparecem para dizer que esse é "o custo de jogar jogos de verdade", ou sugerindo que jogue um jogo mais simples, ou qualquer coisa assim.

Isso pode parecer inocente, mas geralmente carrega o julgamento de que "homens sabem melhor" (mesmo que nem tenham tanto experiência quanto a pessoa sendo respondida), e é potencialmente irritante e assustador, especialmente quando muitos homens não levam "pare com isso" ou um bloqueio como uma resposta séria e continuam a tentar interagir com a pessoa.

(Mais leituras sobre isso: Don't Be a 'Reply Guy' / The curse of the Twitter reply guy)

S

Sealioning


É quando alguém ou um grupo faz uma porção de perguntas só para incomodar/tirar o tempo de uma pessoa ou de um grupo, ao invés de realmente querer aprender.

O que são "microcomunidades"


Este termo foi cunhado por mim recentemente. Aprenda como utilizá-lo.

Observações


  1. Aviso de conteúdo: Queermisia contra diversos grupos. Eu vou tentar não mencionar exemplos muito pesados, mas isso pode ser meio difícil.
  2. A maioria dos termos deste texto que podem não ser tão reconhecíveis estão com links que levam para suas definições.


Definição


Uma microcomunidade, ao menos em contextos queer/LGBTQIAPN+/NHINCQ+, pode ser definida como qualquer comunidade dentro da comunidade queer/LGBTQIAPN+/NHINCQ+ que não tenha visibilidade, respeito e peso dentro de uma comunidade mais geral que em teoria devesse incluir essas comunidades menores.

Microcomunidades muitas vezes são alvos de chacota dentro destas comunidades mais gerais, mas mesmo que não sejam, podem também estar sendo invisibilizadas ou desconsideradas de outras formas.

Microcomunidade é um termo que diz respeito apenas a pessoas que deveriam estar sendo contempladas por caber na definição da comunidade geral (ou de quem ela inclui ou deveria incluir) por si só.

Isso significa, que, por exemplo, se homens trans binários não estão se sentindo incluídos em um grupo sáfico, esses homens não podem dizer que são uma microcomunidade ali, porque o grupo não é para homens binários, trans ou não. Porém, se homens trans binários não estiverem sendo levados em consideração em comunidades que se dizem trans ou LGBTQIAPN+, talvez homens trans binários possam ser uma microcomunidade nesse contexto.

Mais sobre o uso deste termo será detalhado mais tarde.

Motivo e origem

Contexto: questões intracomunidade


Infelizmente, alguns grupos em comunidades NHINCQ+ só querem beneficiar a si mesmos, ou a si mesmos e a grupos considerados mais consagrados.

Algumas vezes, é uma questão de receio de ter que aprender coisas novas e de ter que refletir sobre certas retóricas não serem inclusivas.

(Exemplo: a inclusão de pessoas trans, intersexo e a-espectrais, entre outras, questiona a ideia de que "amor é amor" é um bom slogan para pedir igualdade para o tratamento da população NHINCQ+ em relação ao resto da sociedade. Daí, algumas pessoas preferem dizer que essas comunidades não importam ou não fazem parte da comunidade em geral, ao invés de mudar esse slogan para algo mais inclusivo e/ou de admitir que ele não é inclusivo.)

Outras vezes, é uma questão de manter certo poder, de almejar estar na classe dominante ao invés de manter solidariedade com quem está fora do sistema.

(Exemplo: algumas pessoas trans binárias mantém a ideia de que são assim como pessoas cis e hétero, só que com corpos diferentes. Assim, essas pessoas tentam ao máximo se encaixar nos estereótipos e nos corpos que as normas de gênero e que a hetero/cisnormatividade colocam como padrões, e aceitam ser maltratadas em troca de mais apoio do sistema.

Daí essas pessoas tentam manter seu suposto privilégio rejeitando o ativismo de pessoas trans que lutam para ser reconhecidas como tão válidas quanto pessoas cis independentemente de transição e de história de vida, ridicularizando pessoas trans que não preenchem estereótipos de gênero e difamando comunidades não-binárias o máximo possível. Algumas também expressam opiniões completamente heterossexistas e diadistas.)

E também pode ser uma questão de ser intolerante contra certo grupo mesmo; ou seja, de acreditar nas mentiras que sistemas opressivos usam para falar que gente de certos grupos não prestam, e de usá-las diretamente em seus argumentos, ou modificá-las para que fiquem com uma "cara de militância" antes disso.

(Exemplo: a ideia de que pessoas múlti não são confiáveis e podem sempre trair com alguém de outro gênero por serem promíscuas demais é algo que algumas pessoas que sofrem sob heterossexismo expressam contra pessoas múlti, mas é uma ideia heterossexista perpetuada contra não só pessoas multi, mas também contra pessoas que fogem do padrão hétero em geral.

A ideia de que uma mulher pan tem "risco de ir para o outro lado" pode ser usada como "justificativa" tanto por um namorado controlador que quer isolar sua parceira pan de suas amizades por ciúmes quanto por uma pessoa influente em uma organização "LGBT" tentando impedir uma mulher pan de conseguir um cargo importante nela. O namorado vai dizer que tem medo dela trair porque sente falta de mulheres, e a pessoa influente vai dizer que tem medo dela encontrar um homem hétero e "sair da militância", mas as duas atitudes têm base na mesma coisa e demonstram desconfiança em cima de uma mulher múlti.)

Contexto: "microrrótulo" e palavras similares


Nestes últimos anos (principalmente 2014 pra frente), houve tanto a cunhagem de várias palavras novas para descrever identidades, opressões e conceitos relacionados quanto uma onda reacionária contra estas palavras e as comunidades que as usam, tanto de pessoas NHINCQ+ quanto de pessoas de fora da comunidade.

Um dos termos depreciativos que foram cunhados principalmente para pessoas "LGBT" invalidarem outras identidades NHINCQ+ foi microlabel (microrrótulo). Outros termos utilizados da mesma maneira foram equivalentes da língua inglesa de neorrótulo, neoidentidade e microidentidade.

E, eventualmente, algumas pessoas atingidas por estes rótulos passaram a usá-los de maneira neutra ou positiva.

Em geral, eu não tenho problema com a ressignificação de rótulos. Tudo bem você pegar algo que usam pra te xingar e dizer "tá, sou isso mesmo, e daí?"

Só que, para mim, esses rótulos são... vazios. Eles só significam "identidades que eu não gosto e que portanto não considero parte da comunidade". Então me incomoda que estes termos estejam sendo utilizados como se fossem um conjunto de identidades coerente.

O prefixo "micro" faz referência a algo pequeno. O que seria um rótulo pequeno, uma identidade pequena?

Seria uma identidade usada por poucas pessoas? Porque a identidade assexual é muitas vezes considerada parte deste grupo, mas milhares de pessoas se identificam com ela, por mais que existam poucos espaços onde pessoas possam se descobrir e assim passar a se identificar como assexuais.

Seria uma identidade específica demais? Então como é que identidades como mulhessexual (atração sexual exclusiva por mulheres) são consideradas específicas demais, enquanto identidades como lésbica (atração de mulheres e de pessoas que se consideram de identidade parecida apenas por mulheres e pessoas que se consideram de identidade parecida) não são?

O prefixo "neo" faz referência a algo novo. Isso até pode fazer sentido para várias identidades, mas o rótulo não-binárie só passou a ser usado como "não ser completamente/somente/sempre homem nem completamente/somente/sempre mulher" por volta de 2010; antes disso, essas pessoas se encaixavam no guarda-chuva genderqueer ou utilizavam identidades específicas como neutrois e bigênero.

Então como é que não-binárie seria um termo ok, enquanto termos anteriores (como demissexual, que é de 2006, e arromântique, que tem evidência de que já existia em 2006) são "neoidentidades"?

Não estou dizendo que toda cunhagem precisa seguir de forma literal as raízes da palavra, e sim que não existe nada que realmente une essas identidades além de "são as identidades que algumas pessoas se esforçam para questionar a presença na comunidade em um dado momento".

Só que isso nunca é dito, então o que conta ou não conta como microrrótulo/neoidentidade/etc. me parece muito no ar. Então eu preferia ter uma palavra diferente; uma já cunhada para que as comunidades afetadas consigam usar em qualquer contexto, ao invés de uma controlada por quem está discriminando e que geralmente está partindo de um contexto específico.

Microcomunidade é uma palavra baseada em microrrótulo e microidentidade, mas vou explicar melhor aonde ela difere depois.

Contexto: outros termos usados para significar coisas parecidas


Gênero de bolso foi um termo criado anos antes de neorrótulo e afins para contemplar identidades de gênero utilizadas por uma ou por poucas pessoas.

Porém, é um termo que nunca foi muito usado, e que acho que não parece muito intuitivo.

MOGAI é uma sigla cunhada há anos para contemplar pessoas não-cis, não-hétero e intersexo, basicamente. Ela é usada como sinônimo de microrrótulo e afins ("essa gente MOGAI" = "essa gente que usa microrrótulos", basicamente). Porém, era pra ser uma alternativa mais inclusiva a LGBT(QIAPN+), então não acho legal contribuir para essa deturpação. Pessoas trans binárias, bi, gays e lésbicas estão sim inclusas em MOGAI, por definição.

Gêneros não-binários não-reconhecidos tem sua origem aqui, e obviamente só contempla identidades não-binárias.

Mais notas sobre a utilização de microcomunidade

Micro, mas comunidades


Microcomunidade sempre dá a ideia de que existe a possibilidade de uma comunidade, mesmo que só uma pessoa faça parte dela no momento. A ideia aqui é que quando se fala de microcomunidades, estamos falando de pessoas, e não apenas de definições.

Eu quero que isso chame atenção quando pessoas falam de "neoidentidades" como se fossem teorias abstratas: não são. Se você está tirando sarro das identidades urânica e netúnica, você está tirando sarro de pessoas não-hétero que usam esses termos para se descreverem. Se você está falando de como a identidade abro é inútil, quero que esteja bem explícito que você está chamando uma comunidade de pessoas não-hétero de inútil.

O uso do termo varia em relação às circunstâncias


Eu quero que pessoas possam usar microcomunidade em contextos como:

  • Existe um grupo "LGBT" com muitas pessoas. Porém, mais da metade é de homens cis gays sem experiência nenhuma em lidar com pessoas NHINCQ+ de outras identidades. Eles também controlam a direção em geral, então podem decidir facilmente que não vão se dar o trabalho de fazer qualquer coisa para datas importantes das comunidades lésbica, trans, bi, assexual, arromântica, intersexo, não-binária, etc. Também fazem piadas misóginas, cissexistas, alossexistas, etc. o tempo todo. Pode-se dizer então que todas as comunidades que não são a de homens gays são microcomunidades, neste contexto.
  • Existe um fórum para pessoas trans. Apesar de ter uma pessoa não-binária na moderação, retórica diadista e exorsexista é frequente. Pessoas não-binárias são supostamente bem vindas pelas regras, mas sugestões de opções de gênero fora homem, mulher e outro são ignoradas, a moderação não se importa com a maldenominação de pessoas que usam conjuntos com neolinguagem e nem com piadas por cima de quem usa e/elu/e ao invés de o/ele/o como linguagem neutra. Neste caso, pessoas trans não são uma microcomunidade, e pessoas não-binárias são.

Porém, na internet em geral, acredito que o uso mais geral seja em casos como:

  • Uma pessoa omnissexual e poligênero decide abrir um servidor de chat para pessoas de microcomunidades NHINCQ+. A ideia é que pessoas possam falar das particularidades de suas identidades ali, mesmo que se sintam silenciadas em espaços NHINCQ+ gerais, e mesmo que não sintam que suas identidades estejam sendo acolhidas ou contempladas em grupos especificamente bi, assexuais, lésbicos, gays, pan, não-binários ou trans que acharam por aí. Neste caso, uma pessoa ômni pode não ter se sentido contemplada em espaços bi ou pan, e uma pessoa caligossexual pode não ter se sentido bem em um espaço assexual, mesmo que pessoas bi, pan e assexuais sejam muitas vezes colocadas de lado em comunidades maiores.

Isso pode criar uma contradição: se pessoas de comunidades consideradas microcomunidades em outros lugares se unem em um lugar e têm poder (dentro daquele grupo), já não são mais microcomunidades.

Porém, eu prefiro dizer que isso cria uma solidariedade entre pessoas que são consideradas de microcomunidades em várias situações diferentes.

Talvez um homem trans nunca tenha se sentido excluído de uma comunidade de homens trans, mas tenha sido silenciado e ignorado muitas vezes em comunidades com mais identidades envolvidas. Daí talvez ele queira estar numa comunidade para microcomunidades para desabafar e aprender sobre outras comunidades excluídas. Ou talvez ele não sinta necessidade disso, já que já se sente aceito em outras comunidades.

Eu não sou a favor de levantar portões contra pessoas com rótulos "comuns demais". Dependendo das circunstâncias, essas pessoas podem passar pelos mesmos problemas. Mas cada comunidade pode ter suas regras, de qualquer forma.

Intersecções


Talvez quem esteja lendo tenha percebido que tentei evitar o assunto. Talvez não.

Mas e aí, comunidades de pessoas trans neurodivergentes podem ser microcomunidades dentro de comunidades trans majoritariamente neurotípicas? Comunidades de lésbicas negras podem ser microcomunidades dentro de comunidades lésbicas majoritariamente não-negras?

Eu sinceramente não sei responder.

Por um lado, o termo microcomunidade surgiu de contexto e palavras que só são usades para identidades NHINCQ+.

Por outro, vejo como esse termo pode ser útil para outras comunidades silenciadas, até porque cabem na definição. Pessoas trans que são {identidade} sempre vai estar implicitamente dentro de pessoas trans.

E também existem vezes que essas intersecções possuem termos próprios. Como é que lésbicas podem ser uma microcomunidade em um grupo gay, mas mulheres múlti não podem ser uma microcomunidade em um grupo múlti? Como é que pessoas ultergênero podem ser uma microcomunidade em um grupo trans, mas pessoas intersexo e trans que não usam ultergênero não podem ser uma microcomunidade?

Mas voltando ao lado anterior, só por lésbica e ultergênero serem termos diferentes de mulher gay e de pessoa trans intersexo, isso já contribui para que o grupo maior as exclua. Eu não sei no caso de lésbicas, mas qualquer termo "novo" (como ultergênero) já traz mais desdém na cara de pessoas que não querem ser inclusivas do que a descrição do próprio termo.

Então eu acho que fica meio que a critério de cada pessoa, e meio a critério de como o termo vai sendo usado por aí. Só não levantem os portões à toa.

Pensamentos sobre palavras, retóricas e intenção


Este texto irá conter exemplos de discriminação e de palavras estigmatizadas, além de discussões sobre o dano que palavras podem causar.

Sinto que este texto está meio embaralhado demais pra servir como uma boa referência, mas espero poder expressar a importância de tirar certos termos do vocabulário quando pessoas marginalizadas dizem que eles machucam ou contém estigma.

Tipos de termos problemáticos


Algumas vezes, certos termos por si só são ofensivos, mesmo que o contexto do termo não seja. Tais termos podem ser ofensivos por trazerem conotações históricas de xingamentos, estigmas ou categorizações errôneas, ou por terem se tornado formas negativas de se referir a algo através dos tempos e terem eventualmente deixado de ser categorizações.

Por exemplo, se alguém se refere a pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero como "praticantes do homossexualismo", mesmo que de forma positiva, ainda é possível que muita gente se sinta desconfortável.

Isso porque tal expressão dá a entender que orientações sexuais se referem apenas a práticas, faz referência ao uso da retórica de que heterodissidência é ou uma doença ou uma ideologia [1], e coloca todas as pessoas que sentem atração pelo mesmo gênero como "homossexuais", uma palavra que não se encaixa para pessoas que sentem atração por mais de um gênero e nem para as pessoas que só se identificam como lésbicas ou gays.

Em casos como este, é possível apenas trocar o termo utilizado para evitar o desconforto alheio.

Outras vezes, os termos são apenas um bônus dentro de uma retórica discriminatória. As razões para tais termos serem ofensivos podem ser as mesmas dos termos acima, mas há o problema adicional do contexto no qual estão inseridos.

Por exemplo, o pai de uma criança não a deixa assistir certo programa de TV por "conter homossexualismo". Neste caso, não importa se ele usasse palavras como "possui representação heterodissidente" ou "contém conteúdo LGBTQIAPN+" ou qualquer coisa do tipo; o problema é ele achar que isso de alguma forma é ruim para uma criança assistir.

De qualquer forma, existe também uma variação na intensidade do quanto cada termo é ofensivo. Ou seja, não é só porque um termo não é tão ruim quanto outro é que não é ofensivo.

Também existem termos que não vão ser ofensivos em determinadas situações, mas que vão ser em outras. Por exemplo, organismos assexuados (que não possuem diferenciação sexual dentro de sua espécie) existem, mas uma pessoa assexual não deve ser chamada de assexuada.

Sobre intenção


Algumas pessoas argumentariam que não há problema nenhum com o primeiro caso, só com o segundo.

O que eu digo em resposta é que o segundo caso é um problema pior do que o primeiro. Retórica sempre vai ser mais danosa do que o uso das "palavras erradas". Porém, não acho que isso signifique que nenhum esforço pode ser feito para que palavras com conotações opressivas saiam do vocabulário.

Pessoas que passaram por situações de abuso, violência ou apagamento por conta de certas palavras podem não se sentir confortáveis com certos termos em nenhum contexto.

Pessoas que sabem que certos termos não deveriam ser usados podem não se sentir seguras entre quem "não se importa com o termo certo porque o importante é entender a mensagem".

Pessoas que sabem das conotações negativas dos termos podem presumir que quem os usa não se importa em combater certo tipo de opressão/discriminação, ou até mesmo concorda com a conotação embutida no uso de tais termos.

Existe também a questão de palavras influenciarem que associações vão ser feitas com cada grupo. Por exemplo, o uso de palavras como homofobia, transfobia e xenofobia faz com que pessoas façam mais associações dessas discriminações com fobias que são neurodivergências, em comparação a discriminações como racismo e misoginia.

De qualquer forma, o uso de termos inadequados sempre lembra as pessoas que sabem que tais termos são inadequados de que certos tipos de opressão ainda são normalizados naquele espaço.

Sobre comunicação


Comunicação é um processo de troca de informações. Um lado precisa expressar algo que o outro lado vai entender.

Muitas vezes, comunicação não tem só a ver com a ideia do que está sendo dito. Uma série de sinais pode complementar a informação das palavras que estão sendo transmitidas. Muitas vezes, a expectativa de certos sinais pode arruinar a informação dada, ou fazer com que pessoas duvidem de sua veracidade, por mais que ela seja boa.

Isso pode afetar muita coisa, mas quero focar aqui em palavras. As palavras que alguém usa podem ser indicativas dos grupos sociais aonde a pessoa está inserida. Quando se trata de grupos marginalizados, é comum que pessoas que tenham mais contato com tais grupos saibam se referir a eles de forma menos ofensiva, enquanto pessoas sem contato nenhum podem nem saber que as palavras que usariam para se referirem a tais grupos são consideradas ofensivas ou inadequadas.

Quando uma pessoa usa "pessoas com probleminha" para se referir a pessoas neurodivergentes, isso dá a pessoas neurodivergentes um motivo para presumirem que esta pessoa possivelmente não as respeita como seres humanos. Talvez isso seja verdade, talvez não. Mas, justamente por capacitismo ser comum, se pessoas neurodivergentes quiserem se afastar e/ou não revelarem sua neurodivergência por essa pessoa, isso deve ser visto como um mecanismo de defesa, e não como "política da pureza" [2].

Sobre alcance


Quando alguém diz que certo termo é opressivo e não deve ser utilizado, o que a pessoa quer dizer é que, ou naquele contexto, ou em qualquer contexto, certo termo carrega um estigma relacionado a discriminação.

Para algumas pessoas, isso pode parecer valorização de linguagem politicamente correta acima da retórica. Porém, só porque certos atos discriminatórios são piores, não significa que outras coisas não contribuem com discriminação.

Quando é só a linguagem que está errada, é só isso que deveria melhorar.

Quando há mais coisas erradas, com certeza há mais coisas a criticar, mas isso não significa que nenhuma crítica pode ser feita à linguagem usada.

Às vezes, é mais fácil criticar palavras sendo usadas, porque geralmente não é necessária muita explicação ao redor disso.

Por exemplo, pode ser muito mais fácil escrever uma postagem dizendo "não usem [palavra] porque literalmente significa [coisa ruim associada a grupo marginalizado]" do que uma postagem que pede para que pessoas reflitam sobre hábitos mais profundos ou histórias sangrentas ou dados negativos de pesquisas.

Em boa parte dos casos, há menos necessidade de reflexão sobre mudanças no vocabulário do que sobre outras coisas, e há menos pesquisa envolvida em expressar o motivo de uma palavra ser ruim do que em expressar o motivo de outras coisas aparentemente inocentes serem ruins.

Porém, tem vezes que é muito difícil criticar palavras sendo usadas, porque tais palavras são consideradas presentes demais no vocabulário comum para mudar o hábito. Por exemplo, por mais que imbecil signifique "sem inteligência" ou "alguém com atraso mental", é comum justificarem o uso da palavra dizendo que em "suas opiniões", o termo só significa algo como ruim/chate/irritante.

É estressante o quanto é fácil ler e fazer postagens sobre o quanto certas palavras são ruins, só para ver pessoas defendendo arduamente o uso de palavras que poderiam ser substituídas com pouca dificuldade. E, sim, existem casos de pessoas que esquecem fácil de certas coisas ou que já possuem dificuldades em achar palavras, mas isso não se aplica na maior parte das defesas.

A eliminação de termos problemáticos por pessoas que podem escolher suas palavras com mais cuidado irá facilitar com que outras pessoas nem precisem refletir tanto sobre como vão substituir alguma palavra já "enraizada".

Sobre a utilização das "palavras certas" enquanto discriminação é perpetuada


Tanto pessoas bem intencionadas que não entendem que o que estão fazendo quanto pessoas mal intencionadas que acham que podem falar o que quiser desde que usem as palavras certas podem disfarçar retórica opressiva com linguagem geralmente usada em espaços antiopressão. E isso é um problema.

Por exemplo, perguntar se certa pessoa não-binária foi designada como homem ou como mulher para assim categorizar tal pessoa em certos estereótipos ainda é cissexista, mesmo que uma pergunta como "você nasceu homem ou mulher" seja ainda mais cissexista.

A conscientização sobre assuntos de forma mais profunda do que termos usados é importante. É importantíssimo saber que a medição de inteligência é opressiva, que sexos não deveriam ser associados a gêneros, que normas de gênero são socialmente construídas e não precisam ser obedecidas por pessoas de qualquer identidade de gênero, que opressões não acabaram século passado, que colonialismo ainda afeta mesmo povos que supostamente ficaram independentes de seus respectivos países colonizadores, que qualquer pessoa merece acesso a ar, saúde, alimentação e moradia independentemente de seu emprego ou da sua capacidade de produzir, que o capitalismo é inerentemente opressivo, etc.

Quando alguém não sabe disso, não é culpa de pessoas que pedem para parar de usar certas palavras e que supostamente não vão além disso (geralmente esse tipo de ativista superficial nem existe). Isso é culpa de uma sociedade que incentiva a reprodução de uma série de ideias opressivas, o que inclui tanto a retórica discriminatória como a normalização de palavras estigmatizadas.

Sobre ressignificação


Ressignificação significa que alguém, ou um grupo, como parte de um grupo marginalizado afetado por uma palavra estigmatizada, usa aquele termo para se descrever de forma positiva.

Por exemplo, quando alguém com atração por mais de um gênero usa bissex para si, esta pessoa está usando um termo usado para descrever mídia pornográfica que contém uma pessoa transando com pessoas de dois outros gêneros ao mesmo tempo como uma parte de sua identidade, ao invés de como um termo que promove a fetichização de identidades multi.

Isso não significa que bissex seja um termo adequado para se referir a qualquer pessoa que não se identifique especificamente com este termo.

Isso também não significa que pessoas bi possam usar bissex como xingamento contra outras pessoas bi (por serem, por exemplo, não-monogâmicas). Isso não é uma ressignificação, isso é apenas contribuir com o significado original da palavra.

Alguns termos foram mais amplamente ressignificados, como gay. Hoje em dia, a maioria não vê gay como um xingamento que perpetua estigma contra pessoas heterodissidentes, apenas como uma identidade. (Ainda assim, é possível que o termo seja usado como xingamento, mas neste caso ele só tem a conotação de associar heterodissidência com algo ruim por conta do contexto.)

Portanto, é importante também ver o contexto onde a palavra estigmatizada está sendo usada antes de, por exemplo, acusar a pessoa de estar perpetuando discriminação. Mesmo assim, o fato de uma pessoa ser afetada por uma palavra não lhe dá o direito de xingar outras com ela e dizer que tudo bem ela usar a palavra porque "está ressignificando" (se está usando como algo negativo, não está).

Links



Notas


[1] O sufixo -ismo é associado com ideologias (como marxismo ou liberalismo). Além disso, o termo homossexualismo era usado em literatura médica para categorizar pessoas heterodissidentes (ou ao menos parte delas).

[2] O termo política da pureza é usado para criticar grupos que tentam excluir qualquer outro que não seja puro o suficiente. É um termo versátil que já foi usado em várias situações diferentes, mas é comum usá-lo para comunidades que se dizem progressivas que atacam qualquer pessoa ou coisa que não seja

Quem ganha com a exclusão xenogênero?


Aviso de conteúdo: exorsexismo, reducionismo de gênero, redes sociais corporativas

(Eu vou focar aqui em questões xenogênero, mas diversas microcomunidades enfrentam problemas similares.)

Quando mencionam a existência de identidades xenogênero, é comum que a reação seja basicamente concern trolling:

  • "Na verdade, acho que essas identidades são só isca de fascista pra desmoralizar a comunidade, e você está caindo nelas."
  • "Isso é só confusão entre identidade de gênero e gostos/personalidade/modo de se vestir, pessoas não-cis de verdade não se identificariam assim."
  • "Essas identidades só confundem as pessoas sobre o movimento; mesmo que sejam reais, é melhor que as pessoas só se digam não-binárias se querem ser levadas a sério."

Confesso que digitar essas coisas me dá tanto nojo quanto digitar argumentos anti-gays ou anti-trans espalhados por qualquer reaça.

E isso não é só porque eu sou pessoalmente afetade por eles, mas também porque silenciam um grupo diverso de pessoas. Essa retórica faz com que um tipo de diversidade interessante e pouco explorada, que deveria ter chance de ter uma voz e de falar de suas experiências, fique isolado em uns cantos em um estado contínuo de ter que suspeitar de qualquer negatividade e de qualquer pessoa que não faça parte desses círculos.

Não dá pra confiar em ninguém


Haviam dois grandes blogs LGBTQIAPN+ dedicados a falar sobre termos para identidades que eram populares. Um deles foi hackeado e deletado, e o outro teve infiltração de alguém com más intenções que resolveu resetar o blog para "não ser mais homomísico" (e começou a usar retórica de feministas radicais e a deixar de validar identidades não-hétero ou não-cis que não eram aprovadas pelo seu novo público monossexista e reducionista de gênero).

Originalmente, os dois blogs tinham certo cuidado com criticar identidades problemáticas e com tentar não aceitar identidades de trolls (a não ser que alguém quisesse ressignificá-las).

Depois disso, o próximo blog que ficou popular não quis ter esses cuidados. É um blog que cataloga qualquer tipo de identidade e que aceita qualquer tipo de envio de termo, sem julgamentos.

Isso criou uma ruptura. Algumas pessoas que aceitavam microcomunidades antes agora começaram a associá-las com a aceitação de termos trolls e problemáticos. Outras pessoas defenderam o blog e foram incentivadas por ele a cunharem identidades menos aceitáveis ainda (mesmo que a maioria não seja necessariamente problemática). Outras se afastaram de ambos estes grupos, aceitando microcomunidades mas tentando manter discernimento.

Independentemente do quanto este blog específico teve influência nisso, a ausência de blogs populares que poderiam ser apontados como recursos bons e a onda de ódio contra microcomunidades fez com que muitas pessoas deixassem de se identificar de forma tão livre em seus perfis pessoais, para evitar serem julgadas por isso.

Enquanto pessoas "ex-xenogênero" (assim como pessoas "ex-assexuais", "ex-MOGAI", entre outras) se sentiram livres para falar de seus relatos de como a liberdade de poder escolher entre identidades demais fez com que elas tivessem escolhido identidades de gênero específicas demais, sendo que depois perceberam que essas identidades eram "inúteis"/"pouco materiais"/"inexistentes"/erradas, pessoas xenogênero no máximo fazem postagens tentando justificar o motivo de xenogêneros existirem, em contas geralmente anônimas para esquivar do ódio inevitável.

Ou seja, temos poucas postagens pessoais de pessoas descrevendo como é ser xenogênero, porque depois de um certo ponto, valia mais a pena calar a boca sobre isso, ou fazer um blog novo pra falar sobre essas coisas mas sem dar informações que poderiam identificar a pessoa em outro lugar.

Isso acaba incentivando a comunidade a ficar no Tumblr e no Discord. No Tumblr, é fácil fazer um blog novo "anônimo", e mandar perguntas anônimas, e já ter contato com a comunidade. Discord também não revela seu endereço de e-mail ou qualquer coisa pra ninguém, então é só fazer um formulário de inscrição para o servidor e pronto! Mais um lugar para fazer amizades.

Mas isso tem consequências:

  • Não é possível apontar uma comunidade que tenha nomes e rostos, porque até seu blog preferido pode sumir do nada sem deixar contato;
  • Como coloquei acima, relatos pessoais são poucos, e a maior produção da comunidade acaba sendo bandeiras e termos, independentemente de serem coisas com as quais quem as cunha se identifica ou de serem só uma ideia que alguém teve;
  • A comunidade não consegue se expandir para lugares que requerem identidades mais fixas e/ou sem uma microcomunidade já estabelecida, porque mesmo espaços não-binários gerais podem reagir com ódio e intolerância.


O ciclo


Com a comunidade isolada, anônima e cansada de ter que se defender, é fácil que trolls realmente finjam ser parte dela.

E é provável que ninguém realmente da comunidade queira tentar ser um exemplo positivo e se expor à intolerância e ignorância, depois do dano ter sido feito.

Isso perpetua a ideia de que todo mundo que se identifica com "termos estranhos" seja troll.

E daí pessoas xenogênero não se sentem seguras em sair do seu canto ou em falar de suas experiências.

Ainda mais quando é fácil achar ódio: é só procurar por termos xenogênero em redes sociais. Stargender. Gendercute. Caelgender. Colorgender. Arithmagender. Cadensgender As vozes defendendo estas identidades ou se identificando com elas vão ser anônimas, enquanto quem faz chacota ou discurso de ódio não tem porque se esconder: sua opinião está dentro da norma.

Assim também é difícil se descobrir xenogênero, ou pensar nessa possibilidade. Quase todo o conteúdo sobre essas identidades é negativo. O pouco conteúdo positivo ainda geralmente é envolto de chacota, intolerância e críticas. E isso impede a comunidade de crescer e se diversificar.

Pode ser mais fácil ignorar essa identificação, ou reduzir a identidade a algo mais aceitável. Ser gênero-fluido ou demimenino ou pessoa não-binária transfeminina já é difícil, pra quê complicar?

Daí, se alguém aparece pra defender, dá pra usar o seguinte argumento: ninguém que se identificaria com isso de verdade teria coragem de admitir, e, portanto, quem usa ou defende estes termos é troll e não merece reconhecimento na comunidade.

O ciclo precisa ser quebrado.

Como quebrar o ciclo?


Histórias xenogênero precisam ser contadas e espalhadas, caso venham de fontes confiáveis.

Ambientes trans e não-binários precisam ser mais positivos para pessoas xenogênero. Façam postagens de positividade e de informação sobre identidades xenogênero, não só sobre identidades trans e não-binárias "mais fáceis de aceitar".

Menos críticas e ceticismo, mesmo que "bem intencionado", por favor. Já temos o suficiente.

A inclusão precisa ser feita com respeito. Não adianta chegar em uma comunidade não-binária e perguntar se alguém ali é gênero-fofo e poderia responder umas perguntas.

Se você é ou convive com pessoas xenogênero, tente (se) perguntar sobre a possibilidade de comunidades/grupos/blogs fora do Tumblr e de chats.

Se você escreve contos ou poemas, faz jogos, etc., tente pesquisar o pouco que há sobre experiências xenogênero, e adicionar representação xenogênero na arte.

E a possibilidade de trolls?


Sempre vão haver trolls fingindo ser estereótipos.

Ao aceitar pessoas xenogênero, a efetividade de trolls vai ser menor; não vão conseguir dividir uma comunidade pela intolerância a algo novo.

Comunidades baseadas em identidades precisam aprender que a exclusão deve ser feita com base nas ações das pessoas, e não com base em usar "termos estranhos".

Aprender a considerar experiências diferentes das suas e acolher pessoas que precisam deveria valer o risco.

Ao excluir pessoas xenogênero, quem ganham são as pessoas que usam a tática da desinformação a favor de enfraquecer comunidades, colocando-as em alerta de uma ameaça que na verdade é um grupo que sofre com questões parecidas.

Ao gastar sua energia fazendo chacota de pessoas xenogênero e falando que são trolls e pessoas que caem em trollagem arruinando a comunidade, isso é mais energia gasta de pessoas que vão tentar discutir com você sobre isso. Inclusão radical faz com que toda esta energia possa ser usada para que a vida de todo mundo seja melhor, não só das pessoas mais próximas de serem levadas a sério.

Sobre maldenominação e impactos na saúde mental


Este é um texto pessoal que lida com cissexismo, exorsexismo e capacitismo, que menciona ideação suicida e automutilação

Eu tenho quase certeza que tenho algum tipo de transtorno do humor. Provavelmente sou ciclotímique.

Esta é uma exploração relativamente recente, mas que faz sentido em relação aos meus sentimentos e comportamentos de muitos anos, ao menos desde a adolescência.

Talvez eu queira remédios para isso em algum momento. Mesmo assim, é algo que eu duvido que seria um processo simples. Não tenho vontade de me desgastar com isso no momento.

E este texto, afinal, é sobre isso: sobre o desgaste que é ser uma pessoa não-binária fortemente afetada por circunstâncias externas.


Eu geralmente me apresento usando apenas um conjunto de linguagem, ou, no máximo, dois. Digo que minha linguagem é ze/eld/e, -/eld/e, ou que podem usar ambos os conjuntos -/eld/e e ze/elz/e.

Também aceitaria ed/eld/', -/elx/x, -/éli/e e outros conjuntos que misturam estes. Mas entendo: a maioria só vai usar um conjunto mesmo, e ter escolhas demais pode acabar fazendo com que "desistam dessa neolinguagem" e passem a me maldenominar ou a evitar qualquer linguagem específica com a pouca naturalidade de quem não está nada acostumade com isso.

Enfim, só falo sobre a linguagem que uso quando estou falando com pessoas que acho que deveriam ter contato com a neolinguagem, ou que acho que vão passar tempo comigo o suficiente para deverem saber como se referir a mim da forma certa.

Isso já é um compromisso injusto. Muitas pessoas podem ir a quaisquer lugares sem ter ninguém nunca errando sua linguagem. E se alguém falar que usa o/ele/o ou a/ela/a, é bem mais provável que isso seja respeitado (mesmo que não tivesse sido anteriormente) do que conjuntos como i/éli/i, -/elu/e ou os que eu uso.

Provavelmente muita gente acha que a culpa é nossa: fomos nós que escolhemos não nos sentir bem com a linguagem que foi atribuída a nós sem consentimento. Mas eu não diria que é uma escolha; a diferença é que agora tenho palavras para usar para dizer que estou desconfortável com certa linguagem sendo aplicada a mim, e que existe um jeito de eu não me sentir mal, mesmo que ele seja difícil para pessoas que odeiam descobrir que seu vocabulário "normal" na verdade é impróprio e ofensivo.

Existem soluções para quem não quer me maldenominar e nem aumentar o próprio vocabulário. Essas pessoas podem começar não falando de mim e nem comigo. Ou, caso haja a necessidade de falar comigo, existem formas de fazer isso sem atribuir uma linguagem que me faz mal a mim.

Talvez isso possa parecer radical: ah não, eu estou dizendo que a maior parte da população não deveria interagir comigo!!! Bem, na verdade, eu iria preferir que a maioria da população aprendesse que linguagem pessoal é importante e variável. E não é como se não existissem pessoas binárias, cis ou até mesmo cis + hétero + sem conexão com comunidades NHINCQ+/LGBTQIAPN+ que soubessem como usar a linguagem certa pra mim.

Mas, honestamente, eu não me sinto confortável ao redor de gente que se recusa a mudar seu vocabulário opressivo. E, sendo autista, e tendo a maior parte dos meus interesses em volta de questões NHINCQ+... eu realmente não sei por qual motivo acharia interessante fazer amizade com alguém que "não gosta dessas coisas de gêneros não-binários e neolinguagem"?


A questão é que, possibilidades reduzidas de conhecer pessoas à parte, acho que existe essa impressão de que pessoas como eu "vivemos numa bolha". Como se tivéssemos a oportunidade de viver só entre pessoas que usam a linguagem correta para nós.

Bem, detesto quebrar a fantasia que a bolha de quem pensa que pessoas não-binárias são mega privilegiadas tem, mas a vida não é assim, ao menos não pra mim.

Eu moro em um prédio. Se acontece alguma coisa relacionada a isso, como avisarem que tenho que buscar uma ata da reunião de condomínio, ou reclamarem que estou fazendo alguma coisa fora das regras do prédio, já me maldenominam, porque pessoas privilegiadas acham mais educado se referir a todo mundo como senhor ou como senhora (e daí obrigam as pessoas que estão empregando a fazer isso).

Se eu for comprar alguma coisa, é bem possível que também me maldenominem. Se alguém na rua quiser me chamar a atenção, também. Se algume parente vier falar comigo por telefone ou chat (o que é raro o suficiente para eu não considerar falar sobre minha linguagem), também.

E também ir num salão de beleza, ou num posto de saúde/hospital, ou numa academia aonde há gente atendendo, ou num hotel, ou nume restaurante/lancheria/bar.

Se eu fizer algum curso, vou me preparar para a humilhação de dizer minha linguagem e de não ser respeitade por ninguém, ou de não dizer minha linguagem e pessoas se surpreenderem e reagirem mal quando eu corrigi-las ou pedir para parar de usar certas palavras ou pedir para não presumirem meu gênero.

Se eu for em uma roda de conversa, se tiver muita sorte pode ter alguma obrigação em declarar conjuntos de linguagem (ou pelo menos só os pronomes). Mesmo assim, a maioria das pessoas não tenta lembrar ou checar a linguagem alheia, e lá vai a maldenominação, mesmo que eu esteja com "ELD" ou com "ZE/ELD/E" gigantes em ume adesivo, crachá ou placa.

Se eu estiver junto com amigues de amigues/parceires, é comum me chamarem em separado para declarar como acham minha linguagem difícil e podem errar no início. O que também é uma bosta, porque só está chamando a atenção para o quanto "eu estou complicando as coisas".

Eu garanto que cada uma dessas coisas dói. Que cada uma dessas coisas pesa.

E, enquanto parte da minha vida é produtiva e tenta fazer o máximo possível, a outra é ideação suicida, improdutividade e/ou choro infinito sobre como minha situação é inevitável independentemente de quantos textos e explicações eu faça.

Então não deveria ser tão absurdo assim eu querer evitar essas situações de maldenominação. Menos maldenominação = qualidade de vida melhor.


Eu estou falando isso por mim, obviamente, sobre uma forma de eu conseguir lidar com meu transtorno de humor, mesmo que ele seja ativado por coisas negativas e mesmo quando uma coisa negativa acontece muito frequentemente comigo por ela ser vista como normal.

Mas eu não acho que meu caso deveria ser o único considerado válido. Eu acho que pessoas que usam quaisquer conjuntos devessem ser respeitadas independentemente do quanto sofrem quando são maldenominadas.

Quando eu comecei a usar neolinguagem pra mim, achei que não seria tão complicado: afinal, na maior parte dos casos, é só trocar uma letra!

Mas, não, parece que precisa sempre haver um conflito desgastante e outras pessoas em volta aderindo até que a maioria considere que respeitar minha linguagem possa ser uma opção.


Eu não gosto de escrever coisas pessoais, especialmente quando dão munição para quem quer me machucar. Mas acho que este texto é importante, por dois motivos.

  • Pessoas cujos conjuntos de linguagem pessoal diferem de o/ele/o e de a/ela/a: vocês não estão sozinhes. Existem pessoas como vocês, que precisam viver no dia-a-dia e não só em grupos onde suas linguagens são respeitadas. Vocês merecem que seus conjuntos sejam aceitos tanto quanto pessoas que usam conjuntos padrão.
  • Pessoas que tratam a/ela/a e o/ele/o como as únicas linguagens existentes: parem de pensar que vocês são as únicas pessoas que "merecem ser exceção" para aprender a usar conjuntos fora do padrão. Parem de pensar que neolinguagem é uma brincadeira e que só trolls usam "pronomes estranhos". Somos pessoas também.

Se você realmente gosta das pessoas ao seu redor que usam conjuntos de linguagem que parecem difíceis para você, faça o esforço ou leve a sério o fato de que você está contribuindo para crises depressivas, automutilação e ideações suicidas dessas pessoas. A sociedade em geral é responsável, mas você também está contribuindo.


Dicas para escrever sem linguagem específica


Como sempre, vou tentar colocar links explicando conceitos que podem ser novos para quem estiver lendo. Também há um glossário após as dicas.

Porém, ainda recomendo que quem leia este texto já saiba informações básicas sobre o que são conjuntos de linguagem pessoais ({1}, {2}) e neolinguagem ({1}, {2}).

Este texto irá mencionar classes gramaticais, mas essa é uma questão inclusa apenas para as pessoas mais interessadas. Acredito que seja possível entender a mensagem do texto sem saber o que são conjunções ou quais tipos de pronomes existem.

Avisos de conteúdo: O texto menciona ódio à neolinguagem, machismo na língua portuguesa, cissexismo/exorsexismo e maldenominação.


A maioria dos textos que falam sobre escrever sem usar conjuntos de linguagem só mencionam o quanto neolinguagem (ou seja, a introdução de elementos novos na língua, como o pronome elu ou como usar e no final de palavras como alune ou bonite ao invés de a ou de o) é irritante, feia, fadada ao fracasso, difícil demais ou o que for.

Porém, como alguém que usa neolinguagem no conjunto pessoal, inclusive no dia-a-dia, e que também sabe que a existência de sintaxe que não usa nenhuma linguagem específica é útil? Magoa-me que a maioria dos textos que falem disto provavelmente veriam uma das únicas formas de euforia de gênero às quais (às vezes) tenho acesso como uma modinha inconveniente, desnecessária e que deveria ser eliminada.

(Por mais que geralmente estejam somente falando de linguagem neutra universal e não pensem no lado da linguagem pessoal - aliás, acho bom apontar que minha linguagem não é neutra - duvido muito que opiniões sobre eld ou elz sejam muito mais favoráveis do que opiniões sobre elu e elx.)

Prazer, sou Aster, uso ze/eld/e, entre outros conjuntos! E estou aqui para falar sobre como escrever sem usar conjuntos de linguagem específicos, uma prática também conhecida como sintaxe neutra, linguagem neutra sem neolinguagem, forma neutra da língua, -/-/-, nenhuma linguagem, e termos similares.


Dica 1: Aprenda a categorizar palavras de acordo com a existência de conjuntos de linguagem associados a elas


1. Palavras como alune, bonite, cansade, danade, excêntrique, fanfarrane, gostose, médique, namorade, professore, queride, treinadore e vendedore possuem final de palavra variável de acordo com o de cada pessoa.

Isso significa que, para não associar linguagem a alguma pessoa que precisa ser descrita com estas palavras, você vai precisar substituí-las ou associá-las a alguma palavra com um conjunto de linguagem fixo associado com ela.

Para não usar nenhuma linguagem específica, ao invés de dizer estie é minhe namorade, você poderia dizer esta é a pessoa que eu namoro.

Esta frase contém duas das técnicas comuns em "tirar" a linguagem específica de algo: usar a palavra pessoa ao invés de se referir a alguém diretamente e trocar uma palavra mais direta por uma descrição de sua função.

Assim, vendedore pode ser pessoa que vende, trabalhadore pode ser pessoa que trabalha e moderadore pode ser pessoa que modera. Só sugiro tomar cuidado, pois certas substituições podem ficar estranhas em alguns contextos.

2. Palavras como artista, bissexual, camarada, desenhista, estudante, feliz, irritante, jovem, monarca, profissional, rival, sorridente e tenista não possuem finais de palavra variáveis; porém, não existem conjuntos específicos associados a elas, então há a necessidade de cuidado ao redor da palavra.

Em esse menino é irritante, a palavra irritante não precisa ser trocada, mas, para tirar a presunção do conjunto de linguagem, a primeira parte da frase pode ser trocada para essa criança é irritante, por exemplo.

Já em frases como ela é uma artista ou ele é um tenista, talvez possa ser interessante trocar palavras por descrições, como em é uma pessoa que faz arte ou é uma pessoa que joga tênis.

Mas, se é melhor que as palavras sejam mantidas, outros desvios podem ser feitos. Talvez a primeira pessoa possa ser descrita como alguém que faz parte de um grupo de artistas, ou a segunda pessoa possa ser descrita como é uma pessoa que é tenista.

3. Palavras como amizade, amor, animal, bicho, coisa, coração, corpo, cria, criança, família, grupo, monstro, organização, parceria, pessoa, ser, união e unidade já possuem os conjuntos a/ela/a ou o/ele/o associados a cada uma.

Estas são importantes no contexto de não usar linguagem específica para pessoas ou outros seres, já que com elas você estará usando o conjunto de cada palavra, ao invés de ter que atribuir linguagem a alguém.

Por exemplo, elu é minhe colega pode virar aquela pessoa é da minha empresa/organização, ou, dependendo, aquela pessoa é minha parceria. Assim, a linguagem é baseada nas palavras pessoa, empresa, organização e parceria, e não no conjunto de linguagem pessoal da pessoa.

Dica 2: Mais substituições para artigos e pronomes


Tal é uma palavra que pode ser usada para substituir artigos (ou até mesmo outras palavras) em algumas ocasiões.

OriginalSem conjunto específico
Achei alguém cujo trabalho parece combinar com meu estilo. Eu vou ligar para a designer amanhã.Achei alguém cujo trabalho parece combinar com meu estilo. Eu vou ligar para tal designer amanhã.

Algumas vezes, também é possível omitir o artigo sem perder o significado da frase.

OriginalSem conjunto específico
Os jornalistas estiveram aqui ontem.Jornalistas estiveram aqui ontem.

Pronomes pessoais podem ser substituídos por nomes, caso você conheça o nome de quem você quer se referir.

OriginalSem conjunto específico
Este estojo é dela.Este estojo é de Carla.
Ele é minha parceria.Dan é minha parceria.
Eu acho que a ideia foi delus.Eu acho que a ideia foi de Ernesto e Fátima.

Caso você não saiba os nomes das pessoas, você vai ter que fazer substituições por aquela pessoa, aquele grupo, etc.

OriginalSem conjunto específico
Eles vieram aqui.Aquele grupo veio aqui.
Acho que gosto dile.Acho que gosto daquela pessoa.
Aqueles homens são meus vizinhos.Aquelas pessoas são minhas vizinhas.

Dica 3: Como lidar com grupos de palavras/pessoas/coisas que usam conjuntos diferentes


Se um grupo contém pessoas que usam vários conjuntos de linguagem diferentes, não é possível reduzi-lo a algo como os alunos, os meninos, os jovens, os estagiários, os amigos, etc.

Em alguns casos, é possível usar a palavra grupo, ou usar outras palavras que substituem isso.

Em outros, é possível falar dos elementos separadamente, associando um conjunto a cada um, se necessário.

Já em outros, é só evitar quaisquer conjuntos específicos.

OriginalSem conjunto específico
Aqueles estudantes possuem notas muito baixas.Aquele grupo de estudantes possui notas muito baixas.
Meus amigos me chamaram para sair.Vitória, Lúcio e Rafa me chamaram para sair.
Preciso do mar, sol e areia.Preciso do mar, do sol e da areia.
Quero comprar uns semicondutores e resistências.Quero comprar semicondutores e resistências.

Dica 4: Nem sempre as frases vão sair iguais


Manter o exato mesmo sentido de uma frase que usa algum conjunto de linguagem específico quando você quer tirar o uso de tal conjunto pode ser difícil ou impossível.

Ao invés de tentar provar que você consegue sempre superar as limitações de tal conjunto, pode ser melhor adaptar frases, mesmo que elas não sejam exatamente as que você queria.

Por exemplo, meus pais não me aceitam, as pessoas que moram comigo não me aceitam e minha família não me aceita são três coisas diferentes, mas se é importante deixar de se referir a pai e mãe como pais e deixar de usar o/ele/o como base para a palavra que significa "mães e/ou pais" sem usar neolinguagem, há a necessidade de uma substituição que pode não funcionar para todos os casos. O que importa é que funcione para o seu.


Apêndice 1: Definições


Eu não gosto de quando vários termos iguais ou parecidos possuem significados diferentes, quando podem ser usados no mesmo contexto. Portanto, vou explicar meu uso pessoal de alguns termos:

-/-/-


Na minha experiência, pessoas que usam -/-/- não querem uma linguagem cortada (como em um menin ou em um- menin-), e sim uma linguagem que evite qualquer elemento mais específico (como em uma pessoa jovem ou em uma criança).

Basicamente, este artigo fala da linguagem -/-/-, ou ao menos de como é usada aqui.

Mas, pra não atrapalhar muito possíveis leituras orais, especialmente as automatizadas que não entendem nem que a/ela/a se pronuncia a ela a, e que vão entender menos ainda que -/-/- seria traço traço traço ou nada nada nada ou mesmo sem linguagem específica, vou usar uma sigla nestes apêndices: NLE (Nenhuma Linguagem Específica).

Conjunto de linguagem (o termo também pode ser resumido em conjunto e/ou linguagem)


Artigo (definido)/pronome (pessoal reto da terceira pessoa do singular)/final de palavra, além de outras palavras derivadas e das outras flexões irregulares que ocorrem de vez em quando.

(Por exemplo, alguém que usa o/ele/o geralmente usa um ao invés de umo e corredor ao invés de corredoro.)

É um termo mais flexível do que gênero gramatical tanto por si só quanto em utilização junto ao sistema artigo/pronome/final de palavra.

Conjunto de linguagem pessoal (o termo também pode ser resumido em linguagem pessoal, conjunto [de alguém], e/ou linguagem [de alguém])


O conjunto que deve ser usado para se referir a alguma pessoa, sendo que esta pessoa tem que ter dado permissão para isso.

Por exemplo, se eu digo "Maria usa a/ela/a", é porque está implícito que Maria escolheu este conjunto e/ou está confortável com ele. Mesmo que muitas pessoas usem o/ele/o para Maria, esta não é sua linguagem pessoal se ela não quer utilizar tal conjunto.

Linguagem neutra ou genérica


A linguagem que alguém usa para se referir a pessoas que não conhece ou a grupos de pessoas com linguagens que são ou podem ser diferentes entre si.

Por exemplo, se você diz "os meus primos são ótimos, eles me ensinaram a nadar" sobre um grupo de crianças onde duas são meninas que usam a/ela/a e duas são meninos que usam o/ele/o, você está usando o/ele/o como linguagem neutra.

Se você diz "es minhes primes são ótimes, elus me ensinaram a nadar" sobre o mesmo grupo, você está usando e/elu/e como linguagem neutra.

Isto é, quando eu escrevo que "tal pessoa usa o/ele/o como linguagem neutra", não quero dizer que apoio que o/ele/o como uma forma neutra universal ideal para a língua. Também não quero dizer que isso significa que a pessoa usa o/ele/o como o conjunto de linguagem pessoal de todo mundo.

Linguagem neutra universal


Qualquer proposta de linguagem neutra/genérica que seja supostamente para todo mundo usar, mas sem a carga de machismo da linguagem utilizada como neutra na maior parte dos materiais disponíveis em língua portuguesa.

Eu não apoio dizer que alguém que usa o/ele/o usa "linguagem masculina" ou "de homem". Categorizações de linguagem por gênero devem ser evitadas.

Porém, não há como ignorar que o/ele/o é a linguagem considerada padrão porque é a linguagem associada com homens, que historicamente foram e ainda são considerados como o gênero superior ou padrão.

É por isso que muita gente propõe e/ou usa @/el@/@, x/elx/x, e/elu/e, NLE ou outros conjuntos como linguagem neutra.

No momento, considero que qualquer linguagem neutra universal seja apenas uma proposta, já que qualquer um dos conjuntos propostos tem seus próprios problemas, e nenhum deles é popular o suficiente para que haja pressão para que todas as pessoas o adotem.

Maldenominar


Usar a linguagem errada para alguém, ou de outra forma invalidar sua escolha de conjuntos de linguagem pessoais, títulos, nomes, rótulos de identidade de gênero, etc.

Isso tem um peso maior quando acontece com pessoas cisdissidentes (não-cis), mas não é impossível maldenominar alguém que seja cis.

Tradução/adaptação de misgender.

NLE (Nenhuma Linguagem Específica)


É a tal da sintaxe neutra, do conjunto -/-/-, etc.

É não atribuir qualquer conjunto específico (como o/ele/o, a/ela/a ou e/elu/e) a alguém ou a algum grupo. Ao invés disso, se usam palavras que já possuem conjuntos específicos associados a elas (como pessoa, que usa a/ela/a, ou grupo, que usa o/ele/o), ou se dá outro jeito de evitar usar qualquer conjunto.

Neolinguagem


Como descrevi antes, é qualquer palavra criada para o propósito de incluir mais "gêneros gramaticais" na língua portuguesa. (Mas, como falei antes, sugiro que não os chamem de gêneros, até porque conjuntos são extremamente flexíveis.)

Isso significa que:

  • O artigo e (como em "e menine") é neolinguagem, mesmo que já exista a conjunção aditiva e;
  • A maioria dos conjuntos que não são o/ele/o ou a/ela/a, como le/elu/e e -/ele/e, usam neolinguagem;
  • Nem todos os conjuntos que não são o/ele/o ou a/ela/a usam neolinguagem. NLE e -/ele/a são exemplos de conjuntos fora da norma que não usam neolinguagem;
  • O que muita gente conhece como "linguagem neutra" ou "linguagem não-binária" vai ser chamado aqui de neolinguagem.

Também é possível adicionar o prefixo neo a classes gramaticais para falar dessas classes especificamente: por exemplo, eld é um neopronome e le é um neoartigo.


Apêndice 2: Utilidades de não usar nenhuma linguagem específica

NLE é útil para:


  • Falar com pessoas que você não conhece sem ter medo da pessoa se sentir maldenominada por você ter usado um conjunto que ela não gosta (mesmo que tal conjunto seja o que você usa como linguagem neutra universal);
  • Usar como linguagem neutra universal, caso você prefira usar NLE a usar algum conjunto que envolve neolinguagem;
  • Usar em situações formais e/ou queermísicas onde neolinguagem (seja como linguagem neutra ou pessoal) pode causar problemas ou levar um texto ou uma fala à rejeição;
  • Usar em situações onde você quer esconder a linguagem que alguém usa (por exemplo, você não quer falar que alguém que você conhece na verdade usa outra linguagem, mas também não quer maldenominar a pessoa);
  • Usar para pessoas que usam -/-/- ou que estão questionando a própria linguagem;
  • Usar quando você esqueceu da linguagem de alguém, ou não sabe usar algum elemento de seu conjunto.


NLE não deve ser usada para:


  • Argumentar que, como linguagem neutra universal sem neolinguagem é possível, qualquer tentativa de linguagem neutra universal que usa neolinguagem é desnecessária/ruim;
  • Evitar usar a linguagem de alguém porque você não concorda com ela (seja puramente por motivos transmísicos, seja por ser contra neolinguagem ou algo dentro dela);
  • Nunca aprender a usar/entender neolinguagem, já que "dá pra fazer tudo dentro da norma".

Apêndice 3: Diferença entre usar NLE e neolinguagem como linguagem neutra


Para alguém que está partindo de usar o/ele/o [ou mesmo o(a)/ele(a)/o(a)] como linguagem universal, qualquer alternativa pode ser difícil no início. No entanto, escolher um conjunto que usa neolinguagem faz com que a mudança entre conjuntos seja bem mais direta:

o/ele/oe/elu/e-/-/- (NLE)
Agradeço a todos os nossos espectadoresAgradeço a todes es nosses espectadoriesAgradeço a todas as pessoas que estão nos assistindo
Todos os alunos desta escola são esforçadosTodes es alunes desta escola são esforçadesTodas as pessoas que estudam nesta escola são esforçadas
Você sabe os nomes dos personagens principais?Você sabe os nomes des personagens principais?Você sabe os nomes de quem está no grupo de personagens principais?

Em relação a esta última: eu sei que algumas pessoas usam sempre a/ela/a com personagem, mas a maior parte dos usos que vejo trocam a linguagem de acordo com a linguagem de cada personagem. Existem algumas outras palavras aonde isso acontece, como membro: alguém é sempre um membro, ou existem membras, membres, etc.?

Isso vai de como você prefere usar tais palavras. Se você diz que o Shinji é uma personagem, você não precisa trocar isso para sua linguagem ser "mais neutra". Porém, se você diz que o Shinji é um personagem, e que a Asuka é uma personagem, você vai ter que contornar isso na hora de não usar nenhuma linguagem específica ao se referir à Asuka e ao Shinji ao mesmo tempo.

Enfim, isso faz com que NLE seja uma forma menos prática de linguagem neutra do que neolinguagem, mesmo que muitas pessoas tenham a impressão oposta puramente por neolinguagem conter "novas palavras".


Apêndice 4: Misturando NLE com neolinguagem (ou com outros conjuntos)


NLE não precisa ser uma coisa completamente separada de outros conjuntos de linguagem.

NLE pode ser sempre misturada com outros conjuntos (por exemplo, ele é uma pessoa dedicada ao invés de ele é dedicado), e também pode ser usada para evitar certas construções que podem dar problemas, ou onde há dúvidas sobre qual seria a forma certa.

Por exemplo, ume artista usa -/ilu/e. Estamos falando déssie artista, desse artista, dessu artista ou dissu artista?

Algumas pessoas diriam que dissu é a forma que faz mais sentido, porque ele está para aquele e desse assim como ilu está para aquilu e dissu.

Mas dissu parece muito disso, o que pode parecer ofensa.

Desse é a forma igual à associada ao final de palavra o e/ou ao pronome ele. E déssie, embora seja uma forma aceita, pode ser confundida com desse na fala oral.

E então sobra dessu, mas talvez esta forma acabe parecendo associada ao pronome elu ou ao final de palavra u.

Uma solução seria perguntar para tal artista; porém, há situações onde isso pode não ser possível ou ideal. Desta forma, uma opção seria dizer que estamos falando de tal artista, ou dessa pessoa que trabalha com arte.

Também existem situações como o pronome de alguém não formar uma contração tão fácil como aquelu, aquela, deld ou dele. Existem pronomes que não começam com vogais, ou que estão tão longe dos pronomes mais comuns que pessoas podem não entendê-los como tal.

Alguns exemplos de pronomes que já vi pessoas usando, e que cabem nisso, são e, ty e 🐾. Enquanto só dizer ty foi pra praia ou eu conheço 🐾 não é muito diferente de uma substituição por um nome, isso é de ou estou falando daquty desenhista pode não ficar tão legal ou fácil de entender.

Assim, isso é de [nome] ou estou falando daquela pessoa que desenha podem ser opções melhores, ainda que você use a linguagem pessoal dessas pessoas em outras situações.

Mesmo em relação a usar neolinguagem como linguagem neutra, não é uma obrigatoriedade o uso contínuo da linguagem que você escolheu. Você pode falar daquelas pessoas que trabalham na fábrica de tambores ao invés de falar daquelus trabalhadories da fábrica de tambores.

Só peço que não exagere, dependendo do contexto, ou vai parecer que você está tentando evitar usar neolinguagem ou a linguagem de certas pessoas a todo custo.


O apoio superficial às pessoas não-binárias


Aviso de conteúdo: Exorsexismo casual, apagamento de identidades/experiências não-binárias, aversão a ou mal uso de neolinguagem

Nota: Estou cansade demais para adicionar links. Se você não sabe o que é certo termo, use a função de pesquisa do navegador para procurar pelo termo aqui ou aqui.


Uma série de questões me incomoda faz tempo, e inclusive já falei dessas coisas em momentos e lugares separados. Mas acho que todas essas questões são conectadas a dois problemas específicos (que também se complementam), e por isto estou aqui fazendo este texto que conecta tudo.

Com o aumento da visibilidade de pessoas não-binárias nos últimos tempos, houve não só um aumento na quantidade de pessoas se identificando como não-binárias, como também nas pessoas que tentam incluir pessoas não-binárias em seus trabalhos, mesmo que de formas pequenas. Eu entendo que para um grupo tão abandonado como pessoas não-binárias, qualquer representação ou inclusão possa virar motivo para comemoração, mas há duas raízes principais que acredito que sejam a causa de muitos problemas:

  1. A exaltação da figura não-binária "justificável"

Existe uma exigência em vários graus de que exista um motivo para pessoas ou personagens serem não-bináries. Isso não é algo novo: desde gamers querendo justificativas para personagens principais serem mulheres ou negres até pessoas queermísicas procurando motivos para alguém real ser multi, lésbica, trans ou de outras identidades NHINCQ+, é um problema de pelo menos muitas décadas. Mas não significa que não possa ser apontado mesmo quando pessoas não-binárias ou supostes aliades fazem isso.

Muites personagens não-bináries são não-bináries por essencialmente "não terem sexo" ou "serem fusões de homem com mulher". Não me venham com "alô Steven Universe, hehehe", porque tem muitos outros lugares onde isso ocorre. Os poucos papeis não-binários de séries que precisam de atories reais geralmente são preenchidos por pessoas consideradas "fisicamente andróginas". Muitas matérias sobre pessoas não-binárias entram em detalhes sobre a corporalidade intersexo de tais pessoas, sendo que, ainda que pessoas não-binárias possam sentir que são não-binárias apenas por serem intersexo, focar nisso é um desserviço a pessoas binárias intersexo e a pessoas não-binárias perissexo.

Especialmente na ficção, parece que há uma tentativa de construir uma narrativa de "personagens não-bináries cis"; não há nenhuma pessoa trans binária na história, mas há personagens que são não-bináries por motivos que não seriam possíveis por pessoas não-binárias reais. Tais personagens também geralmente possuem suas identidades e seus conjuntos de linguagem respeitades por todo mundo.

Não é como se todas as mídias que retratassem pessoas não-binárias precisassem ter personagens não-bináries humanes, que não sejam fusões e/ou altersexo, e que sofressem discriminação; mas há uma ausência de mídia popular que possa ensinar pessoas binárias a tratarem/entenderem melhor pessoas não-binárias.

  1. O apoio a um trinário de gênero

A maioria das pessoas - e isso inclui muita gente não-binária - quer que pessoas não-binárias tenham os mesmos direitos básicos de pessoas binárias, mas não querem ter o "trabalho" de realmente reconhecer uma diversidade de vivências não-binárias.

São as pessoas que falam que rótulos como homem não-binárie e mulher não-binárie não fazem sentido, ainda que não se importem com explicações que digam que pessoas não-binárias "estejam em qualquer ponto no espectro de gênero entre homem e mulher". São as pessoas que só conseguem descrever pessoas não-binárias como "aquelas que não gostam de rótulos", ou como "sem gênero nenhum", ou como "entre homem e mulher". São as pessoas que apoiam a existência de um conjunto como le/elu/e ou ê/elu/e e que querem que vire oficial, mas que tiram sarro de ou criticam fortemente qualquer outra forma de neolinguagem.

(Também podem ser as pessoas que apoiam e se referem a pessoas não-binárias com a linguagem correta, mas que não ousariam usar -/elu/e ou similar para se referir a grupos que contém pessoas binárias, preferindo usar @/el@/@, x/elx/x ou "todes, todas e todos" ou outra coisa que seja mais aceita entre gente binária.)

São as pessoas que "acham problemático" se alguém se disser não-binárie por causa de trauma, neurodivergência, intersexualidade, raça, orientação ou outras experiências, porque querem que todas as pessoas não-binárias só se identifiquem assim porque "nasceram não-binárias". São as pessoas que falam que os rótulos que ajudam pessoas a localizar as próprias identidades de gênero de formas menos genéricas são nocivos para a comunidade. São as pessoas que se recusam a não categorizar pessoas que não são homens e nem mulheres de alguma forma que não seja não-binárie, mesmo que isso não faça sentido dentro da cultura de tais pessoas.

Isso tudo porque querem que não-binárie seja apenas mais uma categoria ao lado (ou no meio) de homem e de mulher, sem nenhuma sobreposição ou complicação ou diversificação. Querem aceitação não-binária, mas só num trinário de gênero restrito que também atrapalha muita gente não-binária.


Acho que já deu pra entender porque considero que estes problemas existem, mas quero elaborar mais sobre o motivo desses problemas serem problemas. Porque muita gente passa pano demais pra essas coisas, afinal, novamente, representação e inclusão não-binária é rara. E tudo bem considerar isso um progresso a um exorsexismo ou apagamento total, mas também não dá pra ignorar que ainda existem problemas aí.

Não-binaridade não é uma teoria ou hipótese; é a experiência vivida de muita gente. E há uma quantidade imensa de pessoas intolerantes ou ignorantes em relação à não-binaridade, o que causa inúmeros problemas pra nós.

Por isso, é importante ter mídia que normalize pessoas não-binárias com as mais diversas experiências: pessoas não-binárias racializadas, gordas, que usam o/ele/o, que usam a/ela/a, que usam -/-/-, que são perissexo, que são intersexo, que fazem transição corporal, que não fazem transição corporal, que foram designadas com gêneros diferentes ao nascimento, que usam diversos rótulos além de não-binárie, que usam neolinguagem em seus conjuntos, que usam mais de um conjunto, que decidem mudar de nome, que possuem nomes tipicamente "de homem" ou "de mulher", que inventam seu próprio nome ou usam um nome "estranho" para que não haja gênero associado com ele, que possuem as mais diversas expressões de gênero, e afins. E, por mais que outras possibilidades também sejam interessantes e possam ser boas representações, precisamos sim ter personagens não-bináries que sejam humanes e que sejam abertamente não-bináries na história. A ausência disso faz com que muitas pessoas nem tenham um ponto de partida quando alguém diz que é não-binárie, o que dificulta a comunicação e aceitação.

Também é importante espalhar que não-binaridade não é uma coisa só. Existem pessoas gênero-fluido, ambigênero, aporagênero, xenogênero, neurogênero, gênero-orientação, gênero-cinza, agênero, gênero neutro e afins, e isso tudo pode coexistir. Rótulos mais específicos fazem parte das identidades de várias pessoas não-binárias, e tentar censurá-los também é rejeitar partes das identidades de pessoas não-binárias, por mais que "de resto esteja tudo bem ser não-binárie".

Se existem pessoas sem gênero que usam a/ela/a e demimulheres que usam o/ele/o, também não faz sentido insistir em categorizar a/ela/a como conjunto feminino e o/ele/o como conjunto masculino. E, visto que um trinário de conjuntos de linguagem ignora as necessidades e expressões identitárias de muitas pessoas não-binárias, insistir que neolinguagem precise ser restrita a um conjunto só também machuca e invalida muita gente não-binária. Não somos de um gênero só, de uma expressão de gênero só ou de uma corporalidade ou corporalidade desejada só, então não há porque nos tratar como se só merecêssemos uma linguagem só (muito menos uma que também seria usada para pessoas de linguagem indefinida, como se não pudéssemos ter identidades próprias separadas da indefinição).

Orientações voltadas a pessoas não-binárias também precisam ser divulgadas. Muita gente parece ter a noção de que identidades não-binárias "não contam para atração", e de que pessoas atraídas por pessoas não-binárias sem serem atraídas pelos dois gêneros binários só podem usar identidades como gay, lésbica e hétero. Isso é apagamento, não importa o quanto você acha que a pessoa binária só pode se atrair por pessoas não-binárias que "pareçam tal gênero". Pessoas toren e trixen são multi, e também podem dizer que são bi e/ou poli se quiserem.

E muita gente acha que pessoas não-binárias são "sempre bi ou pan ou assexuais/arromânticas" porque "não conseguem diferenciar entre gêneros" ou "não ligam pra gênero". Isso novamente é um reducionismo da variedade de experiências não-binárias ao que pessoas binárias quer que nós sejamos; uma massa só que não gosta de rótulos ou que só é não-binária por não entender gênero (ou, em certos casos, por não sentir atração por ninguém). Existem pessoas não-binárias viramóricas, feminamóricas, cetero/medisso e/ou que preferem certo gênero a outros. Existem muitas pessoas não-binárias multi e/ou a-espectrais, inclusive pessoas que ligam isso com sua não-binaridade de alguma forma, mas, novamente, isso não vale pra todo mundo.

Como pessoa não-binária, vejo muita gente só usando alguma linguagem que não seja o/ele/o como neutra quando têm certeza ou certa suposição de que existem pessoas não-binárias na audiência, e eu não acho isso muito legal. Geralmente essas pessoas tropeçam bastante (como em "es pessoes" ou "todes os alunos"), e, além de passarem vexame, também demonstram que só ligam para fazer mudanças no vocabulário quando podem performar para uma audiência que aprecie isso, e não se esforçam para normalizar isso entre pessoas binárias. Também existe a presunção de que pessoas não-binárias só existem em espaços "LGBT", espaços ativistas e/ou alternativos com maioria jovem ou redes sociais, e não em outros ambientes.

Como administradore de espaços como Orientando.org e Colorid.es, também percebo a quantidade de gente que se interessa nestes projetos e que quer se socializar nestes lugares, até que percebe que neles há alguma exigência de respeitar conjuntos diferentes de a/ela/a e de o/ele/o, e de respeitar identidades diferentes de lésbica, gay, bi, trans, e talvez intersexo e/ou assexual. Porque daí é "coisa demais", é "estranho", é "desconfortável", é "anti-LGBTs de verdade", é "militância demais", porque aparentemente respeito à diversidade só conta se a pessoa já conhecia tal diversidade antes e não precisaria se preocupar em conhecer vivências novas.

Independentemente de você ser não-binárie ou não, pense se seu apoio à causa não-binária acaba ou freia quando você tem que botar conforto não-binário acima do conforto binário. Quando vivemos em uma sociedade exorsexista, falar de exorsexismo casual vai ser desconfortável para quem quer ser "livre de preconceito" e "à favor da diversidade" (e isso vale para diversas outras questões também).